Resenha de Livro
Curso de Formação em Terapia Relacional Sistêmica
Psicóloga Solange Maria Rosset

 

Nome do Livro:

Mudança

 

Autor do Livro:

Paul Watzlawick

 

Editora, ano de publicação:

Cultrix - São Paulo, 1973

 

Relação dos capítulos

     Cap.1 - A Perspectiva Teórica

     Cap.2 - A Perspectiva Prática

     Cap.3 - O Mesmo remédio em maior dose ou quando a solução vira problema

     Cap.4 - As terríveis simplificações

     Cap.5 - A Síndrome da utopia

     Cap.6 - Paradoxos

     Cap.7 - Mudanças de segunda ordem

     Cap.8 - A Fina arte de reformular

     Cap.9 - A Prática da mudança

     Exemplos

 

Apanhado resumido sobre cada capítulo

     1º Parte - Persistência e Mudança.

     Cap.1 - Perspectiva Teórica

     A mudança é um elemento tão difuso e imediato da nossa experiência que só poderá tornar-se objeto do pensamento depois de conceitualizada a idéia antitética de invariância e persistência. É uma questão de conceitualizar a experiência e não se descobrir à realidade. Ex: num universo em que tudo fosse azul, o conceito de azuleja não poderia existir, por falta de cores contrastantes. Devemos recorrer à Teoria dos Grupos, se quisermos melhor explicar persistência e mudança.

 

     De acordo com essa teoria, um grupo tem as seguintes propriedades:

     a - compõe-se de membros dotados de uma característica comum.Contando que tenham um denominador comum e que o resultado de qualquer combinação entre dois ou mais membros constitua, ele próprio um membro do grupo.

     b - outra propriedade do grupo é podermos combinar-lhe os membros em seqüência variável, sem que por isso o resultado de tal combinação se altere. Portanto, podemos dizer que há mutabilidade no processo, porém invariância no resultado.

     c - outra propriedade é, um grupo tem um membro de identidade tal, que sua combinação com qualquer outro membro tem por resultado esse outro membro, com identidades desse outro membro relativamente , isto também quer dizer que um membro pode agir sem determinar nenhuma alteração.

     d - finalmente, em qualquer sistema que satisfaça o conceito de grupo, vemos que cada membro tem seu recíproco ou oposto, de tal sorte que a combinação de qualquer membro com seu oposto tem por resultado o membro da identidade e, por conseguinte está contido nele.

O que a teoria dos grupos aparentemente nos pode proporcionar é um modelo para tipos de mudança que transcendam um dado sistema ou quadro de referencia. É neste ponto que temos que voltar para a teoria dos tipos lógicos.

 

     Os componentes do todo se denominam classe e não grupo. Um axioma essencial à teoria dos tipos lógicos é: "O que quer que envolva a totalidade de uma coleção não pode fazer parte dessa coleção". Ex: A humanidade constitui a classe de todos os indivíduos humanos, mas obviamente ela própria não constitui um indivíduo como tal".

 

     As hierarquias dos níveis lógicos, os riscos de confusões de suas enigmáticas conseqüências são permanentes. Os fenômenos de mudança não constituem exceção, fato muito mais difícil de ver nas ciências do comportamento do que, por exemplo, na física. Existe dois tipos diferentes de mudança: um, que ocorre dentro de um dado sistema, que por sua vez permanece inalterado, outro, cuja ocorrência muda o sistema. A esse tipo de mudança nós nos referimos daqui para diante como mudança de segunda ordem. Finalmente, mudança de segunda ordem sempre se encontra na natureza de uma descontinuidade ou de um salto lógico, podemos esperar que as manifestações práticas de mudança de segunda ordem pareçam ilógicas e paradoxais.

 

     Cap.2 - Perspectiva Prática

     Embora seja fácil estabelecer uma clara distinção entre mudanças de primeira e segunda ordem em termos teóricos, pode ser dificílimo estabelecer essa mesma distinção quando se trate de situações reais. O descuido dessa diferença e a confusão entre os dois níveis de mudança são muito fáceis de ocorrer, o que além de não produzir a desejada mudança soma-se ao problema solucionado.

 

     As quatro propriedades da teoria dos grupos nos mostram que nenhuma combinação entre elas pode produzir mudanças de segunda ordem. Não se pode gerar de seu próprio interior as condições para própria mudança; não se pode produzir as leis que regulam a mudança de suas próprias leis. A ocorrência de mudança de segunda ordem é tida como coisa incontrolável, incompreensível até; o salto de um quantum, uma súbita iluminação que surge imprevisível ao fim de longa e em geral decepcionante lida mental e emocional.

 

     Mudanças de segunda ordem são introduzidas no sistema de fora para dentro. Daí, sua natureza intrigante e aparentemente caprichosa.

 

     A solução é, uma mudança de segunda ordem consiste em sair do campo, e não pode estar contida em si mesma, ela envolve todo uma coleção, da qual, portanto, não pode fazer parte. Ex: Ninguém pode ter uma percepção visual completa de seu próprio corpo ( diretamente ao menos ) porquanto seus próprios olhos, sendo os órgãos perceptores, fazem parte da totalidade em questão.

 

     2º Parte - Formação de Problemas

     Cap.3- O mesmo remédio em maior dose

     O mesmo remédio em maior dose " - Ex: Primeiro levantamos poeira, depois nos queixamos de não poder enxergar. - BEKERLEY -"

 

     Em geral o que promove mudança é o desvio de alguma norma. A mudança desejada se obtém, em resultado de aplicar o oposto daquilo que produziu o desvio. Ex: aquecimento versus frio.

 

     Mesmo ao risco de parecermos empenhados em sutilezas semânticas, devemos neste ponto fazer uma clara distinção entre o nosso uso dos termos dificuldades e problemas.

 

     Sempre que falarmos sobre dificuldades, estaremos simplesmente designando um estado de coisas indesejado, que pode ser resolvido graças a alguma medida ditada pelo bom senso ( mudança de primeira ordem) Falando de problemas nos referimos sempre a impasses, becos sem saída, apuros, etc. que são criados e mantidos graças a tratamentos errôneos dados a dificuldades.

 

     Basicamente existe três modos pelos quais esse tratamento errôneo pode ocorrer:

     a) ensaia-se a solução negando que determinado problema seja problema; é "necessário alguma ação mas nenhuma é praticada".

     b) ensaia-se a mudança tendo em vista uma dificuldade que, para todos os efeitos, ou é imutável ou é inexistente; a "ação é praticada quando não deveria ser"

     c) comete-se um erro de representação lógica, e um jogo sem fim se estabelece, "a ação é praticada em nível impróprio".

 

     Essa três formas errôneas de lidar com a mudança são importantíssimas e serão tratadas nos três próximos capítulos.

 

     Cap.4 - As terríveis simplificações

     "Meu objetivo é ensina-los a passar de um absurdo disfarçado para algo que seja potentemente absurdo" WITTGENSTEIN.

 

     Em linguagem mais abstrata, a formula típica aqui envolvida é : não há nenhum problema - e qualquer um que enxergue um problema deve ser doido ou ter mau caráter- ele talvez seja única fonte de qualquer dificuldade admitida. Acreditamos que a causalidade circular, não linear e unidirecional, está envolvida na interação humana.

 

     Um modo errôneo de abordar problema é comportando-nos como se eles não existissem. Para designar essa forma de negação, valemo-nos do termo "terrível simplificação". Ela é responsável por duas conseqüências :

     a - o simples reconhecimento( quanto mais alguma tentativa de solução) do problema é considerado como manifestação de loucura ou malignidade,

     b - o problema necessitado de mudança, torna-se em grande parte, agravado pelos problemas originados por sua abordagem desastrada,

 

     Considerando esse impasse à luz da teoria dos grupos, uma simplificação se enquadra no conceito de membro de identidade ( a 3a propriedade grupal) quando sua introdução num problema existente, mantém a identidade deste último, isto é, deixa o problema inalterado. Mas tratando-se de problemas humanos, ao contrário dos membros de grupos abstratos e estáveis da matemática, física etc. tendem a se intensificar quanto mais tempo permanecer irresolvidos, ( mantendo a estrutura do grupo).

 

     Qualquer simplificação pode tornar-se realmente terrível em conseqüência de se somar ao problema original, agravando-o.

 

     Cap.5 - A síndrome da utopia

     Na raiz das manifestações da Síndrome da Utopia há uma discrepância entre "realidade e potencialidade", isto é, entre a maneira como as coisas são e a forma como deveriam ser, segundo uma premissa qualquer.

 

     Na prática, existem muitas situações em que se pode mudar a realidade a fim de conforma-la a alguma premissa; existem outras em que nada se pode fazer sobre o estado real das coisas. Se em qualquer dessas situações considerarmos a mencionada potencialidade (o estado ideal) como sendo mais real que a realidade, tentaremos empreender uma mudança onde ela é impossível e onde nem a deveríamos tentar, se primeiro não postulássemos a premissa utópica. Portanto, é a premissa de "as coisas devem ser" de determinada forma o que constitui o problema e o que exige mudança, e não o modo como a "coisas são". Não fosse a premissa utópica, a realidade da situação poderia ser bastante suportável. Donde tratar-se aqui de uma maneira errônea de lidar com a mudança. Experimenta-se mudança de primeira ordem onde só mudança de segunda ordem poderia levar a alguma solução.

 

     Cap.6 - Paradoxos

     "Todos os cretenses são mentirosos"

 

     No paradoxo existem dois extremos. "Quero que ele queira fazer coisas, mas compreendo que isto será algo que teremos de ensinar-lhe".

     Em geral afirma-se que se o paradoxo parece criar uma situação insustentável, o impasse pode ser resolvido recorrendo-se ao fato de que tal situação representa uma impossibilidade lógica e, portanto, não tem importância prática.

 

     Em resumo, o que se entende por efeitos comportamentais do paradoxo na comunicação humana é o peculiar impasse suscitado quando mensagens estruturadas precisamente, como os paradoxos clássicos, da lógica formal, são trocadas. Ex.: "Seja natural!".

 

     3º Parte - Resolução de Problemas

     Cap.7 - Mudanças de Segunda ordem

 

     lº - Princípio

     Mudança de segunda ordem. Parece à primeira vista, ser uma solução, porquanto na perspectiva própria de mudanças de segunda ordem esta "solução" se revela como sendo à base do problema que se pretende solucionar.

 

     2º - Princípio

     A mudança de primeira ordem parece basear-se no bom senso, Ex: A receita do mesmo remédio em maior dose. A mudança de segunda ordem costuma parecer esquisita, inesperada e absurda, há um elemento intrigante, paradoxal, no processo de mudança.

 

     3º _ Princípio

     Aplicar técnicas de mudança de segunda ordem à "solução" significa tratar da situação aqui e agora. Essas técnicas lidam com efeitos e não com suas presumíveis causas. A pergunta crucial é "o quê?" E não o "por quê?".

 

     4º Principio

     O emprego de técnica de mudança de segunda ordem ergue a situação da armadilha produtora de paradoxo, criada pela autoreflexividade da solução experimentada; e a coloca numa forma diferente (como se faz no problema dos nove pontos).

 

     Esta é uma das essências da mudança de segunda ordem. O fato mais curioso com respeito a esse tipo de resolução de problemas é ser ela possível mesmo - ou especialmente- quando os fatos concretos da situação forem imutáveis. Para ilustra-la devemos voltar para o quarto princípio da mudança de segunda ordem, ou seja, para técnica da reformulação.

 

     Cap.8 - A fina arte de reformular

     Reformular significa mudar a perspectiva ou o prisma conceitual e ou emocional em relação ao qual uma situação experienciada e colocada sob uma nova forma que se harmonize com os "fatos" da mesma situação concreta, igualmente bem ou até melhor desse modo mudando toda a significação. A reformulação muda o significado atribuído à situação e, pois, suas conseqüências, mas não seus fatos concretos.

 

     "Não são as coisas mesmas que nos afligem, mas as opiniões que temos sobre elas". A reformulação opera no nível de meta-realidade, onde, como tentamos fazer ver, se pode verificar mudanças mesmo que as circunstâncias objetivas de determinada situação estejam completamente fora do controle humano.

 

     O que torna a reformulação de um instrumento tão eficaz de mudança é que tão logo percebamos, alguma filiação alternativa de classe, ou várias, não nos é fácil voltar à prisão e a angustia de uma anterior perspectiva da "realidade".

 

     Assim que alguém nos mostre a solução do problema dos nove pontos, será quase impossível regressarmos à nossa atarantação e muito menos à desesperança de solução possível.

 

     Cap.9 - A prática da mudança

     Identificamos até aqui os princípios de formação e de resolução de problemas. Resta agora aplicar esses princípios à luta prática com os problemas humanos.

 

     Devemos ter em mente os princípios que foram mencionados anteriormente e leva-los a formulação e a aplicação em um procedimento, em etapas, que são:

     1) uma clara definição do problema em termos concretos;

     2) uma investigação das soluções já experimentadas;

     3) uma clara definição de mudança concreta a ser produzida;

     4) a formulação e implementação de um plano para produzir essa mudança.

 

     A aplicação prática desses princípios genéricos levou-nos a desenvolver uma grande variedade de intervenções típicas, o que o próximo capítulo exemplifica.

 

     Exemplos

     "O mesmo remédio em menor dose".

     O problema e as soluções tentadas não levam a uma mudança, funciona como o mesmo remédio em dose menor, o objetivo para gerar mudança é formular um objetivo concreto saindo do foco do problema e para que a intervenção seja bem sucedida precisa ser efetuada dentro da linguagem do contexto.

 

     "Descobrindo o encoberto"

     É descobrir qual o jogo que está por trás da queixa para reformula-la e fazer com que a intervenção faça diferença.

 

     "Anunciar em vez de esconder"

     A definição do problema geralmente é fácil. A solução tentada envolve alguma afirmação contraproducente de força de vontade, o problema nada tem a ver com o encoberto ou oculto. A prescrição do comportamento equivale a uma inversão completa da solução já tentada, em vez de esconder os sintomas, a pessoa é levada a proclamá-los. - a solução tentada é o problema - e este desaparece assim que seu comportamento destinado a resolve-lo seja abandonado, e desaparece a premissa subjacente, sem o insight.

 

     Há um bom número de problemas cujo denominador comum é algum tipo de deficiência socialmente inibidora ou embaraçosa, algo que não se pode evitar, mas que não se deva fazer. Algo que goste de fazer, mas não consegue. A definição do problema geralmente é fácil e a solução tentada envolve alguma afirmação como força de vontade. Ex: medo de falar em público.

 

     "Grandes efeitos de pequenas causas"

     A preocupação e a tentativa de preveni-los torna propenso a cometer erros e deslizes, de algum modo precipita a ocorrência. Dores psicogênicas, compulsões, tiques, enurese noturna, caracterizados por excessiva cautela. Problemas como estes, entre outros só se obtém controle quando a pessoa passa a ser capaz não só de evita-los, mas também de cria-los a seu bel-prazer.

 

     "O expediente Bellac"

     Este faz alusão à peça Giraudoux que esboça o oposto daqueles emaranhados interpessoais, que sempre se perpetuam a si mesmo, nos quais, a ofensa de um gera a ofensa de outro, que por sua vez, reforça os motivos que o primeiro tinha para ofender, levando-o a ofender ainda mais; uma mudança inicial pequena pode ser tudo o que seja preciso para efetuar a mudança de todo o padrão.

 

     "Os benefícios da desatenção"

     O importante elemento da natureza da relação entre elas, e pode facilmente transformar-se em fonte de problemas. Mas a atenção e sua ausência, a desatenção, é ainda outro par de opostos que, confrontados entre si não produzem nenhuma mudança de segunda ordem.A solução exige uma transparência para uma premissa que, na aparência, viola desbragadamente o bom senso.

 

     "Problemas com os outros"

     Técnica útil e producente é a de ligar dois problemas de tal modo que um seja prescrito como "punição" para o outro. Por Ex: Se um aluno além de tiver problema com os estudos também os tiver com garotas, pode-se produzir mudança nas duas áreas apenas, prescrevendo que ele deixe de satisfazer as exigências de determinado estudo e que ele venha a convidar uma garota a sair no dia seguinte. Ligar problemas desse modo representa também o melhor método com respeito a muitos outros impasses humanos.

 

     "Lidando com utopias"

     O bom senso sugere que a melhor forma de lidar com problemas oriundos de ambições exageradas é apontando'lhes as falhas e absurdos, na esperança de que o utopista enxergue, no entanto, o que se entende bem é a linguagem da utopia. Claro que repugna ao bom senso a idéia de alimentar, em lugar de contradizer, aquilo que necessita de mudança.

 

     "O pacto com o Diabo"

     O pacto com o diabo constitui uma manobra que permite ao terapeuta haver-se com o dilema, esquivando-se dele por completo e, paradoxalmente, indo direto ao problema do risco. O terapeuta apresenta um plano ao cliente, que só lhe será revelado mediante a promessa de pô-lo em prática, independentemente de quão difícil, inconveniente ou absurdo possa parecer. Sem detalhes o terapeuta informa-lhe que o plano está perfeitamente dentro da sua capacidade e que não será prejudicial nem dispendioso. Eu creio que só posso ajuda-lo dessa maneira. Mas não fornece detalhes sem primeiro contar com sua aquiescência. Como o cliente já estará sentindo a premência do tempo, isto se pode utilizar dizendo-lhe: "percebo que estou exigindo muito de você ... que me dê, por assim dizer , um cheque em branco. Pensa bem nisso e na próxima semana me dê a resposta do que resolveu" (fica subentendido que uma resposta negativa porá fim ao tratamento).

 

     O pacto com o diabo, por outro lado, diz respeito ao quadro, isto é, à classe e não aos seus membros. Ele substitui o velho jogo por um novo, em que é necessário assumir um risco, ainda que seja apenas o risco de recusar o pacto.

 

Apreciação pessoal sobre o livro

     A ocorrência de mudança de segunda ordem é tida como coisa incontrolável, incompreensível até, o salto de um quantum, uma súbita iluminação que surge imprevisível ao fim de longa e em geral decepcionante lida mental e emocional.

     Mudança: é um processo de conceitualizar a experiência e não se descobrir a realidade.

 

Nome do autor da resenha e data: Glaci M. Afonso Amaral - Outubro/2000.