Resenha de Livro
Curso de Formação em Terapia Relacional Sistêmica
Psicóloga Solange Maria Rosset

 

Nome do Livro:

A casa dos espíritos

 

Autor do Livro:

Isabel Allende

 

Editora, ano de publicação:

Bertrand Brasil, 2010

 

Relação dos capítulos

I – Rosa, a Bela

II- Las Tres Marias

III- Clara, Clarividente

IV- O Tempo dos Espíritos

V- Os amantes

VI- A vingança

VII- Os irmãos

VIII- O conde

IX- A menina Alba

X-A Época da Decadência

XI- O Despertar

XII- A Conspiração

XIII- O Terror

XIV- A Hora da Verdade

 

Apanhado resumido sobre cada capítulo

I – Rosa, a Bela

A história começa com a primeira geração da família, a vida na casa dos Del Valle, e a respeito da personagem Rosa, por quem Estebán Trueba se apaixona e se torna noivo. Rosa morre tragicamente, tomando um veneno que havia sido destinado a seu pai, possivelmente por inimigos políticos. A irmã mais nova de Rosa, Clara, que havia previsto que alguém morreria, sente-se culpada pela morte da irmã e fica muda durante anos.

II- Las Tres Marias

Devastado com a morte de sua noiva, Estebán Trueba larga seus negócios nas minas e volta à fazenda que pertencia à sua família, Las Tres Marias, que está completamente abandonada. Lá encontra os antigos empregados vivendo miseravelmente, e decide reerguer a fazenda aos seus padrões de antes. Sobressai-se nisso, transformando Las Tres Marias em uma fazenda modelo, estruturando e melhorando a vida dos empregados, além de enriquecer.

III- Clara, Clarividente

Muitos anos se passam e Estebán resolve voltar a capital atrás de uma esposa. Decide bater à porta dos Del Valle para saber se eles ainda tinham alguma filha em idade de casar. É quando Clara volta a falar, e a primeira coisa que diz é que irá se casar, antes mesmo da visita de Estéban. Tornam-se noivos, casam-se, e tem três filhos: Blanca, Jaime e Nicolás.

IV- O Tempo dos Espíritos

Estebán constrói uma casa na cidade para sua família, o casarão da esquina, e a vida da família é dividida entre a vida na cidade e as visitas a Las Tres Marias nas férias. A irmã Férula de Estéban vai morar com eles, e ela e Clara tornam-se muito próximas. No casarão da esquina, Clara dá vazão aos seus dons paranormais e ao desenvolvimento de sua comunicação com todo um universo esotérico, através de comunicação com espíritos, cartas de tarot e astrologia. Também inicia um trabalho de ajuda a pessoas carentes, tanto na cidade quanto em suas visitas a Las Tres Marias.

V- Os amantes

Blanca e Pedro Terceiro García, neto de um dos trabalhadores de Las Tres Marias, brincam juntos desde criança e a medida que crescem, se apaixonam e vivem seu amor na fazenda, longe das vistas do pai de Blanca, que desaprova o romance e o envolvimento da filha com pessoas de outra classe social. Pedro Terceiro aproxima-se de idéias libertárias, num posicionamento crítico ao trabalho e o patrão, num viés marxista.

VI- A vingança

O romance de Blanca e Pedro Terceiro é descoberto por Estéban, que bate na filha, esmurra a esposa Clara, que a defende, e procura Pedro Terceiro para um acerto de contas. Consegue um embate com Pedro Terceiro através de Estebán García, neto de Pancha García, que fora violada por Estéban antes deste casar-se com Clara. Pancha teve um filho de Estéban, e o menino Estéban García é neto também de Estéban Trueba. No embate com Pedro Terceiro, Estéban lhe corta três dedos das mãos, mas não lhe tira a vida.

VII- Os irmãos

Blanca e Clara voltam à casa na cidade. Lá encontram Jaime, que tornou-se um médico, dedicado a ajudar aos necessitados, e Nicolás, envolvido em buscas espirituais e empreendimentos  fantásticos e mal fadados. Blanca está grávida e Estéban a casa com o Conde de Satigny, francês interessado em desposá-la para dar o golpe do baú e que não se importa de Blanca estar grávida de outro.

VIII- O conde

Blanca vai viver com o conde em um parte distante do país. O conde, utilizando o dinheiro enviado pelo sogro, aluga um palacete e começa a viver luxuosamente. Até o dia em que Blanca resolve entrar num quarto que o marido mantém fechado e descobre várias fotografias pornográficas que delatam o caráter pervertido do marido. Blanca foge, e retorna ao casarão da esquina, no último mês de gravidez.

IX- A menina Alba

A filha de Blanca nasce no casarão da esquina, e é chamada Alba. Lá interage com os avós e os tios, e tem sua infância permeada pelas excentricidades dos moradores da casa: as paranormalidades da avó, as buscas espirituais e treinamentos para manejo de dor do tio Nicolás, as aulas de cerâmica que sua mãe oferece para deficientes, os rompantes de raiva do avô. Estebán se apega muito a Alba, e como desde a briga com a filha Blanca, Clara não fala mais com ele, é através de Alba que ele vive sentimentos ternos.

X-A Época da Decadência

A morte de Clara marca este período, como se ela fosse a alma do casarão da esquina, o elo que ligava seus moradores e trazia vida e alegria para a casa. Estebán se envolve cada vez mais com a política, e o país começa a viver tempos turbulentos, com o medo dos comunistas e o fortalecimento de uma ala crítica na população.

XI – O Despertar

Alba faz dezoito anos, se apaixona por Miguel, do partido de esquerda, contrário ao posicionamento de seu avô. Envolve-se no movimento estudantil por causa de Miguel apenas.

XII- A Conspiração

O candidato de esquerda ganha as eleições, e encontra um boicote dos comerciantes, greves e falta de alimentos que levam o país a um estado caótico.

XIII- O Terror

O presidente é deposto por um golpe militar. Jaime é assassinado, juntamente com várias outras pessoas supostamente favoráveis ao antigo presidente. Nicolás já morava nos estados Unidos. Blanca e Pedro Terceiro conseguem um salvo-conduto para viver no Canadá, com a ajuda de Estebán Trueba.  Alba é presa por conta de seu envolvimento com Miguel, e mesmo o poder político de seu avô não é capaz de salvá-la.

XIV- A Hora da Verdade

Alba é torturada e violada por Esteban García, neto de Pancha García, que se tornara membro do exército. É mantida em cativeiro por muito tempo. É finalmente libertada porque Miguel se aproxima de Esteban Trueba e lhe orienta a pedir ajuda a Tránsito Soto, cafetina que devia um favor a Esteban.

Epílogo

Alba fala em primeira pessoa na dor que passou em seu cativeiro, e em como foi curando-se num campo de mulheres no qual ficou antes de ser solta. Diz que seu avô que lhe disse para escrever a história da família, para que ela não perdesse.

 

Apreciação pessoal sobre o livro

A casa dos espíritos é um clássico da literatura sulamericana, relatando, em seu final, o período do golpe militar ocorrido no Chile no século passado. A autora conta a história de sua família, em três gerações que se entrelaçam e tornam a leitura bastante rica dentro de um viés sistêmico.

É inevitável ver, na trigeracionalidade, a vida das famílias como uma tapeçaria intrincada, cada personagem encarnando determinados fios, determinadas questões, que voltam e se repetem, ora melhoradas, ora pioradas e que vão colorindo a existência de seus integrantes. A autora descreve bem esse movimento: as questões de um feminino sensível e místico se expressam de formas distintas mas mesmo assim fortemente reconhecíveis em Rosa, Clara, Blanca e Alba; as tentativas fantásticas de voar se mostram no tio Marcos e também em Nicolás. Certas questões trazem um caráter de identidade a um grupo familiar, e são reforçadas por seus rituais, seus hábitos, suas histórias.

Como cerne principal do romance está o casamento de Estebán Trueba e Clara, casamento este que mostra a cisão entre feminino e masculino presentes por milênios na história humana. Estéban incorpora o masculino duro, rígido, estruturador, que deseja continuidade, violento, raivoso e descontrolado. É a encarnação dos valores da família, da tradição, da propriedade e da ordem. Suas falas e posicionamentos são muitas vezes porta-vozes do desejo do sistema de manter-se como está. Já Clara incorpora o feminino etéreo, sensível, paranormal, alheio, esquizóide, etéreo, e bondoso. Bastante inábil para a realidade e concretude da vida. É interessante porque esses personagens, tão extremos e tão diferentes, casam-se, e vivem um casamento em molde de divórcio, possivelmente porque culturalmente, feminino e masculino não estão bem desenvolvidos dentro de cada um deles: Estéban poderia circular melhor por seus sentimentos, ser mais suave e amoroso; Clara poderia ter mais pés no chão e lidar com a realidade de maneira mais direta, menos evasiva.

Nesse tipo de casamento é difícil que a complementariedade seja dinâmica. Ler essa história me fez pensar como é libertador viver em tempos modernos, nos quais os indivíduos podem se desenvolver mais como pessoa, e assim tem a possibilidade de viver parcerias de mais troca, de complementariedade dinâmica, de crescimento. É óbvio que nem todas as pessoas escolhem isso para si, mas em termos de modelos culturais isso hoje em dia já é permitido. Viva os tempos modernos!

Isabel Allende dedica o livro às mulheres de sua família, e este romance retrata bem a maneira como os conhecimentos e as tradições em sua família foram sendo passados entre as mulheres, de avó para filha e para neta: Clara ensina Alba a conversar com animais, a tecer cachecóis para os pobres, ensina-a a compreender os signos premonitórios da natureza... Esse processo se dá no cotidiano e fortalece a identidade da família. É interessante como o mesmo parece não acontecer da mesma forma na parte masculina da família, tendo em vista que os filhos Jaime e Nicolás são distantes e não tem uma boa relação com seu pai. A vida de ambos parece tentar amenizar o caráter extremamente rígido do pai, ambos ficando bastante diferentes dele: Jaime se torna um médico dedicado a fazer o bem ao próximo, vive com o mínimo necessário, parece não desenvolver uma vida para si. E Nicolás se interessa por negócios mal fadados e buscas espirituais.

As questões de uma sociedade e de um determinado tempo podem ser facilmente lidas e sentidas nos dilemas que as pessoas vivem em suas vidas, em suas famílias. A maioria das pessoas, entretanto, não percebe essa relação, como se os problemas coletivos e sociais fossem algo distante de seus universos. Em A Casa dos Espíritos, a briga entre classes é o ponto chave que desenrola nas questões políticas do país. E a briga entre classes é a questão principal vivida pela personagem Blanca, filha do patrão, que se apaixona perdidamente por Pedro Terceiro, filho de empregados. É também nas famílias que as mudanças ocorrem. Estebán, que fora sempre contra o romance da filha, no final de sua vida abençoa o envolvimento e ajuda ela e Pedro Terceiro a sair do país.

O passar dos anos amolece a dureza de Estebán Trueba, e especialmente a vinda de sua neta Alba, parece suavizar seu caráter. É simbólico que Alba leva recados da avó para o avô, realizando a ponte entre sentimentos de ternura, amor e suavidade, estes que faltam na personalidade árida e severa de Estebán.

Ainda ligada a briga entre classes, está a questão de Pancha García, filha de empregados, que foi violentada por Estebán. Pancha cria seu filho e seu neto nos sentimentos de raiva e revolta, pois seus filhos não tem direito a herança do patrão, sua sexualidade foi usada como um bem de consumo. Essa dinâmica se desenrola de forma paralela a vida de Esteban e seu casamento com Clara, os filhos... Esse ressentimento volta para cobrar sua dívida no personagem de Esteban García, neto de Pancha e verdugo de Alba em seu cativeiro. Nesse contexto, a sexualidade se mistura com violência. É perceber esse processo que permite algum grau de sobriedade para Alba, enquanto ela passa pelas torturas em cativeiro. No epílogo, Alba percebe a questão trigeracional e a forma como as questões se repetem...

Desconfio que tudo que aconteceu não seja fortuito, mas que corresponda a um destino traçado antes de meu nascimento e que Esteban García seja parte desse desenho. É um traço rude e torcido, mas nenhuma pincelada é inútil. No dia em que meu avô derrubou sua avó, Pancha García, nos matagais do rio, acrescentou outro degrau a uma cadeia de fatos que deveriam ser cumpridos. Depois, o neto da mulher violada repete o gesto com a neta do violador, e, dentro de 40 anos, talvez meu neto derrube a neta dele entre as matas do rio, e, assim, pelos séculos vindouros, numa história infindável de dor, sangue e amor.” (p. 447)

Nessa consciência, tenta tranqüilizar-se de sentimentos de vingança, que percebe que fariam parte do mesmo rito inexorável. Ao invés disso, ocupa-se da vida e assim se ocupa de passar uma tocha melhorada para seus descendentes.

Este, como outros livros da autora, é um romance inspirador, que dão ao leitor a sensação de crescimento e aprendizado ao final da leitura.

 

Nome do autor da resenha e data: Slovia Uhlendorf, Fevereiro de 2011.