Resenha de Livro
Curso de Formação em Terapia Relacional Sistêmica
Psicóloga Solange Maria Rosset

 

Nome do Livro:

O mito familiar

 

Autor do Livro:

Robert Neuburger

 

Editora, ano de publicação:

Summus Editorial - 1999

 

Relação dos capítulos

Primeira parte

O TERAPEUTA PERANTE A FAMÍLIA

Segunda parte

O TERAPEUTA PERANTE O CASAL

Terceira parte

AS TERAPIAS DE FRATRIA

Quarta parte

INSTITUIÇÃO CUIDADORA, INSTITUIÇÃO FAMILIAR

Quinta parte

E O INDIVÍDUO?

 

Apanhado resumido sobre cada capítulo

O TERAPEUTA PERANTE A FAMÍLIA

As terapias familiares surgiram a partir das experiências de Laing e Cooper. A família, sob a visão da sua forma, é confrontada com o ponto de vista do terapeuta.

A memória familiar é um processo de seleção que a família faz, daquilo que é conveniente esquecer para manter o mito do grupo familiar; a finalidade é garantir uma identidade seja se igualando ou se opondo. A memória familiar é o processo de transmissão/seleção, entre os ascendentes e os membros atuais: lembranças, relatos, fotos, objetos e etc... A transmissão liga o passado ao presente, prolongando relatos, enriquecendo-os através da criatividade; têm dupla mensagem, pois garantem a diferenciação do grupo e preserva a identidade, além de garantir sua sobrevivência através da capacidade de adaptação: é o ser igual e ser diferente, paradoxal da transmissão.

É difícil de adequar o pedido de ajuda àquilo que o profissional tem para oferecer; a dificuldade está no perigo de responder ao pedido, de maneira a beneficiar aquele que pede; isso porque os mitos familiares e sociais interferem e, anteriormente, não foram utilizados de maneira adequada, transformando-se em processos fracassados. As crenças e mitos do profissional atendente, sociológico ou psicológico, acabam se transformando em modelos inacessíveis, e a ajuda é alcançada quando as pessoas são instadas a usar a ajuda oferecida; seus valores não podem ser desacreditados, causando confusões. O que se deve fazer, é não substituir o mito familiar pelo profissional que, normalmente, faz parte da oferta de ajuda social, educativa ou psiquiátrica.

O autor fala da dificuldade que o terapeuta encontra porque a família pluricomposta tenta repetir a família "clássica", negando sua especificidade; a tentativa de adaptação acaba se transformando em patologia.

A dificuldade de atuar com famílias pluricompostas, está no fato de que um membro, apresentando comportamentos que fogem à crença de "família normal", é vivenciado como fracasso; fica então clara a fragilidade grupal. Quando o profissional demonstra entender ou decifrar a situação íntima do grupo, ele pode destruir os mitos e rituais específicos, as diferenças conhecidas, as particularidades de cada um, que assegura sua continuidade.

Há vários modelos de família, mas o mais aceito é a família conjugal; o mais difundido é o da família ampliada; o primeiro modelo elege as relações pessoais; o segundo, o de parentesco categorial (irmãos, clã).

O profissional precisa estar atento para não desvalorizar os grupos familiares pluricompostos, para poder demarcar os mitos e ajudá-los a fugir da idéia de que são disfuncionais por serem famílias pluricompostas.

Quando existe dificuldade com filho adotivo, a idéia do casal é de que eles fracassaram; mas pode ser que a adoção seja um elemento mítico do grupo familiar, como a solidariedade ou a generosidade. O que ocorre quando aparecem comportamentos irracionais, são reações a uma expectativa mítica.

A verdade revelada é bastante questionada: falar ou não, em que fase do desenvolvimento falar e o efeito da atitude sistemática dos pais e do filho. A principal questão é o vínculo e o modo da revelação; é importante reforçar e assegurar os vínculos entre a criança e sua família; essa criança precisa se sentir segura quanto ao pertencimento familiar; isso é o que o autor chama de "enxerto mítico".

Na seqüência, o autor relata a origem do pai, como a sociedade o inventou, deu-lhe responsabilidades e exigiu-lhe limites, controlando-o para que o mito paterno não se extinguisse.

O modo como o pai administra a relação com a inclusão e o pertencimento em suas conversas familiares, facilita ao terapeuta considerá-lo. Rigidamente, o autor classifica o pai da seguinte forma: o pai juiz (defensor da inclusão social); o pai mafioso (privilegia o pertencimento à família); o pai demissionário (deixa para as instâncias sociais a administração da inclusão); o pai ausente (ligado a sanções). Os dois primeiros são oponentes, os outros dois desviantes.

A relação inclusão-pertencimento é difícil de administrar. Quando os pais parecem lastimáveis pode ser que estejam escolhendo uma forma de sobrevivência social, defendendo uma idéia de relação sociedade-família, para não entrar na classificação de desviantes.

O TERAPEUTA PERANTE O CASAL

Na introdução, o autor esclarece que, pertencer a um grupo é aceitar a crença dos mitos e participar dos rituais desse grupo; e é esse pertencimento que assegura certa proteção, solidariedade, principalmente quando se observa intromissão exterior. No caso de intervenção terapêutica no casal, se o profissional ignorar a força dos vínculos de pertencimento, e der a idéia de pretender favorecer um dos parceiros, pode surgir a violência.

O mais adequado é trabalhar com rituais e seus mitos constitutivos. Em caso de separação, trabalhar de forma metafórica, torna mais suportável a perda; se a decisão é dar continuidade, espera-se que o casal saiba avaliar que terá um preço a pagar pelo pertencimento. O terapeuta precisa procurar distingüir as violências que significam trazer o parceiro de volta, daquelas que desejam excluí-lo.

O autor relata um caso de casal cujo problema é a ausência de inscrição, isto é, a necessidade de "reconhecimento" como casal. Este é como se fosse uma pequena célula autocriada; o que funda o casal é uma história, um mito; mas ele não tem autonomia para se autodefinir. A capacidade de se reconhecer como existente, exige uma passagem pelo outro ou os outros.

Participando dos rituais, sustentando os mitos dos grupos, é que eles reconhecem, concedem identidade de pertencimentos, humanizam. Tanto em se tratando de casal, de recasamento, quanto de grupos, têm necessidade de pertencimentos para serem identificados, e o fazem através dos mitos, sejam individuais, de casal, familiar ou sociais.

Como já foi abordado anteriormente, as pessoas, ao se unirem, constituem um novo grupo, chamado de terceiro. Os casais relatados apresentam sintomas psicossomáticos, que chegam ao terapeuta como queixa adjacente a dificuldades sexuais dos mesmos. O que se observa é que, tanto os sintomas quanto as dificuldades sexuais, mascaram fatores determinantes das crises: mitos relacionados às famílias de origem, desejos e necessidades pessoais mal comunicados ou não expressados, causadores de bloqueios, medos de alterações relacionais e negações.

Através da supervisão de uma situação de casal, o autor mostra a diferença de leitura de uma terapeuta e uma co-terapeuta: uma conciente de sua falta de neutralidade; a outra, otimista quanto ao resultado terapêutico. Os supervisores propõem avaliarem-se quanto à norma de casal e do casal ideal, para os outros e para si mesmos. A avaliação foi feita por uma classificação em ordem de preferência, abrangendo: a escolha do parceiro, a qualidade das relações, a estabilidade do casal e o desenvolvimento pessoal do casal.

O resultado para a terapeuta aparece como ideal, tanto pessoal quanto profissional, de boa comunicação no casal, ao contrário da co-terapeuta que privilegia o desenvolvimento pessoal. Como o casal tinha uma relação turbulenta, agressiva, a terapeuta pensou que o melhor seria a separação; a avaliação da co-terapeuta confirmou uma certa complementalidade do casal, tendo em vista que os dois tiram proveito do jogo.

AS TERAPIAS DE FRATRIA

O autor introduz este capítulo, dando uma idéia sobre os esforços dos pais, para administrar as relações fraternas e várias problemáticas interfraternais. Fala sobre os efeitos causados pela gestão dos conflitos de fratrias e sintomas que podem induzir.

São várias as motivações dos casais para criar uma fratria, entre elas a de desenvolver um sentimento de fraternidade, o que nem sempre acontece.

Aparecem muitos sentimentos de inveja, ciúme, indiferença, exclusão, como também de natureza sexual ou passional.

Uma das dificuldades dos pais, está em administrar as relações entre os filhos, a partir da vinda dos mesmos, quando surgem os complexos de intromissão, de desmame e de Édipo. Com freqüência, se observa pais com filhos que apresentam comportamentos extremamente agressivos em relação a irmãos, contrariando o mito da fraternidade, mas sem questioná-lo. Outra preocupação, está na relação fusional.

A relação do casal e a forma como ela é transmitida aos filhos, é mais eficiente do que a interferência nas relações interfraternais.

Mara S. Palazzoli e sua equipe, introduziram um jogo familiar que consiste em instigar filhos contra pais e frustrá-los com comportamentos inesperados; o filho instigado se decepciona e se afasta do cônjuge com o qual pretendia uma relação privilegiada e apresenta sintoma psicótico, conseguindo a atenção que desejava. O jogo continua quando o cônjuge instigador escolhe outro adversário ou parceiro de conflito. Aí aparece como os pais vivem as relações com os filhos, se os problemas vieram antes da criação da fratria, se se mantêm, como foram na sua história familiar, etc... Ao tomarem conhecimento comum do jogo terapêutico, de como se deu a exploração da gestão dos vínculos fraternos, como os pais administraram-na, podem ocorrer mudanças significativas no grupo.

O autor aborda a comunicação entre pais e filhos adolescentes, quando as comunicações paradoxais podem gerar conseqüências patológicas (duplo vínculo), ou serem uma falta de lógica "normal" (vínculo simples). Estas podem gerar mudanças alterando os modos de relação. O que diferencia o vínculo simples dos duplo vínculo; está na capacidade ou não de o adolescente compreender o contexto das comunicações, a intencionalidade dos pais. Tentar tornar coerente a intencionalidade é a tarefa do terapeuta.

Pode-se utilizar da proposta "terapia de fratria", além de reenquadramento; da mesma forma que se usa em terapia de casal, adaptando-se à idade dos adolescentes, com a mesma meta, que é facilitar ao grupo expressar a criatividade de cada um.

A complementaridade entre o grupo casal e o grupo fraterno, é essencial nas comunicações na família conjugal, representando a funcionalidade familiar.

Se o mito da fraternidade for forte na família, a boa convivência entre os filhos comprovam o bom funcionamento familiar e os pais conseguem administrar bem as relações fraternas.

INSTITUIÇÃO CUIDADORA, INSTITUIÇÃO FAMILIAR

O autor inicia este capítulo indicando que o campo psiquiátrico está longe de se fechar a diferentes interpretações e questionamentos. Descreve três correntes teóricas que são: a organicista, a psicogenética e a contextualista. As duas primeira são oponentes; a terceira, coloca o paciente e seu sintoma como suporte do mito de pertencimento do grupo e se transforma em sujeito idealizado. Para ele há teorias boas ou ruins, mas "a prática mostra que não há paralelo entre qualidade dos cuidados, a natureza da relação terapêutica, objetivante ou subjetivante, e as teorias que as sustentam".

Conclui-se que, tanto o profissional, representando a instituição, quanto a família que busca ajuda para seu "doente", desejam uma explicação. Como as crises familiares estão ligadas aos mitos de pertencimento ameaçados, pondo em risco a identidade familiar, forma-se uma situação similar com a instituição, que precisa das teorias para afirmar sua identidade, manter um sentimento de pertencimento para seus profissionais.

São apresentadas duas instituições: a burocrática e a ideológica. A primeira com linguagem linear, programa terapêutico preestabelecido, profissionais especializados que terão como foco os déficits do paciente; são levantadas as conclusões e feita uma síntese para definir a conduta terapêutica; não tem uma ideologia própria e tem como função melhorar os déficits. A avaliação é mais quantitativa, possibilita recaídas comportamentais, retorno à instituição, tornar o "paciente crônico" e a relação familiar é puramente complementar, de troca com a instituição na função de cuidadora. A segunda reforça a finalidade de individuação, da autonomia, colocando o paciente diante de uma caminhada; valoriza menos os sintomas. A instituição contrata a aceitação do paciente, que será visto como pessoa; tem identidade forte, dá a seus membros um pertencimento singular, e a terapia se baseia na relação com a instituição e não em técnicas especializadas. Suas atividades não são transparentes, dificultando a avaliação, e as saídas não são previsíveis, podendo se prolongar por anos; as relações com as famílias são difíceis e a linguagem fixa.

O autor relata o caso de uma jovem chinesa, com acessos delirantes, através do qual se observa a maneira diferenciada de entender e de tratar as perturbações psíquicas. A jovem estava sendo tratada na França, dentro da proposta terapêutica familiar (ocidental). Para os chineses, o indivíduo não era responsável direto pelas perturbações; ele seria apenas o mediador de mensagens dirigidas por ancestrais familiares que utilizavam um dos membros para manifestar alguma situação existente entre eles no passado, e que tinha ficado sem solução.

A medicina chinesa passou por várias fases: ligada à liturgia taoísta, ganhou caráter impírico no século XI, mas as doenças mentais ficaram por conta da terapia ritual e religiosa, até a época moderna. A noção de que a doença era atribuida ao pecado contra a vida, contra a natureza, e relacionada à moral, deu lugar a um novo código litúrgico, que se chamou "metáfora burocrática". A doença passou a ser atribuída à transgressão de seres sobrenaturais, deuses, ancestrais, patriarcas; é considerada doença psicológica, possessão e cabe ao Estado fixar as punições e recompensas.

E O INDIVÍDUO?

Ao introduzir este capítulo, o autor fala da importância que o destino tem na família e como aparece com freqüência na demanda, a ponto de se confundir patologia com destino. O destino é figura do coletivo, é a representação de um mito, a crença em uma organização oculta, que antecede e determina o destino dos grupos ou dos indivíduos; mas, só é percebido depois dos acontecimentos.

Cita a análise freudiana do destino individual de Édipo, onde a autonomia da pessoa é questionada pelos acontecimentos. Fala do paradoxo da demanda do paciente: crer e não crer no destino. As referências míticas criam um destino e determinam uma continuidade. A dúvida que as pessoas têm sobre seu destino é que mobiliza o grupo.

Quando as famílias vêm à terapia, trazem um componente ideológico forte, uma crença mítica no grupo; se essa crença é ameaçada, a família reage identificando um paciente entre seus membros; e, só enfrentará as crises dos valores e mitos, se seu destino for afirmado e reconhecido.

Cita algumas técnicas: 1 - o reconhecimento do suporte mítico do grupo; 2 - a prescrição de ritual; 3 - a prescrição do irracional nos casais; 4 - a utilização de metáforas e conclui: "o destino é uma doença para as pessoas, pois se opõem à sua autonomia; é um tratamento para os grupos familiares, pois ele sustenta sua identidade".

O autor coloca que os pedidos de terapia familiar e de casal, incluem tentativas de suicídio. É uma situação que precisa de tratamento e não há prevenção real; esse tratamento pode ser ambulatorial, psicoterápico, medicamentoso, mas com efeitos duvidosos. Foi criado um sistema de atendimento por equipe de terapeutas familiares, para trabalhar imediatamente após uma tentativa de suicídio; consiste em providenciar entrevistas com as pessoas mais próximas aos suicidas, ainda enquanto estão sob o efeito emocional da ocorrência. Estas entrevistas têm como foco o desejo de morrer, que o suicida expressa. O que se observa nas famílias, é que o suicida tem uma perda progressiva de contatos com o seu meio e ninguém tem essa percepção. As entrevistas trazem à tona, que os familiares sabiam, mas que ninguém sabia que o outro sabia, e esperava que o outro resolvesse a questão. A falta da teoria do saber compartilhado é o padrão comunicacional das famílias, que passam por essas situações. Essa forma de tratar inscreve o suicida em um pertencimento estruturante familiar; ele sente a solidariedade na função cuidadora das entrevistas, pois percebe a mobilização em volta de si e diminui seu sentimento de desvalorização. Então é preciso introduzir a teoria do saber compartilhado ou do conhecimento comum no grupo para prevenir.

Para concluir, o autor sugere que se utilize técnicas que atendam ao pedido dos grupos, de serem validados, de inscrever ou reinscrever os indivíduos em seus grupos de pertencimento, para que as pessoas façam bom uso da ajuda.

 

Apreciação pessoal sobre o livro

O livro nos coloca, diante de várias reflexões sobre a importância do mito familiar, do mito social, do mito profissional, e suas inter-relações.

O autor nos leva, através de explicações teóricas e relato de casos, a uma longa viagem que percorre a formação da identidade do indivíduo, influenciada pelo mito familiar, os choques causados pelo mito social e a importância do terapeuta de família, que vai entrar como um facilitador na busca do equilíbrio dos três mitos e suas crenças específicas e essenciais.

 

Nome do autor da resenha e data: : Lia Nancy Gorgati / fevereiro 2004.