Resenha de Livro
Curso de Formação em Terapia Relacional Sistêmica
Psicóloga Solange Maria Rosset

 

Nome do Livro:

Mudança - Princípios de Formação e Resolução de Problemas

 

Autor do Livro:

Paul Watzlawick, John H. Weakland e Richard Fisch

 

Editora, ano de publicação:

Cultrix, 1977

 

Relação dos capítulos

Apresentação

Prefácio

Primeira Parte – Persistência e Mudança

1- A Perspectiva Teórica

2- A Perspectiva Prática

Segunda Parte – Formação de Problemas

3- “O mesmo remédio em maior dose” ou quando a solução vira problema

4- As terríveis simplificações

5- A síndrome da utopia

6- Paradoxos

Terceira Parte – Resolução de Problemas

7- Mudanças de Segunda Ordem

8- A fina arte de reformular

9- A prática da mudança

10- Exemplos

O mesmo remédio em menor dose

Descobrindo o encoberto

Anunciar em vez de esconder

Grandes Efeitos de Pequenas Causas

O “ Expediente Bellac”

Aproveitando a Resistência

Acusações incontestáveis e desmentidos impossíveis de provar

Sabotagem benevolente

Os benefícios da desatenção

Problemas com os estudos

Lidando com Utopias

O “Pacto com o Diabo

11- Horizonte Maior

Referências

 

Apanhado resumido sobre cada capítulo

Apresentação e Prefácio

A apresentação é feita por Milton Erickson, elogiando os autores.  No prefácio, esses explicam que o livro surgiu da necessidade de documentar as conclusões obtidas no Instituto de Pesquisas Psiquiátricas de Palo Alto. Trata-se sobre a díade Persistência e Mudança, e  como muitas vezes a lógica e o bom senso são inúteis na resolução de problemas, enquanto o absurdo e ilógico muitas vezes guarda a solução.  Seu enfoque é no Aqui e Agora, ao invés de no Passado e no Processo, ao invés de no Conteúdo. Utilizam a influência e a manipulação em proveito do paciente.

Primeira Parte – Persistência e Mudança

1- A Perspectiva Teórica

Persistência e Mudança precisam ser analisadas em conjunto. Toda a percepção e pensamento operam por comparação e contraste. Teorias da Matemática que auxiliam na compreensão da mudança: Teoria de Grupos e a Teoria dos Tipos Lógicos.

A Teoria de Grupos e suas quatro leis:

a- membros dotados de característica comum;

b- combinar membros em seqüência variável não altera o resultado da combinação;

c- um grupo contém um membro de identidade, que garante invariância no grupo;

d- a combinação de qualquer membro com seu oposto geram o membro de identidade.

A partir disso, são descritos alguns exemplos de  determinadas mudanças que não fazem diferença alguma no grupo. Pontua-se também a interdependência entre persistência e mudança. A Teoria de Grupos mostra o ditado plus ça change, plus c'est la même chose, útil para entender mudanças em um sistema invariável.

A Teoria dos tipos lógicos prega a distinção entre membro e classe. “ O que quer que envolva a totalidade de uma coleção não pode fazer parte dessa coleção”.  Ela é útil para entender a relação entre membro e  classe e mudanças de nível. Aqui a mudança é tida como um salto lógico, através de uma descontinuidade.

A partir dessas duas teorias, demostra-se a diferença entre tipos de mudança:

Primeira Ordem -  Mudanças que ocorrem e o sistema permanece o mesmo;

Segunda Ordem – Mudanças que alteram o sistema.

2- A Perspectiva Prática

Neste capítulo os autores ilustram com exemplos práticos seus pressupostos teóricos, facilitando a compreensão.

Segunda Parte – Formação de Problemas

3- “O mesmo remédio em maior dose” ou quando a solução vira problema

Este tipo de solução aumenta a polarização, o que gera um movimento contrário também polarizado e que, conforme a Teoria dos Grupos (d), mantém o sistema igual, ou seja, o problema persiste. Um bom exemplo de polarização é o do barco à vela, no qual duas pessoas, uma de cada lado, puxam a vela para si, com o intuito de mantê-la equilibrada. Quanto mais um puxa de um lado, mais o outro precisará puxar do outro, respondendo com um esforço na mesma medida.

Problemas são impasses criados por tratamento errôneo às dificuldades. Os tratamentos errôneos são de três tipos: a- É necessária ação, e nenhuma é praticada; b- A ação é praticada quando não deveria ser; c- A ação é praticada em nível impróprio.

4- As terríveis simplificações

Muitas vezes, a negação de problemas nas famílias tem o intuito de manter uma aparência social aceitável –  gerando os chamados segredos públicos. Negação da negação, “finjo que não finjo”. A negação gera duas conseqüências: a- o simples reconhecimento do problema é considerado como manifestação de loucura ou malignidade; b- O problema torna-se agravado pelos 'problemas' originados por sua abordagem desastrada. Os problemas humanos tendem a se intensificar quanto mais tempo permaneçam irresolvidos. Assim, qualquer simplificação pode tornar-se realmente terrível em conseqüência de se somar ao problema original, agravando-o.

5- A síndrome da utopia

Nesta abordagem, o problema existe e pode ser solucionado de três formas: a- Introjetiva: A utopia é possível, “eu é que não consigo atingí-la”, mea culpa; b- “ Antes viajar esperançoso do que chegar”; c- Projetiva: “sou puro e bom, a sociedade/os outros é que me corrompem” (álibis). As premissas das três formas são tidas como mais reais que a realidade. É a premissa de que as coisas deveriam ser de determinada forma que constitui o problema e o que exige mudança, e não o modo como as coisas são. Não fosse a premissa utópica, a realidade da situação poderia ser bastante suportável.
A questão utópica é perigosa também no alinhamento teórico do terapeuta, que pode acabar focando no impossível e não nas mudanças possíveis. “Enquanto buscamos o inacessível, tornamos impossível o realizável.”

6- Paradoxos

Neste capítulo, os autores citam vários exemplos que demostram o caráter paradoxal da vida e dos conflitos humanos.

Terceira Parte – Resolução de Problemas

7- Mudanças de Segunda Ordem

Características das mudanças de segunda ordem: a- a mudança é aplicada sobre a solução (que na verdade é a base do problema); b- é paradoxal, estranha, inesperada, ilógica; c- foco no aqui e agora e em para que e não por que; d- mudança de premissas (sair da armadilha produtora de paradoxo). Não é preciso insight para mudar. Em terapia, o mito de que buscar os porquês deva preceder a mudança é uma solução contraproducente. Pergunta norteadora: “ O que se está fazendo aqui e agora para perpetuar o problema, e o que se pode fazer aqui e agora para produzir uma mudança?”

8- A fina arte de reformular

Reformular é mudar a perspectiva conceitual e/ou emocional em relação ao qual uma situação é experienciada e colocá-la sob uma nova forma que se harmonize com os 'fatos' da mesma situação concreta,igualmente bem ou até melhor, desse modo mudando-lhe toda a significação. A reformulação é utilizada como técnica de obter mudanças de segunda ordem.  Nesse sentido, reformular é transferir a ênfase dada a filiação de um objeto a uma determinada classe para outra classe (igualmente válida e compatível com a forma de pensar e categorizar a realidade do dono do problema). A introdução dessa última filiação começa a fazer parte da conceitualização do problema. As classes são construções mentais carregadas de sentido e significado. Percebemos o mundo através dessas classes.

A reformulação é um instrumento eficaz porque depois que percebemos afiliação ou afiliações alternativas, torna-se difícil retomar antiga visão da realidade.  Ela tem que levar em conta os pontos de vista, as expectativas, as razões, as premissas (em suma, o arcabouço conceitual) daqueles cujos problemas devam ser mudados. A reformulação pressupõe que o terapeuta aprenda a linguagem do paciente, pois são as próprias resistências à mudança o que melhor se pode utilizar para promovê-la.

9- A prática da mudança

Em quatro etapas: a- clara definição do problema em termos concretos; b- investigação das soluções já tentadas; c- clara definição da mudança concreta a ser produzida; d- formulação e implementação de plano para produzir mudança. Isso é essencial em terapia, pois o terapeuta que aceita do paciente um alvo utópico para terapia acaba tratando uma condição que ele próprio ajudou a criar e que é, depois, mantida pela terapia.

10- Exemplos

Aqui o autores listam vários exemplos, a maior parte deles de sua experiência clínica, de mudanças de segunda ordem.

11- Horizonte Maior

Capítulo curto no qual os autores pontuam que sua teoria sobre mudança pode se aplicar também a questões maiores, sociais e políticas.

 

Apreciação pessoal sobre o livro

O livro tem fama de ser difícil de ler. Para meu espanto, os autores escrevem em linguagem clara e jovial (possivelmente um pouco atrapalhada pela tradução), o que torna o texto divertido e instigante. Acredito que a fama de livro difícil advém não tanto pela alusão às teorias matemáticas, mas sim pelo seu caráter outside the box, que nos desafia de maneira contundente a pensar em termos distintos dos costumeiros causa e efeito, linearidade.  Questiona a “ ...premissa produtora de problemas segundo a qual a comunicação deve ser clara, objetiva, franca e direta...” (p. 29, nota de rodapé). Além de explicitar como as pessoas criam seus próprios problemas. Tanto que a assimilação do conteúdo é facilitada por seu ritmo – capítulos teóricos seguidos por capítulos cheios de exemplos práticos.

A idéia de que geralmente os problemas não são tão problemáticos assim, a questão são as premissas envolvendo a abordagem e 'solução' deles é um grande convite para libertar nossas mentes. Quando as pessoas assumem que suas premissas são a própria realidade – e todos fazem isso – acabam desenhando pra si suas próprias prisões. Prisões estas cujas chaves estão em suas próprias mãos. Os autores dizem...

“ Há obviamente muita diferença entre nos considerarmos como peões de um jogo cujas regras chamamos realidade, ou como jogadores cientes de que as regras só são 'reais' porque nós as criamos ou aceitamos e que as podemos mudar.” (p. 41)

Renovando o conceito de que ser sujeito da própria vida anda de mãos dadas com responsabilizar-se pelo que se pensa, as idéias propostas pelo livro, até certo grau, combinam com toda a abordagem Nova Era de ' O Segredo'.

O caráter filosófico se estende quando aborda questões de utopia, e o fato de “ ser impossível concretizar um sonho utópico constituir um pseudoproblema, mas o sofrimento que acarreta é muitíssimo real.” (p. 69) Essas reflexões me fizeram pensar sobre o caráter utópico dos valores da sociedade de consumo, e como é comum as pessoas se perderem na busca desses ideais, como magreza, beleza, posses, como se eles fossem equivalentes à felicidade. Até uma certa visão do que seria o amor romântico, o ideal seja você mesmo mas seja diferente, ser realizado no trabalho,  nunca se acomodar, nunca ficar triste, sempre have a good time. E como é comum recebermos no consultório clientes sofrendo por não conseguir atingir estes ideais. Invariavelmente, para se estar genuinamente satisfeito com a própria vida, a pessoa precisa em algum grau emancipar-se das canções do rebanho e pensar por si mesma.

É riquíssima a questão ética dos objetivos da terapia: quando o terapeuta concorda com objetivos inatingíveis, corrobora com o sofrimento do cliente e transforma a própria terapia em parte do   problema. É interessante pois a maioria das teorias em Psicologia aponta para objetivos utópicos: o caráter genital de Reich, auto-realização de Rogers, a individuação de Jung. A reflexão é interessante de que até que ponto ir em busca do ser humano ideal é de fato ajudar pessoas, ou prestar um desserviço a elas.

Chocando-se com a formação acadêmica, vem o conceito de que não é necessário insight para haver mudança. O livro é muito convincente com seus exemplos mas questiono até que ponto isso pode ser estendido para todos os casos, provavelmente pela grande valorização dada às percepções do cliente nos processos (valorização esta recebida na graduação). Food for thought. Os melhores livros são aqueles que nos deixam cheios de indagações, afinal, são as perguntas que movem o mundo, não as respostas.

 

Nome do autor da resenha e data: Slovia Uhlendorf, Fevereiro de 2011.