Resenha de Livro
Curso de Formação em Terapia Relacional Sistêmica
Psicóloga Solange Maria Rosset

 

Nome do Livro:

A Cabana

 

Autor do Livro:

William P. Young

 

Editora, ano de publicação:

Sextante, 2008.

 

Relação dos capítulos

Prefácio

1- Uma confluência de caminhos

2- A escuridão se aproxima

3- O mergulho

4- A grande tristeza

5- Adivinhe quem vem para jantar

6- Aula de vôo

7- Deus no cais

8- Um café da manhã dos campeões

9- Há muito tempo, num jardim muito, muito distante

10- Andando sobre a água

11- Olha o juiz aí, gente

12- Na barriga das feras

13- Um encontro de corações

14- Verbos e outras liberdades

15- Um festival de amigos

16- Manhã de tristezas

17- Escolhas do coração

18- Ondulações se espalhando

Posfácio

Agradecimentos

 

Apanhado resumido sobre cada capítulo

Durante um passeio com a família, a filha mais nova de Mack desaparece misteriosamente. Depois de longas buscas e investigações conclui-se que a menina Missy teria sido assassinada em uma velha cabana.

Após quatro anos, Mack recebe um bilhete de Deus, convidando-o para encontrá-lo na cabana abandonada. Cheio de dúvidas e na esperança de aplacar seu sofrimento, Mack aceita o convite. Chegando lá, Deus, Jesus e o Espírito Santo estão à sua espera e conversam com Mack sobre vida, morte, dor, perdão, fé, amor e redenção, trazendo uma nova luz aos episódios mais doloridos de sua história.

 

Apreciação pessoal sobre o livro

A Cabana é um livro escrito com linguagem simples e fácil, que conta uma história enxuta e direta, bem acessível a qualquer leitor. Entretanto, nunca um best-seller me surpreendeu tanto! A maneira como o autor descreve as conversas do personagem Mack com Deus, Jesus e o Espírito Santo são de uma beleza e simplicidade comoventes. O autor circula pelas bases do cristianismo de maneira leve e amorosa, dando a essa doutrina um outro nível de significado.

O autor fala sobre cristianismo sem as estratégias de conversão que foram usadas por séculos pela Igreja. Os homens são bons, foram criados para serem amados e se desenvolvem a medida que escolhem ter um relacionamento com Deus, através de Jesus. Não existe inferno, não existe o Diabo, as pessoas são livres para escolher, arcam com as conseqüências de sua escolhas. Onde está a culpa? O livro causou um profundo impacto em mim exatamente por tratar dos valores espirituais cristãos sem a culpabilização da espécie humana – seja por termos comido o fruto da árvore do conhecimento, seja porque somos pecadores e Jesus morreu por nossos pecados, seja porque não conseguimos ser como Jesus.

Na verdade, eu acredito que só compreendi Jesus depois de ler este livro. Essa história de morrer por nossos pecados nunca me pareceu justa e portanto nunca me convenceu. Ser como Jesus muito menos. Por que Deus criaria a humanidade inteira para encaixar-se dentro de um único padrão? Ainda mais de um cara barbado que nunca se casa e fica morando com a mãe até morrer, numa cruz?

Entendo que ao morrer por nosso pecados, Jesus dá um salto quântico em termos de nossa consciência enquanto humanidade, conseguindo encarnar os valores de amor ao próximo e despreendimento. Valores tão difíceis de vivermos hoje, e que com certeza eram muito mais difíceis de serem vividos há dois mil anos atrás. Valores existentes não apenas no cristianismo mas no budismo e nas filosofias orientais. Jesus foi muito maior que seu ego ao morrer na cruz.

Dessa forma, a simbologia da morte de Jesus na cruz abre uma nova perspectiva para a humanidade, uma nova perspectiva de funcionamento, de consciência. Junto com o abandono da lógica do olho por olho, dente por dente, vigente até então. A consciência crística passa por um profundo amor ao próximo e pela habilidade de abandonar seu ego. Como diz o autor,  “ Jesus foi o primeiro a colocar a vida de Deus dentro de si, o primeiro a acreditar no amor e na bondade de Deus, sem considerar aparências ou conseqüências. Todo o ser humano está destinado a viver a partir da vida de Deus.” 

Nesse sentido, toda a humanidade teria sido feita para seguir o modelo de Jesus. Mas não para ser como ele. Jesus, no livro, inclusive diz para Mack que muito mal foi feito em seu nome, e que as pessoas não nasceram para ser exatamente como ele Jesus. Encerra tudo isso dizendo que ele, Jesus, não é cristão!

(Isso me fez dar pulos de alegria, porque eu já conheci vários cristãos que se diziam no direito que julgar e converter os outros baseados nas premissas de ser como Cristo, e eu sempre imaginei que Jesus não deveria ser como eles. Jesus não me faria sentir mal por eu ser como eu sou.)

A aproximação de culturas orientais pode ser percebida também quando Deus fala para Mack que a condição de existência divina é de satisfação perpétua e que os homens foram criados para compartilhar desse estado. No Oriente, esse estado se chama nirvana, e pode ser atingido pelas pessoas através de práticas meditativas. 

O livro questiona vários condicionamentos religiosos, principalmente quando mostra Deus como uma mulher negra e gorda, Jesus como um homem normal, não especialmente bonito e o Espírito Santo como uma mulher asiática. O próprio personagem Mack diz que isso lhe fez perceber que todas suas imagens a respeito de Deus eram todas muito brancas e masculinas. Ele é inovador por falar do cristianismo fora de um imaginário limitante, e assim, aproximar várias verdades espirituais do que podemos chamar também de verdades dentro da Psicologia.

A primeira é como um trauma pode amputar ou expandir alguém, dependendo da escolha pessoal do traumatizado. Como ele vai escolher lidar com sua dor e com seu sofrimento: seja como álibi para se manter pequeno e travado, seja como propulsor de transformação - voltar ao lugar do trauma, curar o trauma e usar o trauma como expansor de consciência.

Muitas pessoas que passaram por situações traumáticas graves e se curaram emocionalmente relatam que o trauma possibilitou um grande crescimento interior e inclusive a dimensão de um poder maior, da sacralidade da vida. Muitos relatam terem se tornado pessoas muito melhores depois de seus traumas.

O trauma afasta as pessoas de Deus, pois quando tudo o que uma pessoa consegue ver é sua dor, pode ser difícil enxergar a bondade divina. No livro, Mack recebe um convite para curar sua ferida, e assim curar o abismo que a ferida criou entre Mack e Deus.  Se eu trocar o conceito de Deus pelo conceito de saúde psicológica, isto é, uma personalidade desenvolvida e em crescimento, com disponibilidade de aprender, a analogia faz bastante sentido. 

É interessante que a ascensão a um verdadeiro religio (o religar das pessoas a uma força maior, objetivo de todas as religiões) passa pela elaboração das figuras materna e paterna terrenas. Como se para se conectar com a Mãe Vida e o Pai Espírito, o indivíduo precisasse se haver com as figuras de pai e mãe que teve em sua vida, aceitando suas falhas e imperfeições. O autor pontua para isso, quando Deus se apresenta para o personagem Mack primeiramente como uma mulher, devido ao fato de  Mack nunca ter tido uma boa relação com seu pai. Ver Deus como uma mulher facilitaria esse primeiro acesso. Depois que Mack perdoa seu pai, Deus aparece para ele como um homem, alegando que especialmente naquele momento, em que Mack teria que perdoar o assassino de sua filha, Mack precisaria de um pai.

A maneira como o autor descreve o perdão também é bela: perdoar não é esquecer, é sim soltar a garganta da outra pessoa e entregá-la a Deus. A metáfora é belíssima, e só mostra como ficamos reféns de nossos ressentimentos, pesados por conta deles.

O autor também salpica o texto com falas provindas de um Deus psicólogo: o como manter relacionamentos permite crescimento pras pessoas, a alma humana como um jardim, que é cultivado por nós mesmos, as emoções que são o colorido dessa alma, a liberdade como um processo de crescimento.  Ele também fala da tendência das pessoas de coordenar suas vidas por julgamentos do que é bom e mau, buscando o bom e evitando o mau, sem uma reflexão mais aprofundada sobre os parâmetros de seus julgamentos. As pessoas brincam de Deus dessa forma. E perdem a clareza dos  aprendizados embutidos nos períodos de grande dificuldade. Deus sugere que o caminho é parar de se sentir no direito de julgar os acontecimentos como bons ou ruins e simplesmente escolher viver em Deus, aceitando as coisas que a vida traz. Ele descreve perfeitamente o que é uma pessoa defendida: “ As mentiras são uma pequena fortaleza onde você pode se sentir seguro e poderoso. Dentro de sua pequena fortaleza de mentiras você tenta governar sua vida e manipular os outros. Mas a fortaleza precisa de muros, por isso você constrói alguns. Os muros são as justificativas para suas mentiras. Você sabe, como se estivesse fazendo isso pra proteger alguém que você ama ou para impedir que essa pessoa sinta dor. Qualquer coisa que funcione para que você se sinta bem com as mentiras.”   Defendida e neurotizada, distante da vida e de Deus a pessoa está.

Ele também fala que as pessoas não devem procurar regras e princípios, devem sim procurar um relacionamento com Deus. As pessoas procuram regras e princípios dentro da religião para terem uma fantasia de controle, poderem julgar os outros e se sentirem superiores. Maneiras sutis de criar regras é através de responsabilidade e expectativa. As regras não trazem liberdade, elas trazem apenas o poder de acusar.  Essa é uma maneira bastante elegante de mostrar como muitas vezes as pessoas embarcam em suas fés religiosas utilizando-as como álibis para serem juízes do mundo e não de si próprios.

O autor fala também sobre o sentido da vida humana: nascemos para sermos amados. Uma pessoa que não é amada é como um pássaro sem asas para voar. A dor tem a capacidade de cortar nossas asas. “O amor é o vôo.” Maneira comovente de dizer a antiga frase de que Deus é amor. E que efeito benéfico tem o amor na vida das pessoas!

Um livro que fale sobre fé sem a pretensão de dizer que determinado sistema religioso é um caminho absoluto de redenção, e que também mostre seus conceitos de forma clara, flexível e não julgadora abre a possibilidade para as pessoas refletirem sobre o que acreditam, serem pensantes dentro de suas crenças, bem como façam paralelos criativos com outras doutrinas. Isso é excelente exatamente porque marca uma outra postura dentro do universo religioso: distante do autoritarismo e da culpa, livre e disposta a ser algo bom e leve na vida das pessoas.

 

Nome do autor da resenha e data: Slovia Uhlendorf,  17 de maio de 2010.