2ª Jornada de TRS
Terapia Relacional Sistêmica na Prática Clínica Individual
Psicólogo Ricardo Luiz De Bom Maria
Eu gostaria de começar essa apresentação colocando uma questão que eu irei procurar responder ao longo da minha fala. Essa questão é central no assunto que irei refletir com vocês, porque mexe justamente num tabu relativo ao atendimento individual dentro da abordagem familiar:
Como é possível ser terapeuta relacional sistêmico no contexto da prática individua,l sem ser incompatível com o paradigma sistêmico?
Desde o seu nascimento, nos anos de 1950, a terapia familiar surgiu como uma abordagem que se contrapôs ao modelo mecanicista e linear das escolas psicodinâmicas, que tratavam dos problemas humanos olhando exclusivamente para o interior do indivíduo, para a sua vida intrapsíquica. Era um método que se baseava em atender um paciente por vez, dentro de um consultório, preservando esse indivíduo das relações doentias que mantinha com sua família. E a idéia era justamente essa mesma: isolar o paciente de sua família, para que dentro de um consultório, sob a orientação de um doutor, especialista em patologias e funcionamento da mente, pudesse se curar de seus desvios. Baseando-se no paradigma cartesiano, a terapia psicodinâmica não estava interessada na família “viva” do paciente, mas sim, naquela família que estava internalizada dentro do paciente, e que era a responsável por macular a sua saúde mental. A terapia familiar, por sua vez, através do paradigma sistêmico, se interessou em trabalhar com a família “viva” e em levar toda essa família para o consultório e não apenas um indivíduo. Trabalhando com toda a família de uma vez só, a terapia familiar estava interessada em olhar para as relações e para a comunicação que acontecia entre os membros da família, e não para a “caixa preta” da mente ou do self. No início, as primeiras escolas da terapia familiar faziam questão de sempre atenderem toda a família, e nunca apenas uma parte dessa família. Devemos compreender que isso tem muito mais relação com o momento que a terapia familiar estava do que com os pressupostos sistêmicos da terapia familiar. Isso porque, por volta da década de 50, 60 e 70, a terapia familiar precisava de uma identidade, e para tanto, necessitou se diferenciar das escolas psicodinâmicas. Se estas atendiam sempre apenas um indivíduo, as escolas da terapia familiar acabaram atendendo sempre a família toda. Mas com o amadurecimento da terapia familiar, foi ficando claro que ser sistêmico não significava atender sempre toda a família, mas sim, em ser coerente e “fiel” aos pressupostos do paradigma sistêmico. E nesse contexto, a terapia relacional sistêmica (TRS) mostra como é possível se atender um indivíduo sem se contrapor ao paradigma sistêmico. Isso é viável porque a TRS trabalha com sistemas, e a partir disso, procura identificar o padrão de funcionamento desse sistema para poder checar junto ao seu funcionamento, as suas compulsões básicas, álibis, competências e as aprendizagens e mudanças que esse sistema necessita realizar para continuar evoluindo. Então, o importante nesse momento não é quem é esse sistema, se é uma família, um casal ou um indivíduo; mas sim em como esse sistema funciona e o que esse sistema precisa aprender e treinar. Desse modo, o indivíduo não é apenas um self, mas é todo um sistema composto de várias partes, partes essas que não podem ser separadas nem olhadas individualmente; assim como uma família, que não é apenas a soma de indivíduos, mas um sistema também formado por várias partes que vão formando sub-sistemas. Ser terapeuta relacional sistêmico na prática clínica individual não é ser psicodinâmico e nem linear ou cartesiano. O que vai definir isso é como o terapeuta trabalha, baseado em quais pressupostos. Do mesmo modo, atender a famílias não garante de que o terapeuta seja sistêmico. Isso vai depender, de novo, é do jeito que ele atua. Para clarear um pouco mais essa reflexão, vamos olhar esses três pontos abaixo:
Em cima dessa reflexão fica claro de que os pressupostos da TRS não mudam em função de qual é o sistema que está sendo atendido e de que atendimento individual não é sinônimo de atendimento psicodinâmico.
Bem, agora que esse primeiro ponto já está esclarecido, podemos olhar em como ocorre o trabalho da TRS na prática individual. Vamos checar então os seus pressupostos básicos:
Além desses dez pontos principais, também podemos destacar que o trabalho clínico é realizado priorizando-se:
Com isso então procurei desmistificar o tabu que às vezes ronda o terapeuta sistêmico, de que ele não pode atender apenas uma pessoa, colocando a prática individual dentro da abordagem familiar como um elefante branco no meio da sala, posição essa injusta e sem necessidade. Terapia familiar não tem a ver com atendimento exclusivo de famílias e sim com uma mudança de paradigma na forma que se trabalha com os sistemas. Bem, era isso que eu tinha preparado para hoje, muito obrigado pela atenção de vocês.