Trabalho de Conclusão de Curso de Formação em Terapia Relacional Sistêmica

Formadora: Psic. Solange Maria Rosset

 

Autor: EDNARA NEVES FLORES

 

Título: Casamento - Ontem e Hoje

 

Curitiba

2004

 

Monografia apresentada à Professora e

Psicóloga Solange Maria Rosset

do Curso de Formação em Terapia

Relacional Sistêmica

 

I. INTRODUÇÃO

Muitas dúvidas surgem quando o assunto é casamento. Será que a instituição casamento está com os dias contados? No passado as pessoas se amavam mais ou havia um nível maior de tolerância por parte dos casais? Os valores morais eram a âncora para que as pessoas não ousassem tentar novas relações? Até que ponto o amor é garantia de uma relação feliz? O que acontece no casamento com todo romantismo do tempo de namoro?

Estes são alguns dos questionamentos que a sociedade moderna faz acerca do casamento, sempre em busca de respostas que possibilitem relações mais saudáveis.

Em minha vivência de consultório como terapeuta, uma das queixa mais comuns é a "desilusão" em relação ao casamento. As pessoas buscam um ideal de relacionamento e o perseguem a vida todo esperando que este seja perfeito. As relações na verdade estão longe de serem perfeitas, ao contrário exigem muito trabalho e uma enorme disponibilidade a mudanças, são lapidadas ao longo dos anos mostrando-se em constante mutação e evolução.

Este trabalho surgiu da necessidade de entender os questionamentos levantados e contribuir para o meu desenvolvimento profissional, uma vez que a sociedade apresenta necessidades crescentes da procura de ajuda por parte dos casais, o que acentua a importância de um conhecimento profundo das relações conjugais, com finalidade de intervenção junto destes.

O objetivo do trabalho é compreender as mudanças e evoluções ocorridas dentro do casamento ao longo dos anos. O trabalho se desenvolverá a partir da visão de casamento nos anos 50, as mudanças sociais, culturais, econômicas que influenciaram as relações matrimoniais, o casamento nos dias hoje e considerações finais.

 

II. DESENVOLVIMENTO

A visão do casamento nos anos 50

 

Juntamente com as mudanças de comportamento ao longo dos anos, observa-se uma reestruturação de papéis e funções dentro da instituição casamento.

Na década de 50 o casamento não dependia do amor ou afeto que os parceiros tinham um pelo outro e sim pela boa relação entre as famílias dos cônjuges. Acreditava-se que o amor era um elemento secundário na escolha do parceiro, que este poderia ser apreendido ou desenvolvido após o casamento consumado.

O casamento era a tentativa de conquista da 'liberdade" feminina, esta saia da casa dos seus pais acreditando que obteria independência e autonomia, mas na prática passava a Ter novo dono, o marido. A fidelidade era regra absoluta para a mulher e relativa para o homem.

O casamento não era visto de uma forma romântica, o que ficava claro era o cuidado e a lealdade mútuos. Existia um mandato implícito de que uma vez casados era para sempre, e quem ousasse ir contra, era severamente descriminado e excluído tanto da sociedade como da própria família e passava a representar um perigo as famílias constituídas. Ficar casado era o que a sociedade esperava para que a família não fosse prejudicada.

O casamento sofria uma influência cultural muito grande, e por este motivo era preservado e visto como algo sagrado. Esses valores eram herdados de sua família de origem. Muitos destes novos casais passavam a morar na mesma casa de um dos pais dos cônjuges, lugar repleto de experiências familiares, e essa transmissão de valores e tradições era facilitada pelo fato de muitas vezes haver três gerações vivendo sobre o mesmo teto.

As relações eram mais conservadoras, os valores expressos de forma rígida.

Segundo Mc Goldrick (1995) existiam papéis e funções rigidamente exercidos; o homem era tido como provedor, e responsável pelo sustento daquela família, enquanto a mulher numa postura mais servil, tinha como função nutrir e tomar conta da educação da prole, o que já lhe era passado na própria educação. As mulheres sempre foram centrais no funcionamento da família. Suas identidades eram determinadas primeiramente por suas funções familiares como mãe e esposa; passavam maior parte do tempo ligadas às atividades relacionadas à criação dos filhos.

Para Minuchin (1990) a família mudou na medida em que a sociedade mudou e evoluiu.

A instituição casamento, tal como se desenvolveu, funcionou bem e durou um tempo relativamente longo porque as mudanças sociais, culturais e tecnológicas eram lentas.

 

Mudanças Culturais, Sociais e Econômicas:

Os anos 70 foram marcados por um período de lutas e conquistas. O homem pisava na lua pela primeira vez. Contestar passou a ser moderno, seja contra a guerra no Vietnã, a ditadura ou as instituições como o casamento por exemplo.

Observaram-se mudanças significativas na sociedade de forma geral, talvez o marco tenha sido a liberação sexual advinda do movimento "hippe", que trouxe consigo outras transformações importantes como: o aumento da expectativa de vida da população, maior controle de natalidade com o uso da pílula anticoncepcional, a entrada da mulher no mercado de trabalho, o aumento o número de divórcios e recasamentos; em função de todos esse fatores os valores e padrões familiares foram colocados em questionamentos.

O casamento e a família passaram por uma nova reestruturação. A mulher passou a ter um papel importante de transformação e de matriz cultural, coube a ela a função de repassar à família valores sociais, econômicos e culturais.

Apareceram novas correntes de pensamentos, novas realidades sociais e econômicas. Dentro do contexto social e cultural a mulher que anteriormente não tinha direito a uma vida própria assumiu uma nova postura e mudou radicalmente com o movimento feminista, passou a precisar de uma identidade pessoal. Já para os homens, os objetivos de carreira e família eram administrados paralelamente.

A independência econômica das mulheres, causou profundas implicações nas estruturas familiares tradicionais. Este fenômeno provocou uma reestruturação no contexto familiar onde ambos os pais passaram a trabalhar fora de casa. A mulher então começou exercer outros papéis além da criação dos filhos, passou a preocupar-se com sua realização pessoal e profissional, tornando-se fundamental para o sustento da família.

Carter (1995) afirma que ao dar esses passos em direção da própria identidade, a mulher despertou para a importância do seu salário no orçamento doméstico. Um desses passos talvez o primeiro, seja o reconhecimento do seu papel de provedora, função que, ao longo dos séculos, serviu para justificar a condição de chefe da família, que também trouxe em si o significado de decisão, mando e poder.

Ao contribuir nas despesas do lar, a mulher refletiu sobre as atribuições do chefe da família, se viu desempenhando a obrigação de provedora - juntamente com o marido, sem exercer os direitos tradicionalmente concedidos aos chefes homens. A partir daí a mulher passou a exercer uma postura mais ativa e decisiva na sociedade e no casamento.

A saída da mulher para o mercado de trabalho remunerado, o ingresso no mundo político, a liberação sexual, essas e outras mudanças deram forma a um novo modelo de casamento; com mais autonomia e com responsabilidades compartilhadas, a mulher passou a exercer um outro papel na relação, com espaço e direitos preservados.

 

Casamento hoje

Num ritmo cada vez mais acelerado ao longo das décadas, as mulheres mudaram radicalmente e ainda estão mudando a face do tradicional ciclo de vida familiar que existiu durante séculos. Parece evidente que o comportamento afetivo acompanha as grandes transformações sociais e políticas.

Existe uma diferença significativa entre valores masculinos e femininos em torno do tema casamento; para mulher é utilizado como uma forma de se aproximar um pouco mais de suas famílias de origem, ao contrário, o homem tenta dar um passo mais definitivo no sentido inverso, o de se diferenciar da família.

Na luta pelo equilíbrio e bem estar dos casais e de suas famílias, tanto o homem quanto à mulher buscam novas formas de administrar suas relações e seus casamentos. Papéis e funções já não são determinados ou definidos como no passado, o que era função exclusiva da mulher passou a ser exercida também pelos homens.

Hoje se vê muitos homens cuidando dos afazeres domésticos ou cuidando das crianças enquanto a mulher sai para trabalhar, o que os levam a participar mais da vida dos filhos e da própria vida doméstica. Essa inversão de papéis está mais flexível embora ainda se encontre resistência.

Nesta ciranda, comportamentos e atitudes sofrem grandes transformações, mulheres optam por casar se mais tarde ou escolhem não se casar, tem menos filhos e os tem mais tarde, estão transferindo o desenvolvimento de seus objetivos pessoais para além do campo familiar. Entram nas universidades e investem em suas carreiras profissionais, assumem cargos de chefia ou cargos políticos.

É possível verificar um número maior de famílias monoparentais em geral chefiadas por mulheres, em decorrência de produções independentes ou separações.

O preconceito em relação a separação diminuiu muito e houve necessidade de rever os valores familiares. As famílias que antes eram constituída pelo modelo pai, mãe e filhos sofreram alterações e hoje é possível verificar uma diversidade de configurações familiares: primeiro casamento, casais não casados, casais recasados, casais homossexuais ou ainda os que optam pela separação; adoções por progenitores solteiros; e mulheres sozinhas de todas as idades. E com isto a sociedade se vê obrigada a superar normas e preconceitos do passado, como os filhos do divórcio, filhos ilegítimos ou lares sem pais.

As pessoas estão mais do que nunca preocupadas em investir na melhoria da qualidade de suas relações, em escolher e manter relacionamentos que tragam benefícios a si e a seus parceiros.

 

III. CONCLUSÃO

O casamento como instituição evoluiu e passou por várias transformações ao longo dos anos, até chegar no modelo atual, neste composto complexo de combinações relacionais.

Todas as mudanças ocorridas na sociedade refletiram nas relações matrimoniais trazendo vantagens significativas; uma delas, talvez a mais importante foi à independência financeira da mulher, que a partir daí passou a ter relações mais igualitária, com poder de decisão e autonomia frente ao cônjuge e a família.

A dedicação excessiva em relação ao Ter, leva muitos casais a se dedicarem intensamente ao trabalho tendo pouco tempo para a relação, reduzindo a presença no convívio familiar, o que gera conflitos no relacionamento, como por exemplo a falta de diálogo, tão precioso na manutenção do vínculo.

Além de fatores como: falta de tempo para divertimentos, dificuldades econômicas, insegurança, necessidade de manter o status, e as próprias perturbações levam à falta de paciência e consequentemente às constantes brigas entre os casais e, por fim, tornam-se as causas constantes de separações.

A visão romântica em torno do casamento, a exacerbada idealização e a elevada expectativa em relação ao casamento e as relações familiares, acabam por frustrar os parceiros e até ser motivo para rompimento.

As separações, desilusões, frustrações e expectativas frustradas, são as causas mais comuns pela procura por terapia, espaço protegido onde as pessoas podem reconhecer suas dificuldades e utilizá-las como mais um recurso de mudança, crescimento e aprendizado.

Utilizo em meus atendimentos clínicos com casais o enfoque Relacional Sistêmico, que tem como objetivo entender e atuar nas interações entre o indivíduo, a família e sua rede social. Situa o indivíduo no contexto e promove relações mais saudáveis, através do desenvolvimento da consciência, da responsabilidade de suas escolhas e das mudanças nos padrões repetitivos que o indivíduo ou casal adota em relação a seus problemas.

Apesar dos questionamentos e das dúvidas, as pessoas continuam a acreditar e a apostar no casamento, no amor e na possibilidade de construir uma base relacional, capaz de suprir a necessidade de complementariedade e continuidade, que o casamento e a família proporcionam.

As mudanças nas relações afetivas que ocorreram ao longo das transformações sociais, são profundas e definitivas mas não são estáticas, podem assumir novas formas e com toda certeza serão aprofundadas por nós e pelas próximas gerações.

 

IV. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

MCGOLDRICK, B. et al. As mudanças no ciclo familiar . Porto Alegre, Artes Medicas, 1995.

MINUCHIN, S. et al. Técnicas de terapia familiar . Porto Alegre, Artes Médicas, 1990.

MINUCHIN, S. et al. Famílias Funcionamento & Tratamento. Porto Alegre, Artes Médicas, 1990.

MINUCHIN, S. et al. A cura da família . Porto Alegre, Artes Médicas, 1995.