Trabalho de Conclusão de Curso de Formação em Terapia Relacional Sistêmica

 

Título: O uso do dinheiro na terapia

Autor: Luciana Gomes de Abreu

 

 

 

I. INTRODUÇÃO

Esta monografia vem do desejo de refletir sobre o tema dinheiro e seus significados, nas relações, na terapia e na vida de nossos clientes.

Podendo assim ser utilizada por nós terapeutas como um instrumento a mais em nosso trabalho clinico.

O tema dinheiro aparece em muitas situações diferentes no processo terapêutico. Pode ser uma queixa do cliente, vir acompanhada de significados emocionais, além de ser de grande importância para a construção da relação terapêutica.

O valor da sessão contratado com o cliente não é apenas uma questão de ordem pratica para elaboração de um contrato de trabalho. Ao contratar estamos simbolizando uma relação de prestação de serviços, uma relação de troca, buscando que esta venha a ser o mais justa possível.

O uso do dinheiro na terapia responsabiliza o cliente por seu processo, lhe dando “poderes”, e libertando-o da sensação de estar devendo algo ao terapeuta.

Para o terapeuta trabalhar com o tema, tanto no contrato quanto no decorrer do processo, traz a oportunidade de visualizar muito sobre o padrão de funcionamento e o padrão relacional do cliente.

Perceber a forma como o cliente negocia questões financeiras demonstra muito como negocia questões de sua vida familiar, social e profissional. A relação com o dinheiro que se caracteriza com o uso do mesmo, pode se tornar uma fonte rica de auto-conhecimento, de tomada de consciência e de possíveis mudanças.

Meu desejo é discutir as implicações do dinheiro no processo de terapia e a importância do mesmo. Existem muitos significados e possibilidades que estão associadas ao dinheiro que podem se tornar jogos relacionais.

A comunicação metafórica, não verbal, e emocional tornam-se explicitas nas negociações financeiras. Por exemplo, sentimentos de culpa, medo, preconceitos, frustrações, vitimizações.

Podemos entrar em um mundo subjetivo, em um mundo de fortes emoções e auxiliar a tomada de consciência de nossos clientes, de forma a efetuarem as mudanças que forem necessárias. Não somente no setor financeiro mas em outros setores de sua vida.

Setores que também exigem negociações, partilhas, poisicionamentos.....

O dinheiro exerce um papel fundamental para a compreensão do tipo de relação que estamos estabelecendo com nosso cliente e que ele estabelece com sua vida.

Procuro ainda, levantar reflexões sobre o uso do dinheiro pelo terapeuta para que possa cuidar com a relação que se inicia. Clarear os significados as expectativas e necessidades de ambas as partes, buscando uma relação o  mais funcional possível.

Conhecer a teoria sobre o tema dinheiro e como utilizar este instrumento terapêutico são alguns dos objetivos deste trabalho.

 

II. DESENVOLVIMENTO

O dinheiro como metáfora

O dinheiro é uma invenção do homem para simbolizar as trocas. A principio troca de mercadorias (escambo) e consequentemente a troca de serviços.

As trocas que fazemos em nossas vidas são constantes e podem ser conscientes ou inconscientes. Não percebemos muitas vezes o quão injustas podem ser algumas trocas.

Principalmente se não tivermos claro o valor que o dinheiro tem em nossas vidas.

Uma confusão comum se dá pelo fato de tanto o dinheiro quanto o afeto serem energias de troca, ou seja, elas na maioria das vezes estão ligadas misturadas e confundidas.

Será que vale sair de casa para trabalhar e ganhar tão pouco? Mereço este presente tão caro depois de tanto sacrifício? Meus filhos merecem depois de tanta ausência minha?

O significado do dinheiro pode variar para cada pessoa, para uns significa amar alguém serve como cuidado e preocupação. Para outros é descuido, desproteção e abandono, (varia também em cada situação). Uma mulher por exemplo, que trabalha muito não tem tempo para filhos e marido, está demonstrando descuido desamor ou busca conforto e segurança para a família.

É comum que liguemos dinheiro e afetividade. Ao se trabalhar com dinheiro estamos sempre entre dois pontos o da razão e o da emoção.

Flexibilizar, ter clareza das escolhas e atitudes responsabilizar-se pelos riscos podem nos deixar atento a manipulações e armadilhas que o dinheiro pode nos trazer e aos nossos clientes.

Os sentimentos que podem estar relacionados com dinheiro são muitos, mas acho que durante o contrato terapêutico, especificamente, devemos estar atentos aos preconceitos culpas e medos. Medo da rejeição da competência e incompetência, de crescer, de ter autonomia responsabilidades, dependência e independência, entre outros ...

Enquanto terapeuta conhecer seus preconceitos em relação ao dinheiro é  de grande relevância . Por exemplo acreditar que o cliente esta necessitando de ajuda , ou é uma vitima da situação e não conseguir cobrar a sessão.

Além de todos os outros preconceitos que o dinheiro tem em nossa cultura simbolizando ambição, futilidade, consumismo. Frases como $ não traz felicidade, $ é sujo, e toda a questão religiosa que vangloria a pobreza humildade e a miséria.

 

O dinheiro como Instrumento Terapêutico

Quando o cliente chega para a sessão buscamos informações que auxiliem nosso trabalho futuro. Cuidamos com o contrato para que o mesmo torne-se o mais claro possível para ambas as partes evitando assim que se estabeleça uma relação disfuncional entre o cliente e o terapeuta.

Além das questões práticas de organização, iniciamos uma nova relação com o cliente, onde devemos clarear ao máximo as necessidades, as trocas e possibilidades que esta relação ira trazer para ambas as partes .

A partir do contrato e da forma como o cliente negocia o mesmo, podemos ter uma idéia da forma como ele negocia questões de sua vida e de seu padrão de funcionamento.

Para a glória, no livro a energia do dinheiro, “você faz com o dinheiro o que você faz com sua vida”.

Iniciamos a relação com o dinheiro em nossas famílias. Aprendemos a negociar, desde que somos pequenos, e vamos montando nossas estratégias que nos acompanham por nossa vida adulta.

Cada pessoa constrói sua estória financeira de acordo com uma estória maior, que é a da sua família de origem que nos passa as leis, as crenças e as regras sobre $ que serão validadas conforme vão sendo  experiênciadas.

Muitas vezes mantemos o padrão familiar sem nos dar muita conta de repetição apresentando dificuldades para mudança. Os conteúdos as estórias ás vezes até mudam, mas o padrão nem sempre.

Um exemplo simplista é o de uma família onde a falta de dinheiro sempre trouxe dificuldades brigas e tensões, futuramente um membro desta família mesmo tendo $ sobrando sentirá ansiedade e tensão em relação ao mesmo. A forma e o padrão de relacionar-se com o dinheiro se mantêm, mesmo que falta não continue na próxima geração, mas a tensão e angustia em torno permanece.

Outra questão de grande importância é saber o poder que o $ tem em uma família e o quanto se amplia para escolhas de identidade sexual, social e profissional. Em relação aos filhos, a questão não é apenas escolher a universidade pelo melhor preço mas também, o curso, o horário, o local, etc....Com isso as escolhas financeiras vem acompanhadas de sentimentos,valores, segredos da família e de um controle. Mas do que controlar financeiramente os gastos o controle sobre o outro, sua individualidade suas escolhas e sua vida.

O dinheiro pode tornar-s e um grande jogo de poder nas família ,nas relações e na própria terapia, portanto perceber este jogo é de grande importância para não ficar preso a manipulações emocionais, estados paralisantes de confusão, medos , ansiedades e frustrações.

Pode ainda servir de alibe para o cliente quando o mesmo sente-se preso sem liberdade de escolha. Ser usado como um mantenedor de padrões disfuncionais, por exemplo, no caso de um cliente deixar de fazer algo, aprender, crescer ou mudar, pois precisa de $  e não tem.

O contrato financeiro pode muitas vezes colocar em risco o processo terapêutico podendo ser usado como um álibe pelo cliente e pelo terapeuta, para encerrá-lo ou manter um processo terapêutico sem afetividade sem tomada de consciência ou sem mudanças.

Expressar uma opinião um desejo fazer uma mudança na vida, trocar de emprego fazer novas amizades tudo implica em uma negociação.

Quando enxerga-se o $ de forma objetiva, matemática, ter ou não ter, ele passa a comandar nossas vidas e determina o que podemos ou não fazer nos tornando escravos dele.

Ao perceber ao quanto boicotamos nossos objetivos ou esperamos que alguém nos ajude a cria-se mais possibilidades de lidar de forma mais adulta com o $.

Construir um paralelo entre maturidade emocional e independência financeira é possível. Buscar crescimento pessoal tem a ver com a independência financeira.

Buscar seus desejos, conhecer seus limites e possibilidades bancar seus sonhos e suas vontades.

Para Minuchin, a independência em sua totalidade, se da quando nos relacionamos com nossa família sem nos confundir com ela tendo nossa própria vida pessoal, familiar econômica.

Ao definirmos o que o dinheiro é importante o terapeuta deve levar em consideração o padrão de funcionamento do cliente, para que as decisões referentes a este assunto sejam já e também  uma forma nova e funcional de lidar com o padrão de funcionamento do cliente.

 

Reflexões sobre o uso do dinheiro pelo terapeuta.

Em uma relação terapêutica alem das questões de ordem pratica ( hora data...) contrata-se uma postura, uma condição de terapia.

Em uma relação disfuncional ao se trabalhar com as expectativas do cliente estas podem ser um tanto fantasiosas.

A fantasia de busca pela cura ou resolução dos problemas com receitas mágicas, por exemplo.  Além de uma possível relação assimétrica onde o terapeuta tem o poder é o especialista  o dono da verdade e da bondade.

Como fazer para fazer para que não nos tornemos cúmplices ou aliados de uma possível relação disfuncional mantenedores de um padrão também disfuncional?

Buscar quais os elos que mantém esta relação, e usar o $ como um demarcador. A sessão deixa de ser uma ajuda e passa a ter um caráter de compra de um serviço e com isso terapeuta e cliente passam a ter responsabilidades diferentes em relação ao processo terapêutico.

Sentir-se competente para dar valor ao trabalho, ao tempo e a energia gastos em um atendimento também é essencial para o bom andamento do processo e para cobrar a sessão de forma justa. Se não se sente competente o suficiente precisa buscar onde estão seus “furos” e “faltas”.

Sendo reais mãos a obra ao trabalho. Sendo fantasias, realidade nelas, quem sabe uma boa supervisão e terapia. Ignorar o assunto pois sente-se boazinha demais pra cobrar , por exemplo, não são maneiras muito eficentes de resolver a questão.

Para o terapeuta o que o valor da sessão oferece quais as possibilidades de que seu trabalho e sua energia possam ser renovadas. Quantas sessões precisa para pagar um curso, ou sua própria terapia ou supervisão? O terapeuta paga um jantar paga, a prestação do carro ou o serviço de baba que cuida de seus filhos?

Já ouvi colegas que faziam trabalho voluntário comentarem que enquanto iam atender seus clientes de ônibus, pois o dinheiro estava curto, seus clientes iam de carro, ou o caso de uma cliente (proprietária de lojas na cidade) que pagava exatamente o valor da manicure para a terapeuta pela sessão de psicoterapia . Acredito que nestes casos gere desconforto no terapeuta.

A questão é : ate onde este desconforto pode causar interferências no processo , quando não percebido e trabalho?

O terapeuta deve estar atento as suas necessidades e ver o que lhe impede de cobrar o valor que acha justo. Estar atento aos sentimentos que podem vir acompanhados, medo de rejeição por parte do cliente? Não se sentir competente o suficiente para receber o valor da sessão?

Quando o cliente diz que não aceita a terapia pelo valor podemos entender como uma não valorização do nosso trabalho, “não vendemos bem nosso peixe”.

Para uma pessoa crescer profissionalmente pessoalmente e financeiramente é importante que o não seja visto como uma barreira uma paralisação, mas também como a possibilidade de um recomeço de um outro jeito de uma outra forma. Ouvir um não sem sentir-se rejeitado é tão importante quanto receber um sim.

Não quero dizer com isto que o trabalho assistencial ou voluntário seja realizado por terapeutas inseguros, imaturos, na maioria dos casos é bem o contrario, pois a responsabilidade social é algo de grande maturidade e essencial. Mas é preciso que fique bem claro os ganhos pessoais e profissionais que o terapeuta tem.

O terapeuta pode realizar um bom trabalho assistencial mas precisa questionar sua vida financeira e o quanto necessita de assistência em sua vida pessoal. Cuidando para não se tornar um ciclo entre terapeuta e seu cliente, achando por exemplo: “-que isto é normal afinal à economia e o sistema capitalista são tão vorazes que hoje em dia estamos enrolados financeiramente”.

Outra questão importante no processo terapêutico é a questão do convênio e o que leva o terapeuta a usar este serviço. A existência de uma instituição ou um serviço intermediando a negociação que se da de forma padronizada.

Tanto para o cliente quanto para o terapeuta fica cômodo a prestação deste serviço, que relacionam-se através de um terceiro, tendo uma forma “paternalista”. Como se alguém maior que o cliente e o terapeuta determinem tempo,duração, valor e as vezes até mesmo a quantidade de sessões. O convênio em geral se responsabiliza pelo pagamento do processo terapêutico.Tanto para o cliente quanto para o terapeuta podem reclamar do mal pagamento mas nada podem fazer.

Pode ser para o terapeuta uma boa forma de conseguir mais clientes, mas precisa estar atento ao  comodismo ou a dificuldade de negociar o valor de seu trabalho.

O cliente de convênio exige do terapeuta uma curiosidade maior na hora do contrato terapêutico, afinal as possíveis facilidades do convenio podem fazer com que o cliente tenha menos responsabilidades, por seu processo menos envolvimento. Em alguns casos, fazer somente porque o convenio cobre, ou parar de fazer caso o convenio para de cobrir as despesas.

Esta seria uma boa pergunta a se fazer ao cliente quando o mesmo inicia o processo terapêutico:- o quanto seu processo terapêutico esta vinculado ao convenio? Se não houvesse o convenio viria buscar terapia? Se o convenio para de cobrir o processo termina?

Questões que  parecem tão objetivas e tornam-se tão subjetivas e vice-versa. Quando perguntamos a um cliente, escolha um numero de um a dez que demonstre sua tristeza, por exemplo. A resposta talvez não tenha uma exatidão matemática, mas nos ajuda a perceber o significado para o cliente do seu sentimento.

Então enquanto terapeuta que valor dá ao seu trabalho?

E para você cliente quanto vale sua sessão?

 

III. CONCLUSÃO

Escrevi sobre este tema, pois tem muita relevância em minha vida pessoal e profissional, pois marca para mim de forma bastante significativa à entrada na vida adulta.

Ao escrever pensei muito nos meus preconceitos em relação ao tema o quanto ele era obvio, mas ao mesmo tempo tão pouco falado entre os profissionais.

Além disso acredito que a mulher lida de maneira diferente do homem com o $, acredito que devido a carga emocional envolvida com o tema.  Fica claro quando percebemos quantas poucas mulheres trabalham na bolsa de valores, ou fazem investimentos financeiros.

Acho importante clarear ao máximo possível estas reflexões, pois vejo muitos colegas terapeutas desistirem da profissão pela questão financeira, buscando empregos mais estáveis, com salários garantidos no final do mês.

Para mim dinheiro traz felicidade sim, tanto para o terapeuta quanto para o cliente e para  sua família , mas quanto cada um precisa para sentir-se feliz? Para sentir-se valorizado, adulto e independente. Varia de pessoa para pessoa de terapeuta para terapeuta de família para família.

Enquanto escrevia a monografia, como abreviatura da palavra dinheiro usei o símbolo do cifrão, a principio para adiantar meu trabalho mas depois gostei do impacto que os cifrões  causavam.

Falar em dinheiro na psicologia e o quanto este tema é paradoxal, tão subjetivo e objetivo, tão racional e tão cheio de emoção, renderiam com certeza muito mais paginas muitas mais reflexões.

Enfim crescer implica em responsabilizar-se, ter autonomia para escolher, assumir, prever e correr riscos.  O  dinheiro é um dos meios onde estas questões podem aparecer mais claramente.

 

IV. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Pereira Gloria. A energia do dinheiro. Ed. Campos 1989

S.Minuchin, H.C.Fishman. Técnicas de terapia de familia. Ed Artes Medicas

S. M. Rosset. Izabel augusta – a família como caminho. Ed. Sol

Dowling,Collete. O complexo de sabotagem. Ed Rosa dos Tempos