Resenha de Livro
Curso de Formação em Terapia Relacional Sistêmica
Psicóloga Solange Maria Rosset

Nome do Livro:

Além da luz e da sombra: sobre o viver, o morrer  e o ser

Autor do Livro:

Jean-Yves Lelloup

Editora, ano de publicação:

Vozes, 2004, 4 edição

Relação dos capítulos

1. Parte I – Acompanhamento dos agonizantes

Introdução

Livro Tibetano dos Mortos – Bardo Thodol

O Livro Cristão dos Mortos

2. Parte II – O absurdo e a graça

O encontro com o numinoso

A luz e a sombra, a graça e o absurdo

História de Jô

Apanhado resumido sobre cada capítulo

Cap 1. Parte I – Acompanhamento dos agonizantes

Introdução

O ser humano é o único animal que sabe que vai morrer,e  toda sua grandeza e dignidade consiste em refletir sobre o sentido de sua vida. E no final, o sentido certo da vida e a morte. Nesta etapa introdutória o autor provoca a respeito das imagens e sentimentos que os seres humanos nutrem a respeito do morrer. Tais imagens, sentimentos e pressupostos antropológicos certamente direcionarão a abordagem dada à morte e ao morrer. JYL descreve quatro abordagens centrais deste processo:

  1. A morte como ocasião de passar para uma outra freqüência: a tradição budista assim como alguns profissionais de saúde (como Elizabeth Kübler-Ross) compreendem este processo como a morte da forma física, não da vida. Nesta abordagem acompanhar alguém no processo de morrer é ajudá-lo a fazer deste momento uma ocasião de despertar e se libertar.
  2. A morte como karma, como conseqüência de nossos atos: é a oportunidade de entrarmos num nível melhor, igual ou menor do que estamos de acordo com nossos atos e escolhas ao longo da vida. Acompanhar alguém é ajudar a despertar para a responsabilidade durante a vida.
  3. A morte é o fim, e nada além disso: nesta versão menos espiritualista o extinguir do corpo equivale ao fim do ser. Acompanhar alguém pode significar apenas alívio da dor.
  4. A morte como passagem para uma nova vida: a visão cristã de morte enaltece a “vida eterna”. Para JYL, o reconhecimento de nossa porção eterna pode ser assentado sobre a metáfora da ressurreição de cada um. Acompanhar é oferecer os cuidados paliativos para alivio do sofrimento físico mas, principalmente se ocupar do despertar da pessoa para a vida eterna, lembrando-o da presença da luz.

Livro Tibetano dos Mortos – Bardo Todhol

A tradução do título é “Livro da libertação pela escuta entre dois”. Significa entre dois planos do ser. Bardo é a escuta do que está entre o consciente e o inconsciente (sonho, nirvana, imagens, arquétipos, psicose). Para os tibetanos a presença do Lama no processo de morrer é importante para auxiliar no desapego. Lama quer dizer pai ou mãe. O Lama que acompanha o moribundo ali está para auxiliá-lo a ultrapassar o mundo intermediário e não a tomar as suas imagens interiores como a última realidade. Conduzindo a reflexão acerca dos trechos do livro, JYL discute a simbologia e as lições que estão por trás das palavras e que revelam a milenar tradição budista de condução do processo do morrer.

O Livro Cristão dos Mortos

O livro, escrito por volta do século XIV mas baseado em textos mais antigos, descreve o momento da morte como uma seqüência de perasmos (palavra grega que significa provação). O acompanhamento dos moribundos no cristianismo tem a ver com orientar para a ressurreição. O tom do momento é o perdão. No rosto dele está estampada a agonia (“combate” em grego) com o passado, as memórias, com o inconsciente pessoal e familiar. “A oração do Pai-Nosso não pede para nos libertar das provações, mas pede para não sucumbir a elas”. Para JYL esta é uma nuance importante e definidora. Ele ainda comenta que as fases (pelas quais o moribundo passa) descritas pelo livro guardam grande semelhança com as fases descritas pelas pesquisas e obras de Elizabeth Kubler-Ross.

Parte II – O absurdo e a graça

O encontro com o numinoso

Nesta parte do livro, o autor descreve o encontro com o numinoso em diferentes formas: nas artes, na natureza, no encontro com o outro. O numinoso segundo ele, não é apenas o luminoso, mas aquilo que nos fascina e aterroriza. Ao mesmo tempo estamos fascinados por uma realidade que sentimos verdadeira, e aterrorizados porque essa realidade traz um questionamento em nossa maneira habitual de ver as coisas. Freqüentemente, para JYL, quando se fala da experiência do ser só se fala dos seus aspectos luminosos, deixando encobertos os aspectos sombrios. Mas como estamos num caminho no qual reina a visão holística é importante a integração da sombra e da luz. Se não o fizermos corremos o risco de enaltecer o perfume da rosa mas ignorar a força de seus espinhos. A fim de nos tornarmos mais inteiros, faz-se importante refletir acerca dos paradoxos do real presentes no cotidiano de nossa existência.

A luz e a sombra, a graça e o absurdo

No coração da sombra existe a luz. E no coração da luz existe a sombra. A experiência do ser é a experiência do círculo que mantém os dois juntos, diz JYL. Sempre utilizando de sua eloqüência e profundidade na fala e nas articulações, ele passeia por diversos contextos nos quais a dualidade da vida está presente, como: ciclos de vida, relação conjugal, o fundamentalismo religioso, sofrimento físico e psíquico, a morte. “O real é paradoxal e é preciso aceitar que, em dado momento, não possamos apreendê-lo porque então seremos obrigados a ir além dos opostos e dos contrários”.

História de Jó

Jean-Yvez utiliza-se da história bíblica de Jó para explanar sobre o momento nas escrituras em que Deus separa-se da noção de maldade. Ele explica que no antigo testamento Deus integrava as polaridades. Já na história de Jó aparece a figura de Shatan (o diabolos, aquele que divide). Ele aparece na vida de Jó para tentá-lo, testá-lo, para aferir a fé e a integridade e a fé de Jó. O autor explora as tentações e provações que vem de nosso íntimo, de nosso inconsciente. O livro de Jó nos mostra que não há algo mais profundo do que o desespero. É quando, no fundo do buraco da existência, quando nada mais nos resto, no âmago do absurdo uma voz interior nos fala. O mestre interior, para JYL “Aquele que É”. Para ele, o processo descrito no Livro de Jó é o mesmo chamado por Jung de individuação. Geralmente recebemos as coisas normais como se fossem devidas e é preciso, eventualmente, que elas nos sejam tiradas para que passemos a apreciar todas estas coisas como um dom.

 

Apreciação pessoal sobre o livro

Constituído a partir de conferências proferidas pelo psicólogo, padre ortodoxo e teólogo francês Jean-Yves Lelloup no Brasil, em 1998, esta obra traz diversas articulações sobre o tema da morte e da sombra. Como holístico que verdadeiramente é, JYL trabalha incessantemente nos paradoxos presentes nos diferentes processos da vida humana, algo que para ele está o tempo todo “entre o absurdo e a graça”. À partir dos livros cristãos e tibetanos sobre a arte de morrer e do livro de Jó, ele amplia a noção de morte e morrer e também o papel do acompanhante (terapeuta, médico, sacerdote) nestes processos de forma profundamente humanizada e simbólica. Este pequeno livro configura uma excelente fonte de inspiração e amplitude para os psicoterapeutas de todas as abordagens, em especial as sistêmicas e transpessoais uma vez que exercita o trânsito lúcido entre os paradoxos da vida e da passagem, sem cair na tentação de tomar partido desta ou daquela perspectiva.

Nome do autor da resenha e data: Juliana Zilli Bley Data: 30/01/08.