Resenha de Livro
Curso de Formação em Terapia Relacional Sistêmica
Psicóloga Solange Maria Rosset

Nome do Livro:

Como sobreviver à própria família

Autor do Livro:

Mony Elkaïm

Editora, ano de publicação:

Integrare Editora

Relação dos capítulos

Introdução

Capítulo 01 – Mãe e Filha: a travessia de um conflito

Capítulo 02 – O passado não nos condena

Capítulo 03 – O patriarca que queria o bem dos filhos...contra a vontade deles

Capítulo 04 – Em que roteiro eu me encaixo?

Capítulo 05 – Meu filho se recusa a estudar e a trabalhar

Capítulo 06 – Libertar o outro para que eu possa mudar

Capítulo 07 – O homem que não conseguia deixar a mulher nem continuar com ela

Capítulo 08 – O luto num contexto

Capítulo 09 – A mulher a quem se pedia demais e o homem que se sentia abandonado

Capítulo 10 – O homem que queria afeição e a mulher que queria ser respeitada

Capitulo 11 – Eu parceiro, meu casamento e eu

Capítulo 12 – Um segredo de família

Capítulo 13 – O navio fantasma

Capítulo 14 – Sobreviver à própria família

 

Apanhado resumido sobre cada capítulo

Introdução:

Quem nunca se sentiu em algum momento preso a sua família ou até mesmo esmagado por uma realidade que não pode influir? Cada um desempenha um papel específico no roteiro familiar e a distribuição desses papéis,em geral, é feito a revelia de todos.

Desde o nascimento estamos presos a um contexto: de como fui desejado, o nome que recebi , bem como outros elementos que constituem um ambiente de regras e mitos, criado e compartilhado entre os membros da família.

O autor traz situações cotidianas e dentro deste contexto, relações e como fazer para sair desse círculo vicioso de estar preso a parentes.Pode-se conseguir delimitar território, fazendo com que seja respeitado pelas pessoas que o cercam. A idéia é mostrar a nossa capacidade em modificar as regras do sistema em que vivemos e que permitirá a todos os membros da família a terem acesso a mudança. Assim é que os vínculos que se unem aos outros, lugares e causas do meu sofrimento, podem ser os próprios caminhos da minha libertação e dos familiares.

“As famílias são semelhantes a essas árvores magníficas,cujos galhos desabrocham na primavera.. mas acontece que, às vezes, um dos ramos não dá botões ou, então, nenhum botão se abre, nenhuma flor desabrocha. O galho parece seco, como se privado da seiva para se desenvolver. O papel do terapeuta familiar é o de um jardineiro que oferece ou traz um bom adubo, a boa terra, que faz nascer o sol no lugar certo. Então, dos ramos, inclusive aqueles que parecem atrofiados”. Mony.

 

Capítulo 01 – Mãe e Filha: a travessia de um conflito

A mãe com 50 anos Anne e a filha Agathe  com 25 anos, vão ao consultório. A queixa é que Agathe acabou de ter um bebê e sua mãe, não quer conhecê-lo. Ambas as partes se posicionam e expõem as dificuldades de como se sentem.

Anne devido a sua história tem medo de ser rejeitada e tratada com indiferença; pois quando se separou do marido, a filha continuava e continua a manter contato com o pai mesmo sabendo tudo o que ele fez.

Agathe em contra partida não quer que a sua mãe se comporte com ela como a sua mãe  a tratava. Observa-se um sistema circular e fechado, o que ocasiona uma acusação mútua por aquela situação, num círculo patológico. Anne é uma mulher hipersensível e, parece marcada por relacionamentos dolorosos que teve no passado, tem medo de arriscar, se envolver e sofrer como aconteceu na sua infância. A filha se sente mais a vontade para expressar seu desejo, mas se sente rejeitada na sua singularidade. O pai ausente, sempre presente nesta relação.

Durante toda a primeira sessão se acusaram mutuamente. Ambas desejam ser aceitas a sua maneira, mas que não há esta possibilidade, com o sistema desta forma. Agathe coloca que sua mãe quer que ela satisfaça todas as suas necessidades emocionais e que é um saco sem fundo.

Em outra sessão Anne conta que seu pai abandonou o lar e as dificuldades de ficar com a sua mãe. Na adolescência viu seu pai poucas vezes e entre 14 e 15 anos, deu ultimato no seu pai que ligava raríssimas vezes, pedindo para que não ligasse e que se vissem mais; seu pai concordou em não ligar e deixaram de se falar por muitos anos. Por parte de mãe também se ressentia. Sua mãe queria se casar novamente e mandou Anne para um colégio interno e toda vez que voltava para casa ouvia que incomodava o novo relacionamento da mãe, sendo intimada a não se instalar na casa em que considerava um lar – a única coisa a se fazer era encontrar uma ocupação. Tornou-se empresária bem sucedida, mas nas suas relações afetivas sempre fora um desastre, se envolvendo em aventuras e relações efêmeras, ficando continuamente em posição de abandono. Agora estava desamparada, porque os negócios tinham falido. Retomando sempre a mesma vivência e o mesmo questionamento, “Por que aqueles a quem eu amei sempre me fizeram sofrer tanto?”.

Anne era movida por duas atitudes contraditórias, a primeira será chamada de programaoficial – que a impele de ir ao encontro da filha – que ela ama – para construir uma relação satisfatória. A segunda, a sua construçãodemundo, mais profunda e que a aprisiona e a mantém numa situação que já é habitual - a de se considerar rejeitada. Este modo de funcionar confunde a filha, passando mensagens ambíguas. Anne assim repete o seu próprio conflito com a sua mãe. Está é uma relação que precisa ser “decodificada” delicadamente. O terapeuta tem como função neste momento,abrir o espaço relacional e permitir a saída da repetição patológica.

O papel do terapeuta dentro desta intervenção e no que diz respeito a batalhas de como a filha irá suprir o amor que a mãe não teve dos seus pais, é confrontando com duas pessoas que naquele frente a frente, gostariam de se amar, mas têm medo. Ambas podem dizer com toda legitimidade que sentiram falta de amor na infância. As duas buscam um “terceiro espaço”, aquele em que podem se abrir sem medo de sofrer -  mas ambas passaram principalmente, pela experiência do sofrimento; e acrescentando aqui o fato de estarem presas numa rachadura da fronteira transgeracional, na qual estão no lugar de uma mãe. O terapeuta deverá conscientiza-las de que existe este “terceiro espaço” e que aceitar a diferença do outro não implica em rejeição, e que esta diferença não corresponde a agressividade.

Quando se entra num movimento perpétuo, ir a um terapeuta é encontrar alguém que – se for um terapeuta familiar irá afugentar o problema,fazendo perguntas que libertam:

Qual é o processo que as aprisiona? Que estrutura é esta que faz com que duas pessoas vivam como vítimas e vejam uma a outra como carrasco?

A função dessa estrutura é insistir e  não é só fornecer proteção às pessoas aprisionadas. Cada proteção também protege o outro. Numa conduta de proximidade e respeito a relação o terapeuta pode encontrar um espaço para ele e,portanto, para elas.
O terapeuta é a terceira pessoa que se alia a cada uma das outras duas, para tentar intervir no próprio ciclo, produzindo assim a proximidade entre elas e assim uma nova experiência afetiva, pois ambas percebem que o terapeuta não se alia a uma, contra outra.

Quando se retoma as queixas dos medos da mãe com relação a filha;o terapeuta não deve estar disponível para ouvi-las e sim intervir dizendo a Anne que ela é a mãe e que pode reivindicar legitimidade o desejo de ver a filha e a neta, esta proposta é tranquilizadora. A qual respeita uma possibilidade de uma não mudança sem, no entanto, receitá-la. Havendo assim uma mudança no comportamento através do relato que havia acontecido um encontro que havia ocorrido tudo bem. O espaço criado permitia a jovem deixar que viessem à tona suas dificuldades de contato com as pessoas à sua volta e a relutância que sentia em expressar sua própria opinião, abrindo-se para falar sobre suas dificuldades de vida.

Neste caso Anne a Agathe nos ensinaram muito sobre as dificuldades que podem podar a relação mãe- filho , ou qualquer relação em que duas pessoas que partilham uma história em comum. Elas permitem pôr alguns pontos de interrogações universais.

Primeira pergunta, indispensável: em que medida, se estou constantemente em conflito com o meu filho, não estou revivendo com ele alguma coisa que já vivenciei na minha própria história? Não estou repetindo o que meus pais fizeram comigo e agindo igual com o meu filho, mesmo que tenha sofrido com isso na infância? Não estou protegendo meus pais, inconscientemente, como se eu me impedisse de ir mais longe ou ter pensamentos críticos em relação a eles? Não estou protegendo os meus pais, inconscientemente, como se eu não me impedisse de ir mais longe ou ter pensamentos críticos em relação a eles?

Segunda pergunta, em que medida meu filho não está repetindo comigo, numa espécie de paralelismo, o que vivi com meus próprios pais? Em que medida o que o outro faz comigo não é alguma coisa que participo? Ajudar o paciente a se abrir para as diferentes perguntas que desabrocham é uma necessidade. Contribui para esclarecer os diferentes níveis de complexidade, permite que as pessoas se façam novas perguntas, criar novas vivências.

E para completar esta síntese geral, é preciso destacar das especificidades de pai- filho: Se o outro é meu filho, tenho responsabilidades para com ele que são diferentes das que ele tem em relação a mim. A relação não é simétrica: sou eu quem devo dar o primeiro passo sem esperar que ele o faça – assim aceito o meu papel de pai e a responsabilidade que decorre deste fato.

 Dentro deste contexto percebe-se que é impossível chegar a uma conclusão  em terapia familiar, pois a criatividade e a dinâmica são motores das sessões.

Anne e Agathe vieram juntas a sessão , o que é pouco frequente mas fundamental. Porque quando surge um problema é importante ver toda a família (ou os dois membros do casal) para compreender como a dificuldade se instalou  e que sentido, ou função, pode ter o sintoma, num contexto mais amplo. Compreender uma e outra foi indispensável mas o objetivo era modificar o tipo de relacionamento que as aprisionava, para que elas se abrissem para uma nova vivência emocional, inaugurada na psicoterapia e que, em seguida, pudesse exportar para a vida cotidiana.

 

Capítulo 02 – O passado não nos condena

A história anterior retrata uma repetição de geração a geração, a rejeição. A primeira pergunta  clássica no campo psicoterapêutico: qual é o impacto do passado no nosso comportamento?

Um terapeuta familiar responderá que o nosso passado é feito de mitos, de relatos e regras, transmitidos de geração a geração na nossa família, e também, no nosso ambiente. Acontecimentos do presente que provocam tempestades internas, ao entrarem em ressonância com as experiências vividas e crenças enraizadas na nossa própria história. É necessário o encontro do presente com o passado para criar tormentas.

O terapeuta neste momento irá modificar com a sua presença e reações, o coquetel explosivo a que foi submetido aquele sistema individual,casal ou familiar em tratamento. Com intervenções, reenquadre e dando tarefas, ele faz evoluir, aos poucos. Aos poucos a experiência vivida no passado vai sendo substituída e sendo transformada.

Como exemplo, vamos imaginar uma moça que associa os homens à ausência de amor e à rejeição afetiva. E durante toda a sua vida isso se recria, mesmo tendo esperanças a sua crença base é que os homens são incapazes de dar amor e ela sempre buscará homens assim, por não ter o devido cuidado, e tem medo de que caso o homem se modifique seja por um curto período de tempo e sofrerá uma decepção.

Esta situação nos mostra os diversos fatores que preparam o aparecimento de uma configuração repetitiva:

  1. Uma pessoa marcada por esse traço recorrente só pode acreditar que acontecerá de novo.
  2. Ela cria para si um refugio para se proteger quando existe o risco de a situação se repetir: ao menos assim, pensa não ficar exposta a desilusões.
  3. Ao mesmo tempo quer ser feliz, procura uma saída diferente daquela já conhecida. Será atraída para o tipo de relacionamento que quer ver mudado, porém, como, não acha que isso seja possível, não ficará atenta para evitar esse perigo.
  4. Em nome da mudança, participado ciclo que se forma em seguida. Paradoxalmente, deseja se livrar desta crença, mas acabará reforçando-a.
  5. Ao fazer isso, ficará dividida. Uma parte dela quer a mudança e a outra não consegue acreditar que isto ocorra, enviando assim ao parceiro dupla mensagem.
  6. Portanto estimula o que receia o que ocorra, se colocando numa profecia autorrealizadora. A jovem reforça no parceiro o comportamento que abomina, mas que ao mesmo tempo, a protege, pois continua sendo protegida da decepção.

Esse mecanismo só ocorrerá se o outro participar de uma maneira ou de outra. Caso o parceiro ou membro familiar entre num ciclo de comportamentos, reforçando por conseguir captar a fragilidade, mas em outro caso poderá ter flexibilidade e acabará não seguindo o caminho previsto. As crenças profundas não são convicções inabaláveis, não são estruturais; elas exprimem o medo de sofrimentos renovados. A repetição não é uma pulsão mortífera, mas sim uma tentativa de solução que não dá a si mesma os meios de ter êxito; por isso o terapeuta pode explorá-la ao criar um contexto mais flexível e permitir que essa tentativa desabroche até a resolução dos dilemas nos quais os membros da família estavam mergulhados.

A vida é um processo paradoxal: nós, que nascemos, estamos condenado a morrer. Vivemos num mundo cheio de paradoxos, rupturas e de contradições e podemos fazer o melhor para que os paradoxos nos quais estamos presos e nos quais envolvemos os outros possam desembocar em múltiplas vias e não numa só.Nossa liberdade pode ser formulada como uma abertura de outras vias possíveis e nosso dever de indivíduos é procurar ter acesso a essa liberdade.

 

Capítulo 03 – O patriarca que queria o bem dos filhos...contra a vontade deles

Começaria como um conto, onde o pai e a mãe que amavam  seus seis filhos sonhavam em desfrutar da convivência dos filhos e netos, desejaram comprar uma grande casa de campo para para desfrutar da convivência em momentos de lazer. Desejando que a família mantivesse alegria e união entre as gerações. Assim Alain e Denise realizaram a compra do imóvel. Alain o pai se tornou com o tempo um verdadeiro patriarca, sentindo-se feliz com a família reunida, a qual era composta com de 30 pessoas.

Alain querendo agradar os filhos anunciou que iria doar a casa, formalmente para eles em vida. Mesmo tendo feito a doação aos filhos, continuaram indo para a casa de campo, zelavam  por aquele espaço e bens materiais, manutenção e reforma da casa. Talvez sua esposa não aprovasse, essas atitudes do marido mas não se posicionava com relação as elas. Começou-se a instalar um conflito, parecia nitidamente que os pais ainda eram os donos da casa, afetando assim o valor das reuniões familiares, pois, desde então pareciam organizadas apenas para satisfação dos pais.

Genros e noras começaram a se sentir oprimidos, com aquele culto familiar, começaram a pensar que poderiam passar as férias em outros lugares. Com tanto acolhimento os agregados recentes não tinham coragem de confessar seu desagrado.

Essa relação ambígua ia minando os relacionamentos de todos. Datas de férias que coincidiam, despesas com energia elétrica divididas em meio a discussões,  móveis sem manutenção: as disputas aumentavam entre os irmãos ou entre irmãs e cônjuges.

Para alegria do patriarca a família ia aumentando com o passar dos anos. Após seis anos de coabitação uma das filhas decidiu dizer aos irmãos que mesmo os amando muito, sentia que seu marido não ficava muito feliz de ir para lá e ficaria muito grata se os irmãos a ajudassem a sair desta comunidade fraternal , comprando a sua parte.

A família ficou perplexa com a notícia. Tudo poderia ter sido diferente se o patriarca tivesse se posicionado e lembrado aos filhos que enquanto ele viver a casa lhe pertence. Acabaria assim com qualquer ambiguidade, mas como isso não aconteceu os irmãos começaram a ficar indignados, até porque não tinham dinheiro para comprar a parte dela, pensavam que não poderiam vender a casa pois seu pai ficaria muito chateado. A irmã que havia aberto o coração para os irmão disse a eles, que por conta disto ela correria o risco de se divorciar e que seus irmãos seriam os responsáveis.

Durante todo o tempo o patriarca permaneceu em silêncio, mesmo reprovando o comportamento da filha. Aos poucos os filhos foram se enveredavam pelo conflito que nascia sem perceberem, que eram vítimas de um sistema que não haviam criado. Pensaram na hipótese de emprestarem dinheiro a esta irmã para que fosse passar as férias em outro local, o que agravava os rancores e aumentavam as confusões.

Esta história familiar mostra que uma doação pode-se tornar um presente envenenado. Inicialmente todos se comportavam com generosidade, mas os não ditos, causados pela ausência de regras claras entre os irmãos e entre a família provocaram sérios conflitos. Mesmo o pai tendo feito tudo  o que achava necessário para manter a família unida e fazendo com que os filhos tivessem maior convívio e prazer realizando a doação de casa para os filhos. Tudo poderia ser diferente se o pai tivesse reunido seus filhos e deixado claro que mesmo tendo feito a doação, enquanto ele e a esposa vivessem seriam os verdadeiros donos da casa e que a intenção da doação era de que pudessem usufruir a casa juntos e se vissem com regularidade. Se houvesse esta conversa, haveria a criação de uma fronteira, que impediria o conflito como aconteceu.  Estas situações ambíguas podem acontecer em qualquer situação em que as regras não seja claras. Tendo clareza da situação então é possível se posicionar quanto a ela.

“Teoricamente, se não tenho limites, eu sou mais rico. Mas, na realidade, sou mais pobre,pois, se não existem fronteiras, não sei onde você acaba e onde eu começo”.

Mas se nos questionarmos , porque o patriarca não enunciou a lei claramente? Ou porque não pode criar uma fronteira definida entre vocês e eu? Geralmente isto se dá pela história de vida,  e pelo contexto familiar pouco claro que as mergulhou em situações ambíguas, que se repetem sem ter consciência de que fazem. Avaliando outros parâmetros, que a família como um todo optou por não esclarecer as coisas,para evitar o choque com um deles, ou na ilusória esperança de que um conflito não enfrentado pudesse ser absorvido por si só. Até mesmo os pais acharam que estavam fazendo um bem aos filhos e não pensaram que para eles seria o oposto.

Através deste drama familiar podemos tirar um ensinamento.

Mesmo o pai querendo ter um lugar  para que a família se reunisse, esqueceu de estabelecer limites. Quando as fronteiras não são claras e estabelecidas, se não somos capazes de expressar nossos desejos e dizer ao outro “ Você começa onde eu termino”, ninguém possui lugar algum. Se os pais não consegue reivindicar o seu  espaço, os filhos não conseguirão encontrar os deles. E quando se ama os filhos e filhas, a ponto de se esquecer de si mesmo, corre-se o risco de, mesmo quando estamos cheios de amor e de generosidade, rimar “muito amor” com “mau humor”

 

Capítulo 04 – Em que roteiro eu me encaixo?

Criar um filho é uma das tarefas mais difíceis que existem. Encontrar uma maneira que se tenha acesso aos filhos  sem  ser  invasivo ou permissivo, é sempre um caminho a se percorrer por tentativa de erro e acerto. Dentro destes encontros e desencontros  relacionais faz-se necessário  os pais assumirem e reivindicarem o lugar de pais, sobre tudo no papel que lhes cabe na hora da decisão. Ao se questionar “ Como devo amar meu filho?” Entra-se no campo de que o amor dos pais é para um filho, o caminho que lhe permitirá a continuar a acreditar no próprio valor, a atravessar as situações difíceis e a se salvar em caso de naufrágio, é esta segurança que permitirá ao filho passar pelas intempéries da vida.  Se faz necessário amar e respeitar o outro e  suas diferenças. Ao mesmo tempo colocar limites, o que se torna complicado, porque os pais podem se esquecer que o filho é uma outra pessoa e não a sua extensão; mesmo contribuindo para manter a lei. Estipular para o filho os seus limites é, realmente, uma das principais responsabilidades que me cabem aos pais. E estes podem ter dificuldades, por muitas vezes entrarem em um círculo repetitivo que existem nas relações familiares. Além da realidade,  não ser um dado objetivo e sim criada no processo pelo qual a percebemos. Os limites do nosso conhecimento do real estão ligados a elementos da natureza diversa: a constituição biológica dos nossos órgãos da percepção, mas a maneira de vermos as coisas também o são. Amar os filhos como  imagina-se que sejam. Da mesma forma o filho tenta ser aquilo que o pai deseja, para ser amado.

Segundo Helm Stierlin, psiquiatra e psicanalista. O filho delegado é enviado por sua família e ligado a ela por lealdade, para ele existem diferentes missões dadas aos filhos.As dadas pelo Id da pessoa que delega e as missões dadas pelo Superego, ou seja, a mesma pessoa dá duas missões ao filho que pode debater-se. Outra situação é quando cada um dos pais passa uma missão diferente ao filho. Sendo assim, o terapeuta deve levar em conta as regras estabelecidas na família de geração a geração e a articulação dos elementos singulares.

Uma das críticas feitas a terapia familiar é que ela veio culpar os pais. Na década de 50 com a Teoria dos Sistemas – A família passou a ser um sistema humano e as interações que ocorrem entre seus membros é sempre recíproca. Passou-se de um mundo onde se buscava culpados, para outro que trabalha a relação. Na década de 80 Paul Watzlawick, percebeu que não era  apenas um observador sem influência dentro do processo terapêutico , mas que também pertencia ao sistema que analisava e englobava, mudando a pergunta para “ O que nós fazemos juntos?” Contribuindo assim para mudar as regras do sistema ao qual pertence, da mesma forma que os membros da família.

 

Capítulo 05 – Meu filho se recusa a estudar e a trabalhar

O casal que está junto a mais de 10 anos, ambos na faixa dos quarenta anos e profissionais liberais, comparecem ao consultório solicitando ajuda sobre Damien – filho de sua mulher de outro relacionamento. A mãe sempre “empurrou”  o filho para estudar, com esta atitude conseguiu algum progresso e  o filho fez as provas do ensino médio. Depois conversou com os pais sobre a possibilidade de trabalhar enquanto descobria o que queria fazer na universidade,  confessou aos pais que “ não gostava de estudar”. Recusou muitos trabalhos durante este período. Damien não quis acompanhá-los a consulta.

O terapeuta sempre deve ir além, como a mãe que diz que seu filho é preguiçoso. Precisa compreender as razões do comportamento do adolescente e a verdadeira natureza do que, exteriormente, é percebido como preguiça.

Era importante buscar saber mais sobre as gerações anteriores, interrogando a mãe sobre sua família e os homens que faziam parte dela. Percebeu que descrevia seu filho, com as mesmas palavras que descrevia o seu pai e também de outro homem da família que se “sujeitava a vida”, sem ter nenhuma influência dela.

Começou a se questionar se querendo ajudar  o filho não teria o prejudicado, além dele não lhe agradecer por todos os esforços. Ao terapeuta pontuar que ela qualificava o seu filho como os homens de sua família; concordou que tem medo de que seu filho se pareça com eles. O padrasto por sua vez confessou sua impotência diante do enteado, e reconheceu não ter nenhuma influência sobre ele, visto que cometia pequenos furtos. Além da sua esposa sempre o afastar das decisões relacionadas ao filho, se sentia muito cansado. Aqui o terapeuta colocou numa perspectiva transgeracional a questão , e conseguiu saber que na juventude se sentia desvalorizado pela mãe. Ficando claro de que os pais estão revivendo suas questões  e ampliavam as dificuldades das quais se queixavam e esta falta de percepção quanto ao que se passava.

Na terapia familiar, tenta-se trazer certos fatos do passado relacionados à situação vivenciada, a qual é muito frequente. Tinha-se que se lidar com uma dupla remissão: o comportamento de Damien tinha uma função para a família e para os pais no aquieagora, a qual tinha uma utilidade, ou seja, reforçava as crenças profundas na mãe e no padrasto, construções do mundo estabelecidas desde a infância.

No final da sessão foi solicitado que na próxima,  viessem os três que isto era muito importante para lhes dar uma resposta. Quinze dias depois Damien compareceu a sessão, e escutou as reclamações de sua mãe e a sua falta de comprometimento da sua palavra – trabalhar antes de retomar os estudos.

O filho “preguiçoso” explicou com pouca exatidão que tipo de estudo queria fazer e tinha alguma noção no que queria trabalhar. E a mãe retomava a questão do prazo. Outro dado revelador é que Damien tinha mais intimidade com o padrasto do que com o pai o qual era ausente; e disse que em casa não se davam muito bem. Os pais concordaram que brigavam com frequência mas era por causa de Damien.

O terapeuta fez um resumo das sessões e questionou Damien sobre a “utilidade” que o seu comportamento poderia ter para os pais, na condição de casal. O que este homem e esta mulher reviviam através do menino? Quais os sentimentos envolvidos na situação criada?

Neste momento Damien anunciou que iria procurar emprego! O que foi surpreendente.

Na sessão seguinte foi a vez da mãe fazer uma autocrítica, será que não teria protegido demais o seu filho? Ao ficar o tempo todo “por trás dele”, Não teria lhe prestado um desserviço?  Damien conseguiu se expressar com maior clareza e comunicou que havia procurado trabalho e que poderia fazer a lista dos empregos aos quais havia se candidatado.

A mensagem foi confirmada quinze dias depois: “sabe estou decidido a trabalhar, mas farei isto por eles, não por mim. Aliás, passei por uma experiência de três dias, mas o trabalho não me agradou. Vou procurar outro emprego, mas devo dizer que, se encontrar um trabalho, será para que eles se tranquilizem!”. Estava convicto de que faria isso pelos pais e também que havia percebido que o mal estar por suas escolhas revelavam, os medos que faziam parte da história deles. Declarou que estava pronto a “passar os pais na frente”.  A partir de então, mostra-se uma nova formatação, mesmo que ainda o filho seja o foco, tinha nitidez de que estava fazendo aquilo pelos pais e para agradá-los.

Semanas mais tarde, a família parecia mais descontraída e Damien estava em um novo emprego. Mesmo sendo cansativo por ter que acordar cedo, estava satisfeito com o seu trabalho. O padrasto disse se sentir melhor e o filho tomou a palavra: “ Eu não sou quem vocês pensavam que eu fosse, eu sou eu” – reivindicando o seu direito de viver por ele mesmo, de tomar suas decisões. Contou que gostava muito de comparecer a terapia devido ao clima de autenticidade e do prazer que sentia nas sessões com os pais.

No desenrolar da sessão, falaram sobre o grande ausente, pai “biológico” do rapaz. Os limites de conduta dele não eram muito evidentes e provocavam um problema de “lealdade” em Damien, com relação a ele. Pode ocorrer, realmente, que um paciente sem perceber, “grilhões de lealdade e de legados invisíveis”, ou seja, pesam sobre ele imposições e comandos da geração anterior. É importante que os filhos possam retirar dos pais somente aquilo que considerem “positivo” e não se sintam presos no que percebem como negativo. Na corrida de revezamento entre as gerações, tem de ser possível escolher o testemunho que queremos transmitir a geração posterior.

Na sessão seguinte, a mãe descreveu as novas relações que haviam se instalado entre os membros da família e que, segundo ela, eram excelentes. Damien declarou que as suas relações com os seus pais eram normais. O diálogo parecia ter sido restaurado e as fontes de conflito afastadas. Sendo assim encerrou-se os atendimentos após estas seis sessões.

Três semanas mais tarde, a mãe liga inesperadamente para o terapeuta, ela contou que havia saído de casa a quinze dias e que gostaria que ele recebesse ela e o marido, o qual também estava de acordo.

Na sessão os fatos foram explicados, a esposa já havia ameaçado o marido anteriormente, por ele não colocar limite na relação com uma amiga do casal. Ele concordou que tinha um problema com a sedução, e fez uma ligação com o sentimento de abandono vivenciado com a própria mãe. Voltou-se a falar das relações da esposa com os homens em geral, especialmente, seu pai o qual não lhe inspirava confiança. O passado ressurgia enquanto este homem e esta mulher esforçavam-se para configurar o que ocorria entre eles. Esta questão só pode ser acessada, após limpar os campos relacionados ao filho. Decidiram continuar a terapia e na sessão seguinte a  esposa relatou que havia voltado para casa e diz viver uma nova relação com um homem com quem convive a mais de dez anos, que o desejava e que era muito agradável. O marido concordou, disse que a relação estava muito pesada, e que não sabia lidar com as demandas da esposa e acabava se fechando cada vez mais. Foram necessárias duas sessões intensas para que viessem sentimentos negados a tanto tempo.

Neste momento da terapia, a esposa deu-se conta de que mesmo querendo ser agradável era extremamente rude com o seu parceiro. Agora ambos sabiam dizer “não” ao outro sem dizer não a si mesmo ou se sentir culpado e “sim” sem sofrer por isso. Ambos a partir deste momento tem  propriedade sobre as suas atitudes. Murray Bowen – insistia na diferenciação,  o que aconteceu com este casal, seria um bom exemplo de uma diferenciação bem sucedida.

Ao todo no processo foram realizadas dez sessões, sendo que as quatro últimas foram realizadas somente com o casal.

Dentro dos aprendizados possíveis com esta família, uma delas que parece estar presente é o filho desenvolver uma atitude cuja a função era proteger a família contra o que poderia ser uma fonte de dificuldade ainda maior – a saber, o conflito entre os pais.

Em seguida, que as situações cotidianas que envolviam o filho despertavam reações nos pais, mas não eram somente sobre as atitudes do filho e sim sobre um passado fantasiado que precisava ser desmascarado para que se pudesse resolver o problema atual.

Finalmente, que um maior bem estar do paciente “designado” não encerra o processo aberto com a terapia porque, quando um dos membros está melhor é comum que outro piore ou que todos se sintam melhor! Este tipo de constatação é que levou os terapeutas a considerar a família como um sistema de indivíduos  em inter-relação – uma mudança num nível, ou num ponto específico desse sistema, pode provocar outras mudanças em outros pontos ou em outros níveis.

 

Capítulo 06 – Libertar o outro para que eu possa mudar

Através de um exemplo o autor dá algumas pistas de como lidar com as pessoas as quais somos corresponsáveis pela situação.

Uma mãe se queixa do filho de 8 anos. Ele zomba dela sempre que pede à criança que faça  alguma coisa. A mãe se surpreende ao descobrir que cada vez mais está afastada do filho e que há tempos não o abraça. Conta que o que mais lhe irrita é “A falta de respeito” e acrescenta que o seu pai a tratava da mesma maneira. Além de se questionar se não age com o seu filho, como o seu pai se comportava com ela, reproduzindo assim uma configuração familiar que se transmitiu através dela de geração a geração.  Ficando assim na mesma posição de quando era criança, pois seu filho age como o seu pai. Assim parece que o filho protege a mãe, e esta revive a sua infância com o próprio pai, desta forma continua a duvidar que possa ser respeitada. E desta maneira, mesmo sendo dolorosa esta posição, tem a vantagem de não se expôr à desilusão, que aconteceria na hipótese de pensar de maneira diferente. Diante desta situação o filho, que lida com uma mãe cada vez mais desconfiada e crítica, constrói uma visão de mundo fatalmente negativa – a mãe só pode persegui-lo com demandas sem fim.

Parece ao filho apropriado suspirar e levantar os olhos  quando a mãe lhe pede algo. E a mãe sentindo-se mais impotente diante deste filho, torna-se mais dura, e tenta se afastar afetivamente para se proteger. Desta maneira ambos reforçam suas crenças e o ciclo repetitivo e doloroso se mantêm.

A primeira etapa para mudança será aceitar que as reações de bom senso só fazem acentuar as dificuldades que tentam resolver a anos.

A segunda etapa exige que se aceite a seguinte hipótese: um comportamento repetitivo só se perpetua se tiver uma utilidade para ambos. Em geral essa utilidade consiste em permitir que cada um dos parceiros não saia da sua posição fechada, evitando assim se expor a um ataque devastador. A nossa vivência também tem uma função para o outro.

Esta mãe deve aceitar que quaisquer que sejam os vínculos do seu comportamento no presente com a sua história, esse passado não dita ou pelo menos não deve ditar a sua conduta. Sua vivência faz com que desencadeie este comportamento pela maneira como o filho age e a função desta vivência é reforçar a crença do filho de que de que a mãe não possa amá-lo e respeitá-lo. Sendo assim, a mãe deve se questionar sobre a utilidade do seu comportamento. E através desta pergunta é possível emergir outro conteúdo afetivo, e se questionar porque é importante para o filho que se manifeste a irritação e distanciamento da mãe.

Abrindo novas possibilidades e vivência afetiva pode fazer com que ela veja sobre outro ângulo as reações do filho. Inicialmente mudar a sua atitude com relação ao filho pode lhe causar algum estranhamento, mas a mãe permitir a irritação do filho é importante para que ele mude e consequentemente ela mude.

Este tipo de pergunta seria fundamental a mesma , caso fosse  o comportamento de um filho (a) em relação aos pais. Qual a utilidade para a minha mãe ou para o meu pai da minha reação para com eles? Partir da hipótese de que a minha reação é esculpida pelo outro para permitir que ele reforce a sua visão de mundo pode, muitas vezes, me libertar. Mudo o foco à medida que me pergunto se quero manter este relacionamento desta forma e perceber até mesmo os ganhos secundários através do meu sofrimento e revindicar o meu papel na peça que represento.

Os outros, os que desejam que você permaneça na mesma representação, mas tentam  inventar novas réplicas para transformar um roteiro a qual, até então, se submeteram, terão de aceitar a incredulidade dos protagonistas desta peça invisível. Eles lhes pedirão para mudar também as réplicas, para deixar os caminhos conhecidos e se aventurar por trilhas desconhecidas, talvez perigosas. São poucas as probabilidades de que suas inovações sejam recebidas de braços abertos! Mas se persistirem, sem agressividade e com a mente aberta, resistindo às tentativas que farão os outros membros da família para trazê-los de volta às respostas habituais, então um futuro diferente poderá delinear-se.

 

Capítulo 07 – O homem que não conseguia deixar a mulher nem continuar com ela

Trata-se dos primeiros passos da psicoterapia de Marcel, um homem de uns quarenta e poucos anos, de carreira bem sucedida, e que quer deixar a mulher.

Já tentou deixá-la inúmeras  vezes, mas  não consegue ficar longe, se sente culpado e quando está com ela só pensa em deixá-la, paralelamente mantêm um relacionamento extraconjugal.

Marcel é um homem preso a valores tradicionais que o impedem de deixar a esposa. Esta seria a primeira visão a se ter do quadro, mas ele deixa escapar:“ É difícil me separar e deixá-la sozinha; é como se eu abandonasse meu filho”.  Quando o terapeuta solicitou que falasse da sua mãe Marcel se entrega as lembranças desse relacionamento. Seu pai saiu de casa quando ainda era pequeno e deixou-a com os quatro filhos, a mãe que ficou responsável por educá-los. Marcel era um dos filhos mais novos. Os irmãos foram saindo de casa para estudar numa cidade grande. Marcel ficou sozinho com essa mulher que ele idealizava: “Ela não tinha defeitos”, comenta, “Era ‘perfeita’!”. Relembra com muita emoção que ele e a mãe eram muitos chegados. E quando completou 12 anos e teve que deixá-la para ir estudar na cidade grande como interno num colégio. Marcel ainda sente a dor que experimento na ocasião – retrospectivamente, essa dor encontre qualquer outra lembrança relativa ao primeiro ano de internato.

 Anos depois quando encontrou aquela que se tornaria a sua mulher, a mãe estava muito doente e esta a levaria dali a alguns meses. Esse momento  para ele foi como uma traição, pensando melhor chegou a conclusão que era como se estivesse substituindo sua mãe pela sua futura esposa.  Segundo o terapeuta isso pode significar  que Marcel quis evitar uma traição em relação a sua mãe e colocou a sua mulher no lugar dela e, hoje, ao deixar minha mulher, é minha mãe que eu traio”.

Essa é, realmente, a hipótese que se impõe  nesse momento da terapia. Um homem que não consegue vivenciar o luto da mãe e substituí-la pela mulher. Portanto não se relaciona com sua “esposa”, mas com alguém que ocupou o lugar da sua mãe, sendo assim, permite evitar a traição, que representaria a escolha deu uma pessoa de fora. Desde este momento como poderia então abandonar a sua mãe? Enquanto não vivenciar o luto da mãe, a esposa estaria encurralada no lugar que lhe impunham e a situação se perpetuaria, sem evolução possível, permanecendo ambos protagonistas nos seus arcanos.

Percebeu que mesmo depois de tantos anos, ainda depende das lembranças dela, como se houvesse ainda algo inacabado pois teve de deixá-la aos 12 anos, eis porque ainda depende da presença dela. E dá uma explicação estranha: “ Quando vejo o lugar que mamãe ocupava na minha vida, fico surpreso de não ter ficado mais triste com a morte dela. Talvez, se eu tivesse como dizem, ficado de ‘luto’, sentisse mais cruelmente a ausência dela”.

Seria preciso que ocorresse o processo de luto para que Marcel não precisasse pôr alguém no lugar da mãe morta, somente  a conscientização, de ordem histórica, não bastaria neste caso. Somente pagando este preço é que poderia considerar a esposa como uma mulher que ele pudesse deixar, ou com quem poderia ficar.

 O trabalho terapêutico pareceu muito pesado para o paciente, pois ele interrompeu prematuramente, quem sabe da mesma maneira que lhe foi impossível ir até o fim no processo de luto.

O terapeuta Norman Paul destacou a importância, em inúmeras vidas, de “lutos não vivenciados”. Insistindo que a cultura ocidental não favorece ao trabalho apaziguador do luto. É como se matasse a pessoa pela segunda vez. Norman Paul insiste na importância de um ritualdeluto, de um processo que, se levado até o fim, permite que seja consumado. Dentro das sessões cria contextos específicos que convocam para este ritual. O que pode gerar um sentimento de paz e assim parar de procurar uma substituição para a pessoa que morreu. Insiste na necessidade de fazer alguém falar, repetidamente, sobre as suas reações diante da perda de um parente. Observa-se a importância deste trabalho: ao se interessar pelo papel secreto e capital que desempenham os lutos não vivenciados. John Bowlby vem para complementar com suas pesquisas, que distingue várias fases no luto: o período de tristeza e de raiva, a incredulidade diante da perda e a busca da pessoa perdida; finalmente a fase de desespero que precede o tempo de reorganização psíquica. Talvez se aceitar a necessidade destes tempos sucessivos e nos permitirmos  vivê-los na sua plenitude, possa-se passar de uma etapa para a outra no nosso ciclo vital.

 

Capítulo 08 – O luto num contexto

 O autor retratará as outras facetas do luto. Considerando o capítulo anterior, surgem algumas perguntas como: A esposa não teria desempenhado um papel nessa impossibilidade de iniciar um trabalho de luto? Como ela pôde se adaptar a alguém que todo o tempo a deixava e voltava para ela? Porque não pôs um fim na relação que só a fazia sofrer? Todas estas questões fazem surgir outra. Qual a função que pode ter um luto não vivenciado para a família e para o ambiente? Na visão de Mony  o luto é um acontecimento sistêmico.

Uma mãe e um filho foram fazer uma consulta. A mãe era profissional liberal e o filho devia ter uns trinta anos – no espaço de um ano o pai e o irmão haviam morrido. Portanto esta mãe havia perdido um marido e um filho. Pouco depois o outro filho começou a apresentar distúrbios psicológicos que lhe prejudicavam a carreira.

No inicio do processo terapêutico ao perguntar a mãe a data de morte do marido ela deu uma data situada no futuro, percebido pelo terapeuta e pelo filho, que sorriram, a mãe não havia vivenciado o luto. Poderia se trabalhar de maneira individual, mas optou por trabalhar com a mãe e filho devido a perceber a incapacidade de ambos de lidar com as perdas. Criaram assim um vínculo fusional, um dos elementos que explica a os sintomas do rapaz.

O filho parou de trabalhar e foi internado, seu vínculo se tornou muito intenso e seus problemas psíquicos só aumentavam que a questão do luto foi deixada para segundo plano. O sistema familiar funcionava de uma nova forma, mas esta não permitia mudança. As regras que sumiram não foram flexíveis o suficiente para que houvesse a mudança necessária; formando assim um sistema rígido. Consequência da nova simbiose: “o problema” passou a ser o distúrbio do filho. O trabalho terapêutico constitui em abrir o sistema fechado a outras maneiras de funcionar, fazendo com que a mãe começasse a encarar a morte do marido e que começassem tanto ela quanto o filho a viverem com maior autonomia. Encontrando assim o próprio espaço e um sistema familiar mais harmonioso.

O luto é um acontecimento que afeta o conjunto de um sistema humano e que obrigada esse sistema a se transformar. O ciclo da vida compreende necessariamente diversos momentos de crise que obrigam a se transformar. Por detrás de um luto não vivido, descobre-se um sistema que não pode se dar o luxo de um luto bem sucedido, por não poder se libertar da rigidez das regras até então estipuladas. Por vezes, um dos integrantes da família ocupando o lugar da pessoa que faleceu, numa espécie de réplica. Mesmo quando um dos integrantes tem dificuldade de vivenciar o luto, fica claro que esta dificuldade está na família que não consegue mudar o roteiro e os participantes descarregam em cima dele essa incapacidade. Pode até acontecer de colocarem o terapeuta no lugar do morto. A procura do terapeuta pode ser vista como uma tentativa de mascarar a ausência a ausência da figura imponente que se acabou de perder. Norman Paul insiste num trabalho de luto, sobre a empatia que esse trabalho exige da parte dos membros da família até do terapeuta. Muitas vezes solicita aos pacientes para irem ao túmulo dos parentes para ajudá-los a vivenciar o luto que não foi consumado, falar sobre o assunto não somente entre eles mas com os membros mais afastados da família e com os amigos. O terapeuta Pereira insiste sobre a necessidade de comunicação, verbalização, permitir que a tristeza venha a tona e num trabalho com esta família que permita a renúncia da pessoa ausente. Assim , flexibilizadas as regras do sistema familiar não criarão obstáculos à mudança necessária, contribuindo para que a família reencontre o equilíbrio.

 

Capítulo 09 – A mulher a quem se pedia demais e o homem que se sentia abandonado

Martine e Jean-Paul passavam por uma crise de casamento. Martine havia sido criada numa família em que o pai era muito ausente, relutava em assumir as suas responsabilidades, bem como envolver-se na vida da família, esta foi a impressão que deixou a filha. Cresceu ao lado da irmã mais nova que era muita ligada à mãe e esta manifestava o seu descontentamento a todo tempo com relação ao pai. Tinha a impressão que a mãe a incitava a unir forças com ela e com a irmã contra o pai, uma coalizão – que indica que várias pessoas se unem contra outra.  O pai por sua vez se sentia ferido por isso, se via abandonado, atacado e multiplicava os protestos que só faziam aumentar a atmosfera prejudicial a família. Jean- Paul era uma criança sensível que se sentia muito só, pai autoritário e mãe apagada, sempre se enxergou como o “mau”. Tinha um comportamento rebelde com relação aos pais, que faziam pouco caso dele, reforçando a sua imagem negativa e agravando seu sentimento de solidão.

Martine e Jean agora eram adultos. Tiveram um apaixonado romance, decidiram se casar e fundar família. Há dez semanas Martine havia dado à luz a uma menina, que sempre estava grudada com a mãe e que dependia de sua voz e presença. Este quadro comum num casamento com filhos, mas aqui as vulnerabilidade de Martine e Jean, entraram em ressonância e se amplificam mutuamente. Martine queria um homem que fosse diferente do pai ausente, que fosse seu parceiro e que a ajudasse no seu papel de mãe e compartilhar o amor que sentia por seu bebê. Dividida entre o seu programaoficial o desejo explícito, de querer um homem com quem possa contar e a construçãodemundo –  a qual foi se estruturando a partir das suas experiências dolorosas e repetitivas, um pai não dá o espaço que os membros da família necessitam; portanto, só pode se queixar de ser abandonado. Não acreditava que o homem com o qual se casasse poderia ficar ao seu lado como um parceiro de verdade. Fascinada com o comportamento de Jean, esperava o reforço da sua íntima convicção: não poderá diante de um homem desse ser mais bem sucedida que sua mãe. Afinal não podia mudar a sua visão de mundo. O sofrimento psíquico muitas vezes é paradoxal: se alimenta do medo de uma dor ainda maior. Protegendo-se assim de qualquer mudança e impermeável a qualquer renovação, não conseguia perceber o que o marido sentia. Jean por sua vez revivia o sentimento de abandono da infância e repassava pelo sentimento de rejeição que conhecia muito bem. Ambos não entendiam porque o outro se comportava daquela maneira e com medo de mergulhar na própria história. Na verdade, Jean como a sua esposa está dividido entre o programa oficial – Quero ser considerado pela família e sua construção de mundo – Não posso ocupar o lugar que desejo na minha família. Ambos confundindo suas vivências do passado com o presente, acabando por se separarem. Muitas vezes se usa o comportamento do cônjuge para reforçar uma crença profunda constituída na família de origem. Atribuindo ao parceiro razões no agir ou nas intenções, que muitas vezes são transposições das atitudes dos nossos pais. Incitando o outro, meio sem saber, a ocupar o lugar que o cônjuge lhe designou para manter a sua construção de mundo, que faz sofrer mas nos protege de uma desilusão maior – esquema encontrado nos conflitos das relações de casal. Desta forma acessa as duas vulnerabilidades que se articulam uma com a outra, formando um sistema, ficando presos numa porta giratória.

Cabe lembrar dois momentos importantes da Terapia familiar. Em 1956, um grupo de pesquisadores que trabalhavam em Palo Alto, dirigidos por Gregory Bateson criou-se o conceito de duplo dilema, onde se expressa verbalmente uma coisa e corporalmente outra, chamada de “duplo dilema” – sendo um a vítima e o outro responsável por prender em uma armadilha. Em 1958, Jay Haley  descreve uma estrutura mais complexa: o duplo dilema recíproco – ou seja, não se sabe onde começa ou termina a situação como a porta giratória. Permitiu que os terapeutas de família passassem de uma visão linear do mundo, para uma visão circular mudando-se a pergunta “ o que um fez ao outro? E sim “ O que fazemos juntos?”. O trabalho da terapia sistêmica consiste em localizar essas portas giratórias, que as pessoas que nos consultam ajudaram a construir e das quais não conseguem escapar.

Caso o casal Martine e Jean – Paul mantiveram nesta porta giratória, sem conseguir sair. A história de cada um fragiliza, mas não escreve o seu destino. Quando se tem clareza dos seus sentimentos em relação ao seu pai na família de origem. Consegue lidar com a situação do marido. Talvez conseguindo tranquilizar o marido,acabaria por desenvolver um papel terapêutico e evitaria consolidar a construção de mundo do parceiro, oferecendo uma nova experiência afetiva. E por sua  vez tirando a sua armadura e optando por um objeto mais leve como um escudo, que nos protege sem nos emparedar, sem cortar a comunicação com os outros. Frequentemente o paciente tenta reproduzir com o terapeuta o tipo de relação costumeira, preservando sua construção de mundo sem precisar se expor, caso o terapeuta entre nesta dança, mas caso não aceite o convite cria-se uma nova situação que permite passar da repetição para a diferença.

 

Capítulo 10 – O homem que queria afeição e a mulher que queria ser respeitada

Um  casal de aproximadamente quarenta anos, entra no consultório. O marido Paul se queixa que a esposa não é afetuosa e  Charlotte de que o marido a sufoca. A primeira pergunta que deve ser feita é como a situação se estabeleceu. Paul a escolheu devido a esposa ter dificuldades de expressar ternura ou por razões independentes? Não seria a escultura mútua da vida do casal que o tornou particularmente sensível a esse aspecto específico da personalidade da esposa? Charlotte o escolheu porque ele a sufoca nas suas demandas ou foi o funcionamento do casal que fixou sua atenção e sensibilidade nesse aspecto do comportamento do marido? Se tem em mente que os casais se escolhem justamente por uma questão específica, mas  isso não ocorre com frequência ao contrário do que se pensa. Em geral, são as relações que o casal implanta ao se formar,elas se constroem progressivamente por meio de trocas entre os dois que fará um dos parceiros se fixar justamente naquilo que o faz sofrer, atingindo a sua vulnerabilidade – a dor que ele sentirá irá obrigá-lo a exigir do outro um comportamento diferente.

O funcionamento do casal nem sempre é negativo. Muitas vezes ele comporta recursos ocultos que o terapeuta pode usar, em vez de insistir exclusivamente no bloqueio, podendo reforçá-lo.

Quando Paul foi interrogado sobre a suas experiências afetivas anteriores disse : “ Com minha família de origem era um deserto afetivo, cresci sem calor humano, sem apoio, e, por isso, hoje em dia é essencial para mim que a mulher que escolhi demonstre essa afeição que minha família não me deu”. Charlotte  havia sido criada numa família rígida, em que só era aceita se fizesse o que queriam, uma moça tinha que obedecer os pais, principalmente o pai e a mulher deveria ajudar e apoiar o marido, pensando em si sempre em segundo lugar, depois de cumprir as tarefas e deveres. A esposa entende que a solicitação de afeto do marido é uma tarefa a mais , como uma condição. Ela responde a essa exigência “sufocante”como uma demanda de respeito, que Paul recebe como uma recusa a dar afeição, análoga à que ele se deparou da parte dos pais quando era criança: o mal entendido se instala.

Ronald Laing descreveu em Noudes, que é constantemente comum casais que buscam terapia. Reduzir-se a sua experiência com o outro ao que já conhecemos, levamos o outro para a mesma situação e por essa repetição, agora se protegendo na sua fechada armadura. O que é então psicoterapia? Uma experiência por intermédio da qual eu me abro para possibilidades às quais não tinha acesso. Como o terapeuta pode abrir caminhos? Apoiando-se nos recursos terapêuticos do casal.

Relembrar a história, no caso a Charlotte contar na frente do marido, convidando-o a conhecer o tema que lhe parece essencial: “Só sou reconhecida se for como o outro quer que eu seja”.

Só deve ser contadas situações que ocorreram antes do seu relacionamento com o Paul, pela primeira vez o marido só ouve sem se sentir diretamente envolvido, pois nenhuma queixa é dirigida diretamente a ele. Paul se dá conta da experiência sofrida da sua esposa antes que ele chegasse a sua vida e não como uma guerra. Charlotte relata cada detalhe de como não pode ser ela mesma diante dos pais. O marido e o terapeuta podiam observar a sua revolta enquanto  conta esta história. E ao mesmo tempo o terapeuta sente o marido ferver de indignação diante da forma com que educaram a sua esposa. Essa reação já é muito importante, pois durante o processo terapêutico acontece uma trabalho de flexibilização das construções de mundo dos dois parceiros. Os esforços devem ser realizados com ambos os membros desta relação, o que pode ocasionar o reforço da construção de mundo do outro,  a qual o terapeuta tenta deixar menos rígida. Paul começa a perceber que Charlotte não é incapaz em lhe demonstrar afeição, mas que revive a situação de infância no que se refere aos seus pais. Assim Paul não se sente mais atacado pela esposa e compreende que abriu uma ferida mal curada e que os gritos de sua mulher corresponde a dor que sentia. O terapeuta explica o seu modo de trabalhar e solicita que um dos parceiros seja o seu co-terapeuta e quando houver uma sensível evolução troca-se. Muitas vezes não precisa fazê-lo, tamanha é a mudança na primeira fase da “co-terapia”: o ciclo se modifica e surgem outros elementos, transformando o sistema progressivamente e o deixando mais flexível.

O terapeuta ao questionar Paul se pode ajudá-lo a ajudar Charlotte  e se podem ajudá-la a renascer; Paul é atingido em cheio. Paul aceita a tarefa de ficar até a próxima sessão  sem suas demandas de afeição, pois agora entende o lado da sua esposa, conseguiu seguir as recomendações do terapeuta.

Na sessão seguinte, Charlotte diz estar surpresa por não ter sido cobrada pelo marido e se sentir renascendo. Paul compreende que sua mulher tem necessidade de espaço para renascer e até aceitaria que o deixasse se ela achasse necessário e que ele precisaria sair do “movimento circular insuportável”.

Quinze dias mais tarde, Charlotte se pergunta se o marido não teria uma atitude paternalista ao  suspender as suas demandas e desejos. Percebe-se que mesmo Paul mudando de atitude sua esposa continua o colocando no lugar desse pai que a tanto pressionou na infância. Então analisamos que ela tem dificuldade em aceitar que o marido lhe de este espaço porque assim o deseja e não porque age como um bom pai diante do filho. Com o passar das sessões as coisas vão melhorando. Cria-se, portanto um novo equilíbrio para este casal.

Ao se aliar a um membro do casal, o terapeuta conseguiu interromper o processo no qual cada um deles reforçava a sua construção de mundo do outro, criar novas situações afetivas que levarão o casal a dar o direito de viver outra coisa, transformando as armaduras em escudos. O escudo é usado para se proteger quando necessário, sendo que a armadura separa do mundo exterior.

Todo casal tem possibilidades terapêuticas e em certas circunstâncias, pode evoluir buscando seus próprios recursos para ampliar seu relacionamento. Para que isto aconteça é necessário que o terapeuta se contente com um espaço limitado, permitindo assim que um dos parceiros ou ambos compartilharem desta função.

 

Capitulo 11 – Meu parceiro, meu casamento e eu

Ao acompanhar os capítulos deste livro, o leitor pôde se questionar sobre o lado positivo de se reforçar as construções de mundo de cada membro do casal, ou até mesmo pensar em ganhos primários e a grande pergunta porque não continuar a viver assim?

Meramente porque as coisas não são tão simples quanto parecem. O indivíduo está dividido entre querer sair da situação e ao mesmo tempo acreditar que isto não seja possível. Pode se beneficiar com o reforço das suas crenças profundas, bem como sofrer com ela.

Nota-se que só se quer mudança a partir do momento em que há sofrimento, quando não há outro caminho além deste, então o casal busca terapia. Entre estes momentos podem estar presentes, algumas fases do ciclo de vida – partida dos filhos, morte de um parente ou algum outro acontecimento que tende a tornar obsoletas as regras antigas.

Quando se perguntar o que no meu casamento particularmente me fez sofrer?

O fato do outro ter agido de uma forma desproporcional ao que eu tenha feito ou dito,e o que pareceu desproporcional aos olhos do outro fazia todo sentido. Mas ao se questionar das suas atitudes mesmo que não acredite que tenha tomado grandes proporções, o que poderia ter desencadeado no outro tal tempestade, e esta só foi acordada porque algum elemento estava adormecido até então.

Reduzir as divergências e as incompreensões entre os parceiros de um casal, as diferenças de cultura social ou de sexo é criar rótulos. E homens e mulheres são feitos de combinações e seu estofo íntimo é um patchwork. São elementos sociais, culturais, familiares, históricos, fisiológicos, biológicos, determinados e aleatórios que o tecem, de uma maneira complexa, às vezes inesperada e, em última instância, sempre individual. As combinações dos elementos que nos preenchem são sempre imprevisíveis. Fazem com que o terapeuta possa criar e renovar, sem seguir modelos preestabelecidos.

Muitas vezes dentro de uma relação o outro comunica coisas que não compreendemos e é importante dizer a si mesmo:”Se não compreendo é porque certos elementos  me escapam, mas, de algum modo, isso tem sentido para ele”.  Portanto, mesmo que não compreenda, pode-se simplesmente ouvir o que tem sentido, mesmo sem compreender, e isto é fundamental. Isso consiste em não desqualificar a mensagem enviada pelo outro – mesmo sem que ele perceba – e em recebê-la como mensagem, mesmo que não decifre o conteúdo e mesmo que não esteja de acordo com o que sente. Numa comunicação na maioria das vezes, não existe certo ou errado ambos estão certos. O parceiro teve razão de explodir quando o outro se expressou de uma forma que desencadeou algum processo antes adormecido e o parceiro também tem razão por causa da reação do outro a qual não esperava. A partir deste momento busca-se criar uma situação em que a paz possa ressurgir entre o casal. Esforçar para que não se acredite  que um está certo e o outro errado, como num sistema binário, e assim, aceitar as reações do outro. Ir ao encontro do outro e aceitar as suas diferenças.

É muito fácil falar ao invés de fazer, pois geralmente o casal ou a família está envolvido no seu carrossel individual e não consegue pará-lo, isto só poderá acontecer a partir do momento em que se questionar, o que o outro disse que não compreendo, mas mesmo assim faz sentido?

As construções de mundo de cada um tem uma força gigantesca. Caso  o marido queira que a parceira fique contra ele, mas  dentro da sua verdade. E a esposa queira que ele não o ame, também sendo a sua verdade. Acontecerá sempre uma comunicação ambígua, mantendo a construção de mundo de cada um, acreditar que a comunicação é impossível entre eles. Renunciando aos benefícios secundários, que consiste em considerar simplesmente um prisioneiro, quando, na verdade, somos prisioneiros e carcereiros – renunciar ao prazer de que o errado seja o outro!

Esses benefícios secundários podem ser muito importantes,  autoexplicativos, para o paradoxo com os quais somos confrontados. Inúmeros fatores entram em jogo e na terapia sistêmica sempre se desconfia das explicações de causa e efeito; tendo de lidar com vários conjuntos de elementos ( problemas econômicos, contexto cultural, elementos pessoas diversos de ordem afetiva ou psicológica);mas tais benefícios também podem ser determinantes num conjunto.

Além destes ganhos continua-se com o parceiro porque estabeleceram  um propósito de que poderiam resolver juntos, construir ou compreender alguma coisa, e esse acordo é a base do casamento, e inegavelmente nos é caro. E assim caminhar para a mudança se torna algo doloroso, e o medo de que os esforços fracassem acabam criando este contexto.
O medo da exposição a situações novas e ao sofrimento, faz com que se permaneça na mesma situação, sem encontrar uma alternativa adequada, porque somente através da exposição é que encontrarei novas possibilidades. Frequentemente, vivemos um processo como se fossemos atacados, mas somos vistos como atacantes. As armas ofensivas e defensivas são as mesmas: posso me proteger, mas também posso te roubar.

Ao se perguntar do porque que um casal infeliz, apenas tendo ganhos secundários, se mantém apesar de tudo e a melhor resposta é a Esperança!  A qual espera criar uma ponte que una estes dois mundos. A esperança é profunda, pois é a esperança de não mais ficar dividido, é uma esperança louca de reconciliação comigo mesmo. Preciso do outro para me encontrar na situação de tentar de novo. Esta esperança e os benefícios secundários é que consolidam a minha construção de mundo, as duas dinâmicas se combinam. Como Sísifo com um duplo rochedo, que empurra um rochedo que num dos lados tem a mensagem “esperança” e no outro lado “ desesperança”. O qual empurrava para que o lado “esperança” apareça, mas assim que aparece, ele dá lugar ao outro, enquanto o movimento continua.

E para que isto mude é preciso que eu como indivíduo deixe passar, porque nessa situação é o mesmo que ganhar. Para reconhecer que aquilo que o outro diz tem sentido, preciso renunciar à minha necessidade de achar que ele está errado. A única via é permitir ao outro entrar na dimensão em que poderá reconhecer que a outra pessoa também tinha razão.

Como pode um dos dois unilateralmente mudar esse processo, em que estão aprisionados?

Aqui cabe a terceira pessoa, que pode ser o terapeuta, através da intervenção pode desbloquear a situação e abrir novas possibilidades, ou até mesmo um dos membros do casal pode tomar posse desse lugar. E mudando sua forma de comunicar, aos poucos vou deixando o outro mais seguro e diminuirá o seu medo de ter desilusões e poderá pensar em tirar a armadura. Esse trabalho pode ser de média ou longa duração, percebendo que arrumando as coisas do outro também arrumo as minhas. E isto só pode acontecer se for criado um contexto de segurança, que resista aos ataques repetidos que o outro fará para reforçar a sua crença de mundo e voltar a situação de prisioneiro. Deixar a porta da cela aberta deixa o outro livre para escolher se quer ficar aonde está ou se quer mudar.

E existiram outros problemas a serem resolvidos, os quais eram mascarados pelos anteriores, e este processo se dará várias vezes até que não seja necessária uma terceira pessoa e que os problemas se tornem problemas da vida cotidiana e perceber que o casal tem recursos para resolvê-los. Porém pode-se pensar que não se sai do problema porque não se quer e isto é um equívoco. Como considerar o outro como uma possibilidade, quando eu mesmo estou mergulhado numa estrutura que faz com que a pessoa fique presa naquele ciclo para recusar a sua alteridade? Fica-se preso no mesmo ciclo, qual é a parte da liberdade,ou seja, de responsabilidade? Proporcionando ao leitor desmontar armadilhas que tem em si.

Mas como descrever a saída para duas pessoas às quais se construíram para não vê-la?

Talvez fazendo-os compreender que o problema não é o outro e sim a relação tecida entre eles. Então podem começar a se aliar contra a relação que os prende numa armadilha.

Na maioria das vezes é o terapeuta, a terceira pessoa libertadora que, ao abrir espaço, pode oferecer essa nova chance.

 

Capítulo 12 – Um segredo de família

Uma família, composta por três filhos – um menino e duas meninas com pais que deviam ter por volta de 50 anos,foi encaminhada para psicoterapia familiar, após a filha ter sido hospitalizada com quadro de anorexia, sem apresentar melhoras. 

Na primeira sessão a mãe fala sobre a grande perda de peso da filha Estelle de 20 anos,a qual reconhece que tinha “ um problema” e acrescentou de maneira surpreendente que não queria ser a única a carregá-lo. A mãe relacionou sua difícil relação com a família do marido e que na sua infância havia acontecido a mesma coisa, ao mesmo tempo ela parecia não querer reivindicar o seu lugar. O irmão e a irmã falaram apenas sobre a anorexia da irmã, enquanto pai  não se expôs em nenhum momento.

Na sessão seguinte Estelle queria abordar o assunto que deixou no ar na primeira sessão, porém a família parecia não estar preparada para enfrentar o que ela teria a dizer. O psicoterapeuta  tentou apaziguar os ânimos percebendo a situação, tentou tranquilizá-la de que não precisaria falar sobre aquilo agora, porque ela e o mundo não estavam prontos para falar sobre o assunto.

Durante duas sessões tentou-se flexibilizar as regras familiares, isto é,  para modificar o clima dessa família para que todos se sentissem ajudados e tivessem a sensação de haver encontrado alguém que poderia ajudá-los para que assim fosse trazida essa informação a qual o psicoterapeuta não tinha a menor idéia do que seria e  de como se desenvolveria, mas que trazia grande medo aquela família.

Em outra sessão o pai resignado, não acredita que pode ter o seu lugar e que possa ser lembrado ou que tivesse um lugar próprio no seu grupo familiar. A sua “ visão de mundo” era parecida com a da mulher: tanto um quanto o outro tinham dificuldade em acreditar que pudessem encontrar um lugar em qualquer situação.

Estelle nesse momento  interferiu de forma decisiva” ou eu sou anoréxica e ponto final, e o único problema é que, de maneira ou de outra preciso recuperar peso, ou minha anorexia está ligada ao contexto familiar e estou preparada para falarmos sobre ele.” A única que levantou alguma hipótese foi a mãe, que poderia ser a respeito do filho mais velho de 29 anos; a irmã mais velha quis colocar panos quentes dizendo que já havia acabado. E neste momento todos se viraram para o psicoterapeuta e esperam alguma atitude. O qual pergunta a Estelle qual é a sua idade verdadeira. A qual responde que  tem sete anos, abraçou a irmã e começou a chorar.

O pai quis sair do ambiente e propôs a esposa fazer o mesmo – o que mostrava que não podiam ou não queriam ouvir aquilo do que na verdade suspeitavam. Então a pedido do psicoterapeuta os pais aceitaram ficar. O irmão se coloca  e diz que está preparado para o que a irmã tem a falar.

A jovem contou que aos 7 anos tinha visto o irmão acariciar sexualmente sua irmã Emma. Neste momento toda a emoção contida vem a tona e ninguém consegue segurar as lágrimas. A intenção do psicoterapeuta é que a família se sentisse acolhida  e que saíssem de lá com a impressão de que teriam recursos para enfrentar o que havia surgido.

Três semanas mais tarde, Estelle anunciou que havia engordado seis quilos, que estava cansada de ficar no hospital, mas que precisaria engordar mais quatro quilos antes de voltar para casa. O irmão Laurent fez questão de dizer a irmã que estava feliz por ela, mesmo se sentindo impotente para ajudá-la, mas que agora sabia que a felicidade existe. A partir desta revelação o irmão iniciou terapia por conta própria, estava se sentindo melhor e mais próximo a Estelle. Emma se sentia aliviada e melhora no seu relacionamento com o namorado.

Estelle mais uma vez começa a trazer que na sua família é cada um por si e que se sente faxineira da família, impressionando o psicoterapeuta, pelo mesmo discurso que a mãe  e a sensação de não ser reconhecida. A mãe coloca que se ela estiver bem Estelle também estará.

Durante o processo Estelle sempre se colocou a frente das questões que incomodavam a família e mostra que os conflitos familiares é uma forma de estabelecerem um vínculo. Confirmado pelo pai, no que diz respeito a ele e aos outros dois filhos, que se mantem quietos. Já a mãe se posiciona dizendo que Estelle é seu reflexo, a qual fala que sua mãe tem dificuldades com relação a juventude. A qual arrasta o marido,colocando que ele também tem problemas.

A mãe sempre teve medo de que a anorexia da filha tinha relação com os seus problemas o qual é confirmado pela filha – “ Existe um vínculo entre minha mãe e eu que me dificulta qualquer tentativa de autonomia. Sou a caçula, mas tenho a impressão de ouvir a minha mãe dizer: “ Não me deixe sozinha, proteja-me, ajude-me”. E da sua dificuldade em conseguir o seu espaço na família, como se fizesse mal a alguém ao ocupar o lugar que gostaria”.

A mãe traz a questão da família se desmembrar, que não é mais possível serem unidos e que sente falta, mas ao mesmo tempo não suporta a autonomia dos demais. A situação assim se esclareceu e na outra sessão se teve boas noticias, como a saída de Estelle do hospital, agradeceu a família pela ajuda e a mãe a agradeceu por ter possibilitado que todos mudassem. A atmosfera familiar estava mais descontraída, meses depois Estelle atingiu o peso normal e até havia encontrado um emprego.

Através desta história, pode-se tirar vários ensinamentos entre eles:

- O segredo tinha uma função no contexto familiar – para unir a família no silêncio, o qual se transformava em vínculo. O segredo cumpre a sua função ao invadir todo o espaço e ele o invade exatamente porque sua existência é negada. O segredo só é segredo para que se “fale sempre” dele.

- Não é porque existe um segredo que necessariamente tudo gire em torno dele. Um segredo sempre faz parte de uma combinação de elementos que , na sua globalidade, pode explicar uma patologia.  Dentre as dificuldades relacionais da família que estavam entrelaçadas com o segredo. Confrontando com o segredo, o terapeuta não deve por o foco nele – para que as coisas mudem, é preciso que o terapeuta trabalhe na combinação à qual o segredo pertence. É preciso que o psicoterapeuta se esforce para tornar a situação familiar bem flexível para que o segredo liberado, sem que haja, um choque como resposta, por isso é importante flexibilizar o a família, pois existe uma rigidez para manter o segredo, por isso que foi  continente até que pudesse liberar o segredo.

O segredo tem um virtude hipnótica, para a família e para o terapeuta – muitas vezes tendo ele como foco, acreditando que sendo revelado, a trama será desfeita. Mas através desta história pode-se observar a importância de se ver todos os elementos e fazê-los emergi-los sequencialmente e trabalhando para moderá-los.

 

Capítulo 13 – O navio fantasma

Já sabemos sobre a função do segredo na manutenção do equilíbrio familiar. Vamos abordar uma outra dimensão do segredo e mostrar como ele pode se reproduzir de uma geração para outra e servir de vínculo pela sua própria transmissão.

Para ilustrar esta afirmação Mony Elkaïm usará o famoso filme de  Francois Truffaut, Osincompreendidos, em cujo enredo, confessado pelo próprio cineasta, há muito da sua própria biografia. Esse filme mostra como uma família pode reproduzir de geração em geração, as mesmas configurações. Três coalizões se sucedem – a da mãe e da avó contra o avô, a do pai e do filho contra a mãe e, finalmente a da mãe do filho contra o pai.  Uma mesma regra se mantém através da sucessão de gerações – a exclusão da terceira pessoa. Dois membros que pertencem a gerações diferentes se aliam contra um terceiro, que pertence a uma das duas gerações. Todas as vezes surge um segredo, às vezes vários ( um segredo superficial que encobre um segredo mais profundo, para melhor escondê-lo).

A função do segredo é justamente manter uma coalizão,vão muito além do valor psicológico ou narrativo. Os segredos se inserem num sistema de coordenadas muito mais amplo que o da família atual e só se pode compreendê-los  plenamente se levarmos em consideração o que já passou nas gerações anteriores. Além da sua razão imediata, tem também a sua função oculta de manter as regras que , ao se transmitirem de geração em geração, dão a família uma estrutura que se mantém através dos anos – serve como uma espécie de testemunha, um transmissor, um navio fantasma que transporta a bordo o tesouro oculto das regras familiares.

E dentro do contexto atual, servem para reforçar as diferentes construções do mundo dos protagonistas. Em geral, o segredo cria sintomas que são metáforas do que está oculto.

Por exemplo: um menino que rouba – descobrimos que o pai havia sido condenado por estelionato e que a mãe escondera o fato do filho, ou seja, está envolvido em uma dupla coerção: ele é confrontado com coisas sobre as quais não se pode falar, mas ao mesmo tempo, toda uma série de movimentos não-verbais fazem com que ele sinta que existe alguma coisa oculta; o “sintoma”  que apresenta é uma maneira de obedecer essa duplacoerção.

Portanto, o sintoma ligado ao segredo poderia ser uma resposta legítima ao segredo que o filho designa sem nomeá-lo. A função deste jogo fascinante de duplas coerções em espelho, pode ser a de manter a estabilidade de um sistema de crenças, mesmo que seja ao preço do sofrimento de seus membros.

 

Capítulo 14 – Sobreviver à própria família

 Em geral, subestimamos a nossa parte na construção do grupo ao qual nos sentimos presos. Os sistemas humanos são regidos por regras e estruturas; mas se conseguirmos tomar consciência dessas regras e dessas estruturas, recuperaremos nossa parte de livre-arbítrio e poderemos modificar o nosso devir.

Só podemos nos conscientizar dessas cadeias invisíveis que limitam nossos movimentos através do sofrimento, ele é crucial, um sinal de alarme: indica que não conseguimos mais suportar esse conjunto de regras que, contra a nossa vontade dita a nossa conduta.

Tudo o que acontece comigo vem da interseção do que me constitui e do que me cerca; em torno do meu sofrimento existe um mal estar familiar do qual eu tomo consciência pela minha própria dificuldade em continuar a jogar o jogo. O risco também envolve os que me cercam.

 È preciso delimitar o seu próprio território, para que possa se diferenciar dos membros da família para poder encontrar a sua própria esfera de autonomia. É importante que neste momento se faça uma aliança com algum membro da família para que as regras não se tornem mais rígidas. Essas regras que regem a família foram criadas por todos  - pais, irmãos, irmãs, conjugues e por mim. Elas e os nossos mitos – os que o cercam, mas também os seus fornecem cimento que nos une, que nos faz, a todos nos sentirmos membros de um único e mesmo grupo humano. Tem-se que respeitar a alteridade dos membros da família se quiser que a própria alteridade seja respeitada. A demanda será ainda mais legítima se admitir e comportar a aceitação da reciprocidade.

Nossa aptidão para nos autonomizarmos sem culpa ajudará aqueles que nos cercam a descobri que eles também tem direito a autonomia. E a nossa autonomização será ainda mais bem-sucedida se certa forma de aliança for mantida com as pessoas das quias nos separamos  - pois não é preciso que o outro esteja errado para que tenhamos razão.

 

Apreciação pessoal sobre o livro

A obra de Mony, nos traz poesia e magia ao mesmo tempo nos trás a luz. Através de atendimentos realizados faz amarrações com a teoria  clareando a trama familiar e das relações. Embasando com  a Terapia Familiar, regras, fronteiras, luto, segredos e o quanto a nossa construção de mundo é responsável pelas nossas relações.

 

Nome do autor da resenha e data: Gisele Lima - 04/10/2012.