Resenha de Livro
Curso de Formação em Terapia Relacional Sistêmica
Psicóloga Solange Maria Rosset

 

Nome do Livro:

Os doze passos

 

Autor do Livro:

Alcoólicos Anônimos

 

Editora, ano de publicação:

Centro de distribuição de Literatura A. A. para o Brasil, 1972

 

Relação dos capítulos

Capítulo 1- Admitimos que éramos impotentes perante o álcool - que tínhamos perdido o domínio sobre nossas vidas

Capítulo 2 - Viemos a acreditar que um Poder superior a nós mesmos poderia devolver-nos à sanidade

Capítulo 3 - Decidimos entregar nossa vontade e nossa vida aos cuidados de Deus, na forma em que O concebíamos

Capítulo 4 - Fizemos minucioso e destemido inventário moral de nós mesmos

Capítulo 5 - Admitimos perante Deus, perante nós mesmos e perante outro ser humano, a natureza exata de nossas falhas

Capítulo 6 - Prontificamo-nos inteiramente a deixar que Deus removesse todos esses defeitos de caráter

Capítulo 7 - Humildemente rogamos a Ele que nos livrasse de nossas imperfeições

Capítulo 8 - Fizemos uma relação de todas as pessoas que tínhamos prejudicado e nos dispusemos a reparar os danos a elas causados

Capítulo 9 - Fizemos reparações diretas dos danos causados a tais pessoas, sempre que possível, salvo quando fazê-las significasse prejudicá-las ou a outrem

Capítulo 10 - Continuamos fazendo o inventário pessoal e, quando estávamos errados, nós o admitíamos prontamente

Capítulo 11 - Procuramos através da prece e da meditação, melhorar nosso contato consciente com Deus, na forma em que o concebíamos, rogando apenas o conhecimento de Sua vontade em relação a nós e forças para realizar essa vontade

Capítulo 12 - Tendo experimentado um despertar espiritual, graças a estes passos, procuramos transmitir esta mensagem aos alcoólicos e praticar estes princípios em todas as nossas atividades

 

Apanhado resumido sobre cada capítulo

Primeiro passo: Admitimos que éramos impotentes perante o álcool - que tínhamos perdido o domínio sobre nossas vidas.

Quase ninguém se dispõe a admitir uma derrota total. É terrível admitir que o álcool tornou-se uma obsessão que priva o alcoolista de toda sua auto-suficiência. O primeiro passo trata da dificuldade que surge para admissão da derrota completa em relação ao uso do álcool. O alcoolista, com o copo na mão, perde o controle quanto à ingestão de bebida alcoólica e quanto a todas as conseqüências desta ingestão.

Para obter sucesso em manter-se abstinente, é preciso reconhecer esta impotência perante o álcool. Caso contrario, a sobriedade será precária. Diz a literatura de A. A.: “O princípio de que não encontraremos qualquer força duradoura sem que antes admitamos a derrota completa, é a raiz principal da qual germinou e floresceu nossa sociedade toda” (Os Doze Passos, p. 14). Muitos se revoltam por ter que admitir a derrota. Chegam no grupo de A. A. buscando apoio e escutam que nenhuma força de vontade será suficiente para quebrar a obsessão pela bebida.

Inicialmente, apenas os casos mais desesperados conseguiam aceitar esta verdade. Felizmente, isto mudou com o passar dos anos. Alcoolistas em um estágio menos grave conseguiam reconhecer seu alcoolismo. Para que estas pessoas pudessem aceitar esta perda do governo de sua vida, os alcoolistas que tinham atingido um grau mais sério de alcoolismo puderam a elas mostrar que, em momento anterior à chegada do fundo do poço, a vida já havia se tornado ingovernável. Percebeu-se que, caso o recém-chegado ainda permanecesse em dúvida, levava consigo a idéia da natureza da enfermidade, e, muitas vezes, voltava ao grupo antes de precisar chegar a dificuldades extremas.

Observa-se que poucas pessoas conseguem praticar com sinceridade o programa de A.A. sem chegarem afundar completamente. Isso ocorre pelo fato de que “... praticar os restantes onze passos de A. A. requer a adoção de atitudes e ações que quase nenhum alcoólatra que ainda bebe, sonharia adotar” (Os Doze Passos, p. 15). É o desejo de sobrevivência que leva o alcoolista a ter disposição para escutar a mensagem de A. A., e a reconhecer a necessidade de seguir o programa dos Doze Passos.

Segundo Passo: Viemos a acreditar que um Poder superior a nós mesmos poderia devolver-nos à sanidade.

Para a maioria dos recém-chegados a leitura deste passo traz um sério dilema. Alguns se recusam a acreditar em Deus, outros não podem fazê-lo, e alguns acreditam, mas não conseguem ter confiança em que Deus consiga livrá-los da obsessão.

Aquele que se recusa a acreditar já tem dificuldade para aceitar sua impotência diante do álcool. Acredita que o ser humano é o ápice da evolução, o único deus que aceita. Renunciar a esta sua crença parece impossível. Seu padrinho vem então em seu auxílio, explicando que até para um amigo seu que era presidente da Sociedade Atéia Americana foi possível contornar este obstáculo.

Seu padrinho pede que estude três afirmações: Alcoólicos Anônimos não exige que se acredite em coisa alguma; para alcançar e manter a sobriedade não é preciso aceitar de uma vez só o Segundo Passo; o único requisito realmente necessário é ter a mente aberta. O padrinho continua relatando a sua própria experiência, como alguém que tinha tido uma educação cientifica, e inicialmente encarara a irmandade de A. A. como sendo totalmente anticientífica. No entanto, diante dos resultados prodigiosos que A. A. mostrava, desistiu de argumentar. A partir de então, começou a ver e sentir, e o Segundo Passo começou a infiltrar-se em sua vida.

Explica que existem inúmeros caminhos que os membros de A. A. seguem, e muitos começaram considerando A. A. como Poder Superior, e assim ultrapassaram a barreira inicial. A partir de então “... sua fé se ampliou e aprofundou. Libertados da obsessão pelo álcool, com suas vidas inexplicavelmente transformadas, chegaram a acreditar num Poder superior, e a maioria já falava em Deus” (Os Doze Passos, p. 19).

Outras pessoas tiveram fé e a perderam. Destas, algumas desenvolveram preconceito contra a religião, outras se rebelaram por Deus não ter satisfeito suas exigências. Outras ainda tornaram-se indiferentes, ou se afastaram de vez.

As pessoas que perderam a fé às vezes têm dificuldade maior para aceitar A. A., pois desenvolvem “... barreiras da indiferença, da presumida auto-suficiência, do preconceito e do desprezo (...) mais sólidas e formidáveis para estas pessoas que qualquer barreira construída pelo agnóstico duvidoso ou pelo ateu militante” (Os Doze Passos, p. 20). Bem situadas financeiramente, não sentiam necessidade de qualquer manifestação religiosa ou equivalente.

Pessoas intelectualmente auto-suficientes também encontram dificuldades quando chegam ao grupo de A. A.. Sentindo-se anteriormente superiores às outras pessoas, percebem que existem reconsiderações a serem feitas. Membros mais experientes do grupo, que já passaram por esta experiência, mostram pelo seu exemplo que a humildade e inteligência podem ser compatíveis, desde que a humildade esteja em primeiro plano. Desta forma torna-se possível adquirir uma fé que funciona.

Outro grupo de pessoas criticava a Bíblia e a moralidade dos religiosos. Chegando em A. A., precisaram reconhecer que toda sua crítica serviu para alimentar seu ego: criticando a falha de algumas pessoas religiosas, podiam sentir-se superiores a elas.

Muitas vezes observado pelos psiquiatras, o desafio é uma característica predominante em muitos alcoolistas e. Já que Deus não havia atendido suas solicitações, de nada lhes valia a fé, e a rebeldia contra Deus se instalava. Em A. A., percebem seu engano: em momento algum haviam pedido a Deus qual seria a Sua vontade em relação a eles. Ao contrário, sempre a Ele diziam o que fazer. Percebem que não é possível crer em Deus e ao mesmo tempo desafiá-Lo. Além disso, vêem o fruto da fé na superação de dificuldades imensas pelas quais homens e mulheres de A. A. passaram, e concluem que merece ser pago qualquer preço que seja necessário pagar pela humildade.

Existem ainda alcoolistas cheios de fé que continuam bebendo. Fazem inúmeras promessas para parar, lutam contra o álcool, pedem para isso ajuda de Deus, mas mesmo assim não conseguem parar de beber. Constituem um enigma para as pessoas que o rodeiam, mas não para os membros de A. A.: a chave está ligada à pureza da fé, e não à quantidade de prática religiosa. Estes alcoolistas, após um exame mais profundo, dão-se conta de que sua prática religiosa vinha sendo apenas superficial, e também, que nunca haviam aprendido a rezar de maneira correta, pedindo a Deus que a vontade dEle prevalecesse.

Poucos alcoolistas que ainda bebem percebem estar mentalmente doentes, e o mundo, desconhecedor da diferença entre o beber racional e o alcoolismo, contribui para que esta cegueira se mantenha. As reuniões de A. A. são “... uma segurança de que Deus nos levará de volta à sanidade , se soubermos nos relacionar corretamente com Ele” (Os Doze Passos, p. 24).

Terceiro Passo: Decidimos entregar nossa vontade e nossa vida aos cuidados de Deus, na forma em que O concebíamos.

Como introdução para este passo é usada uma metáfora: “A prática do Terceiro Passo é como abrir uma porta fechada à chave” (Os Doze Passos, p. 25). Este passo, como os demais, requer ação, e o problema que então se coloca para o alcoolista é descobrir como permitir a entrada de Deus na sua vida. Da qualidade e sinceridade na vivência deste passo vai depender a eficiência da programação de A. A.

Para o recém-chegado possuidor d e espírito prático este passo parece difícil ou impossível. A experiência de membros mais antigos mostra aos novos que isso pode ser simples: requer apenas um pouco de boa vontade. Às vezes podem ocorrer recuos na prática deste passo por causa do egoísmo, mas a boa vontade permite a retomada da entrega que este passo propõe.

Para alguns alcoolistas pode surgir certa revolta: não basta entregar a vida a Deus em relação ao álcool, mas ainda será preciso entregá-la em relação a todos outros aspectos também? Estas pessoas gostariam de poder manter independência em alguns setores da sua vida. Acreditam que se tornarão nulidades se tiverem que fazer uma entrega total. A realidade, no entanto, mostra que quanto maior a disposição a depender de um Poder Superior, maior será a independência.

Examinando fatos da vida cotidiana, percebe-se que em muitos aspectos existe uma grande dependência, mas não há consciência disso. A eletricidade é um exemplo: depende-se dela e ninguém deseja dela ser privado. É uma dependência que proporciona independência, suprindo necessidades diversas.

Porém, quando se trata de dependência mental e emocional tudo muda. Acredita-se que a inteligência, com apoio da força de vontade, consegue muito bem controlar a vida interior, e garantir o êxito no mundo em que se vive. Procurando verificar se esta filosofia funciona, percebe-se que mesmo pessoas normais, não alcoolistas, obtêm bons resultados vivendo desta maneira. O ódio e o medo invadem a sociedade que pensa desta forma. Neste sentido, os alcoolistas podem se considerar afortunados pelo programa dos Doze Passos.

A palavra “dependência” é repugnante não apenas para os alcoolistas, mas também para os psiquiatras e psicólogos. Ocorre que existem diferentes formas de dependência. Por exemplo, filhos adultos dependendo emocionalmente dos pais não é um tipo de dependência desejável. “Mas, a dependência de um grupo de A. A. ou de um Poder superior jamais produziu qualquer efeito pernicioso” (Os Doze Passos, p. 28-29).

Inúmeros outros problemas além do álcool se apresentam, e não são solucionados apesar de todos os esforços e coragem. Levam o alcoolista a se sentir inseguro e infeliz, e sua vontade, por mais determinada que seja, não traz soluções. Neste momento é que se torna necessário depender de Alguém ou Alguma Coisa.

Inicialmente este “alguém” poderá ser um amigo próximo do grupo, que ajudará o alcoolista a perceber que, na ausência do álcool, os problemas se tornam mais agudos. Virá também a saber que a prática constante deste e dos demais passos é que permitirá uma vida feliz e útil, e ainda, que esta só será possível após conseguir viver o Terceiro Passo com persistência e determinação.

A aceitação destas idéias facilita o inicio da prática deste passo,e, quando momentos difíceis surgirem, a Oração da Serenidade traz conforto: “Concedei-me, Senhor, a serenidade necessária para aceitar as coisas que não posso modificar; coragem para modificar aquelas que posso, e sabedoria para distinguir umas das outras. Seja feita a Vossa vontade e não a minha” (Os Doze Passos, p. 31).

Quarto Passo: - Fizemos minucioso e destemido inventário moral de nós mesmos.

Os instintos humanos são necessários para a sobrevivência, mas muitas vezes excedem suas funções especificas. A maioria dos problemas existentes decorrem deste excesso. O Quarto passo tem por finalidade levar o alcoolista a perceber como, quando e onde tais excessos provocaram deformidades emocionais, de modo a ajudá-lo a corrigi-los. A sobriedade e felicidade dependem disso.

Quando a vida é direcionada quase que para um aspecto apenas, como por exemplo, sexo, busca de segurança, desejo de poder, ocorre um desequilíbrio que compromete a qualidade de vida do individuo em questão e das pessoas que o cercam. Os instintos desenfreados seriam a causa básica do beber desenfreado do alcoolista. O esforço para examiná-los pode levar a reações graves. Alcoolistas que tendem à depressão podem mergulhar em sentimentos de culpa e de auto-repugnância. Podem perder a perspectiva, o que vai impedir que façam o inventário moral.

Indivíduos que tendem ao orgulho ou mania de grandeza podem sentir-se diminuídos pela sugestão deste inventário. Pensarão que os defeitos de caráter, se é que os têm, foram provocados principalmente pelo álcool, e que um inventario desta natureza será desnecessário. Mais um motivo para evitar um inventário seria que os problemas presentes são causados por outras pessoas, e estas é que deveriam fazer um inventário moral. Neste momento o padrinho vem em socorro e mostra ao alcoolista que seus defeitos são semelhantes aos de outras pessoas. Leva-o a perceber que possui valores também.

Com aquelas pessoas que acham que o inventário não é uma necessidade, o padrinho encontra outra dificuldade, pois o orgulho não permite que reconheça seus defeitos. “O problema é ajudá-las a descobrir uma trinca nas paredes construídas pelo seu ego, através da qual poderão ver a luz da razão” (Os Doze Passos, p. 37).

Os recém-chegados aprendem que precisam ajustar-se às circunstâncias, e não, esperar que ocorra o inverso. Os ressentimentos vingativos, auto-piedade e orgulho descabido também necessitam ser revistos. Quando as primeiras barreiras são ultrapassadas, o caminho parece tornar-se mais fácil. Começa-se a obter uma auto-imagem mais objetiva, ou seja, adquire-se uma certa humildade.

Os tipos depressivo e arrogante são tipos extremos de personalidade. Freqüentemente os alcoolistas situam-se em ambas classificações, e cada qual terá que no inventário verificar quais são os seus defeitos de caráter. Para evitar confusão quanto a estes defeitos, é apresentada a universalmente reconhecida lista dos sete pecados capitais: orgulho, avareza, luxuria, ira, gula, inveja e preguiça. Não por acaso o primeiro da lista é o orgulho, pois é “...o principal fomentador da maioria das dificuldades humanas, o maior empecilho ao progresso verdadeiro (...) Quando a satisfação de nosso instinto pelo sexo, segurança e posição social se torna o único objetivo de nossa vida, então o orgulho entra em cena para justificar nossos excessos” (Os Doze Passos, p. 39).

Estas falhas, por sua vez, geram o medo, que gera outras falhas também. Orgulho e medo vêm à tona quando o alcoolista tenta olhar seu interior, e dificultam o inventário. A persistência, no entanto traz uma sensação de alívio indescritível, e uma confiança totalmente nova que são os frutos iniciais deste passo.

Na seqüência surge a dúvida sobre por onde começar e como fazer um inventário bem feito. A sugestão é que se inicie pelas falhas que mais incomodam. O alcoolista poderá examinar sua conduta quanto aos instintos primários de sexo, segurança e vida social. Como sugestão também são apresentadas diversas perguntas sobre problemas nestas três áreas (sexualidade, segurança financeira e emocional). Os sintomas mais freqüentes a elas relativos são também analisados.

Acredita-se que alguns alcoolistas “... farão objeção a muitas perguntas feitas, por acharem que seus defeitos talvez não tenham sido assim tão flagrantes. (...) um exame consciente é capaz de revelar justamente os defeitos dos quais tratam as perguntas desagradáveis” (Os Doze Passos, p. 43).

O inventário proposto pelo quarto passo deveria ser meticuloso. Para isso, a redação de perguntas e respostas pode ajudar a pensar com clareza e a avaliar com honestidade.

Quinto Passo: Admitimos perante Deus, perante nós mesmos e perante outro ser humano, a natureza exata de nossas falhas.

O Quinto Passo é talvez o mais difícil no que se refere a atuar contrariamente aos instintos naturais. No entanto, provavelmente é o passo mais importante para a sobriedade contínua e paz da mente. A. A. dizem: “... se chegamos a aprender como os pensamentos e as ações erradas feriram a nós e a outrem, então se torna mais imperativo do que nunca desistir de viver sozinhos com esses fantasmas torturantes de ontem” (Os Doze Passos, p. 45).

Para muitos membros de A. A.o medo e a relutância são muito intensos em relação a este passo. Mais fácil é admitir de uma maneira generalizada, que quando bebiam, tornavam-se maus elementos. O preço a ser pago por esta superficialidade costuma ser alto, pois carregar o peso sozinho manta a culpa, irritabilidade, depressão e ansiedade.

A admissão dos próprios defeitos perante outra pessoa é característica de pessoas espiritualizadas. Psiquiatras e psicólogos reconhecem também a necessidade profunda de discutir com uma pessoa compreensiva e de confiança as falhas da própria personalidade. Sem esta admissão dificilmente se consegue expulsar a obsessão destrutiva.

Lembranças mais aflitivas e humilhantes mantidas em segredo manterão a sensação de isolamento tão presente e constante para o alcoolista. A literatura de A. A. diz que havia sempre uma barreira misteriosa intransponível que deixava o alcoolista numa terrível solidão.

A chegada ao grupo de A. A. leva a pessoa a sentir-se compreendida pelos outros, mas muitos dos antigos tormentos de separação aflitiva mantêm-se ainda presentes. Faz-se necessária a prática do Quinto Passo. Este passo também possibilita ao alcoolista reconhecer que pode ser perdoado, independentemente do que tenha feito ou pensado, e ainda, que pode igualmente perdoar aos outros.

A humildade é outra grande dádiva que se alcança ao admitir os próprios defeitos perante outra pessoa. Esta admissão conduz a um maior realismo e honestidade do alcoolista a respeito de si próprio.

Pode surgir a idéia de fazer a admissão das falhas diretamente com Deus, pois enfrentar outra pessoa é mais embaraçoso. É verdade que a opinião dos outros pode apresentar falhas, mas sendo mais específica, torna-se de grande valia para um iniciante ainda inexperiente em relação a um contato com um Poder Superior.

A escolha da pessoa para realizar este passo deve ser cuidadosa. Para alguns, uma pessoa totalmente estranha poderá ser a melhor escolha. O contato e a aproximação com esta pessoa requerem decisão e força de vontade, mas após uma explicação cuidadosa, o contato flui com facilidade, e a sensação de alívio é grande.

Para muitos alcoolistas é neste momento que começam de modo real a sentir a presença de Deus. A saída do isolamento pelo compartilhar o peso terrível da culpa conduz a um espaço de descanso no qual é possível preparar-se para os passos seguintes.

Sexto Passo: Prontificamo-nos inteiramente a deixar que Deus removesse todos esses defeitos de caráter.

De acordo com um clérigo considerado um dos melhores amigos de A.A., uma pessoa disposta a “... experimentar o sexto passo com respeito a todos seus defeitos – em absoluto sem qualquer reserva – tem realmente andado um bom pedaço no campo espiritual...“ (Os Doze Passos, p. 53). A maioria dos membros de A.A. afirma que Deus pode, sob certas condições remove estes defeitos de caráter. Para comprovar isso é apresentado o testemunho de um alcoolista, que, de maneira similar, é repetido diariamente em todo mundo nas reuniões de A.A.

A reflexão prossegue esclarecendo que nascemos com desejos naturais em abundância. Não poucas vezes, excedemo-nos na busca de saciar tais desejos, afastando-nos ”... do grau de perfeição que Deus deseja para nós aqui na terra. Esta é a medida de nossos defeitos de caráter ou, se preferirmos, de nossos pecados” (Os Doze Passos, p. 55). Deus certamente não nega o perdão para aqueles que o pedem, mas é preciso que se coopere na continuidade da edificação do caráter. Algumas imperfeições podem ser eliminadas, mas, “... com a maioria teremos que nos contentar com o melhorar paulatinamente” (Os Doze Passos, p. 55).

Necessário se faz reconhecer que alguns defeitos se prestam para regozijo: sentir-se um pouco superior ao outro; falar em amor para poder esconder a lascívia. Outras imperfeições também são analisadas, como o rancor, gula, inveja, preguiça. Como não são muito prejudiciais, poucas pessoas têm disposição para delas abdicar.

Outras pessoas podem acreditar que estão preparadas para permitir a remoção de todos os seus defeitos. No entanto, em levantamento das imperfeições menos acentuadas, teriam que admitir que prefeririam manter algumas delas. São poucas as pessoas, ao que parece, que têm prontidão para buscar rápida e facilmente a perfeição espiritual e moral.

A aceitação de todas as implicações do sexto passo é uma meta a ser perseguida. Não é possível praticar com perfeição este e os demais passos, com exceção do primeiro. O importante é começar e persistir. O que se sugere é manter a disposição para iniciar persistir na busca pela perfeição.

Um alerta é feito para não postergar por prazo indefinido a lida com algumas das imperfeições: várias delas devem ser enfrentadas e requerem medidas para o quanto antes serem removidas.

Sétimo passo: Humildemente rogamos a Ele que nos livrasse de nossas imperfeições.

A humildade é necessária para cada um dos doze passos, e este é o passo que trata mais especificamente dela. “... Sem um certo grau de humildade, nenhum alcoólatra poderá permanecer sóbrio” (Os Doze Passos, p. 61). Para poder ser feliz, o alcoolista precisa desenvolver a humildade em um grau maior do que aquele estritamente necessário para a sobriedade.

De maneira geral, a humildade não é uma qualidade valorizada. “Uma boa parte da conversa cotidiana que ouvimos salienta o orgulho que o homem tem de suas próprias realizações” (Os Doze Passos, p. 61). Além disso, a imensidade de recursos que pode ser utilizada leva a acreditar no fim da pobreza e que a abundancia será tal que todos possam satisfazer suas necessidades primárias. Poucos serão os motivos que poderão levar o homem à discórdia, de modo que haverá felicidade e liberdade para que o mundo possa concentrar-se no desenvolvimento da cultura e do caráter.

Não se condenam os avanços materiais, nem se discute se o objetivo principal da vida é a satisfação dos desejos básicos. O que se percebe é que tentar viver de acordo com as idéias de aumentar a segurança, prestígio e romance, como sendo prioritárias na vida, tem atrapalhado os alcoolistas. Mesmo quando bem intencionados, os alcoolistas tornam-se paralisados pela falta de humildade.

A ausência de valores permanentes e a falta de percepção quanto à real finalidade da vida dificultam a fé em um Poder superior. A auto-suficiência torna estéril uma crença religiosa sincera, já que implica falta de humildade, e, por conseqüência, impossibilita o desejo de conhecer e realizar a vontade de Deus.

O recém chegado a A.A. logo percebe que é preciso uma admissão humilde quanto à impotência diante do álcool. Neste momento a humildade é essencial. Entretanto, a disposição de batalhar pela conquista da humildade como desejável por si mesma, costuma demorar muito tempo para a maioria dos alcoolistas. No princípio a rebelião está presente a cada passo.

Algumas falhas precisam logo ser enfrentadas, para evitar recair no uso do álcool, mas parece impossível abrir mão de outras imperfeições por serem ainda muito atraentes. Como decidir e adquirir disposição para enfrentar compulsões e desejos tão fortes?

Chega o momento em que surge grande pressão para agir corretamente, mesmo que a ação venha a ocorrer com má vontade. Surge também o reconhecimento de que a humildade é necessária para sobreviver.

Também chega o momento em que o modo de pensar sobre a humildade se amplia. A partir de então é possível adotar medidas para remover os obstáculos mais prejudiciais, e é possível começar aa sentir algo semelhante à paz de espírito. A humildade assume novo significado: pode ser o caminho para a serenidade. Desta maneira, começa uma mudança revolucionária no modo de ver. Novos valores são percebidos.

O resultado mais profundo da aprendizagem sobre a questão da humildade acaba sendo a revisão da atitude em relação a Deus, a despeito de se ter ou não uma crença prévia. Inicia-se um momento decisivo: perceber que a humildade é desejável, ao invés de algo que se é obrigado a desenvolver.

A tônica que estimula os defeitos é o medo, sobretudo de perder algo que já se possui, ou, de não receber algo que se deseja. Este medo leva à exigências, as quais, não sendo atendidas, por sua vez conduzem à perturbação e frustração constantes. O sétimo passo é um convite para trocar as exigências por um pedido, que em seu bojo, traz a humildade.

Oitavo Passo: Fizemos uma relação de todas as pessoas que tínhamos prejudicado e nos dispusemos a reparar os danos a elas causados.

O oitavo passo pede que o alcoolista faça uma retrospectiva sobre as suas relações pessoais, avaliando quem e quanto as pessoas foram prejudicadas pelo seu comportamento enquanto bebia. Pode ser grande a tentação de justificar ofensas quando o outro também agrediu, mas é preciso lembrar que o comportamento do alcoolista muitas vezes agravava os defeitos dos outros. Outra dificuldade que se apresenta é que “... a perspectiva de chegar a visitar ou mesmo escrever às pessoas envolvidas, agora nos parecia difícil, sobretudo quando lembrávamos a desaprovação que a maioria delas nos encarava” (p. 70).

Assim que se inicia este exame “... suas grandes vantagens vão se revelando tão rapidamente que a dor irá diminuindo à medida que os obstáculos, um a um, forem desaparecendo” (Os Doze Passos, p. 70). Um dos obstáculos mais difíceis que surge é o perdão. As afrontas que os outros possam ter cometido freqüentemente prestam-se para minimizar ou esquecer as que o alcoolista a eles infligiu. Muitas pessoas tiveram seus problemas agravados pelo comportamento do alcoolista. Se a idéia é pedir perdão, então, começar perdoando aos outros pode ser um bom início.

Outro forte obstáculo é a perspectiva de entrar em contato com as pessoas envolvidas. Algumas nem sabem que foram prejudicadas. Medo e orgulho também procuram impedir que seja feita uma relação de todas as pessoas. Alguns alcoolistas podem pensar que não chegaram a prejudicar ninguém e acreditam que apenas um pedido banal de desculpas será suficiente. Esta posição só poderá ser alterada pela análise profunda e honesta das motivações e ações.

É importante que se obtenha de um exame das relações pessoais toda informação possível a respeito de si próprio e de suas dificuldades básicas. Estas informações trarão resultados valiosos.

Quanto aos danos, inicialmente é apresentada uma definição da palavra ‘dano': “... é o resultado do choque entre instintos, que causam prejuízos físicos, mentais, emocionais ou espirituais às pessoas” (Os Doze Passos, p. 72). Vários tipos de danos são citados, como privar os outros de seus bens materiais, da sua segurança emocional e paz de espírito; prejuízos provocados por um comportamento retaliador, irresponsável e frio; etc.

Após a revisão da área das relações humanas, a percepção dos traços da personalidade que mais prejuízos trouxeram aos outros, pode-se buscar na memória quais foram as pessoas que foram ofendidas. É preciso que o alcoolista verifique as coisas que fez, ao mesmo tempo em que desculpa as ofensas contra ele feitas pelos outros. Julgamentos extremos devem ser evitados, tanto de um lado, como do outro.

Nono Passo: Fizemos reparações diretas dos danos causados a tais pessoas, sempre que possível, salvo quando fazê-las significasse prejudicá-las ou a outrem.

Bom senso, coragem, prudência e cuidado na escolha do momento são requisitos necessários para este passo. A reflexão sobre cada caso divide em várias classes as pessoas às quais o alcoolista deve prestar reparação. Algumas pessoas terão preferência; para outras, apenas uma reparação parcial será possível, de modo que a reparação não venha a causar um dano ainda maior. Para outros casos, a reparação deve ser adiada. Para certas pessoas um contato direto e pessoal jamais será possível.

Algumas reparações começam, geralmente, a serem feitas no dia em que a pessoa ingressa: esclarece à família que pretende seguir a programação de A. A. Freqüentemente surge o desejo de ir além do recomendável na admissão de faltas cometidas. É preciso lembrar que não se deve obter a paz de espírito à custa dos outros, fazendo, por exemplo, uma revelação de caso extraconjugal ao cônjuge.

No local de trabalho o mesmo procedimento é adotado, mas pode-se esperara ate a aquisição de segurança na vivência da programação da irmandade de A. A. A partir de então, o alcoolista explica para as pessoas que ali prejudicou o que está querendo fazer e o que é A. A. Propõe o acerto de dívidas que possa ter contraído. A maioria das pessoas reagirá de modo muito positivo. Eventualmente poderá surgir uma reação fria, mas, se o alcoolista estiver bem preparado, esta não o demoverá do seu objetivo.

O alívio decorrente da primeira tentativa de reparações pode ser muito grande e poderá vir uma forte tentação de evitar os encontros mais difíceis. É preciso lembrar que não se pode falar em prudência quando, na verdade, o que surge é a evasão.

Existe uma única exceção na qual a reparação não deve ser feita: é quando a revelação causa um dano maior. Também pode existir uma situação tal que os danos causados não devem ser revelados totalmente: é quando a revelação completa pode prejudicar seriamente a pessoa, ou resultar em prejuízo dela.

Outros problemas difíceis obedecem a esta mesma idéia. Seriam, por exemplo, situações em que uma revelação poderia resultar em uma demissão e conseqüente desemprego do alcoolista. As conseqüências repercutiriam então sobre a segurança financeira da família.

Décimo Passo: Continuamos fazendo o inventário pessoal e, quando estávamos errados, nós o admitíamos prontamente.

A aproximação do Décimo Passo leva o alcoolista a começar a se submeter ao modo de viver de A. A., sempre e em qualquer situação. Faz-se necessária uma análise contínua de qualidades e defeitos, e o propósito de aprender e crescer por meio desta análise.

Alem da ressaca devida ao excesso de bebida, existe também a ressaca emocional, que é “... fruto direto do acúmulo de emoções negativas ontem sofridas e, às vezes, hoje – o rancor, o medo, o ciúme e outras semelhantes” (Os Doze Passos, p. 79). Para viver com serenidade é preciso eliminar tias ressacas.

Embora iguais em princípio, os inventários diferem de acordo com a ocasião em que são feitos. Há o inventário “relâmpago”, que é feito nos momentos de confusão. Inventários diários são feitos para revisar os acontecimentos das últimas 24 horas. Existem ainda os inventários periódicos, feitos para avaliar o progresso de um determinado período.

A dificuldade do inventário reside na falta de hábito de uma análise detalhada. Uma vez adquirido, o hábito passa a ser uma atividade proveitosa, compensando amplamente o tempo com ele dispendido. Muitos alcoolistas têm o hábito de fazer um inventário anual ou semestral.

Existe um preceito espiritual que explica que, cada vez que o indivíduo se sente perturbado, existe algo errado com ele. Entre os sentimentos perturbadores encontra-se o rancor. Quando este é justificado, a literatura esclarece que para o alcoolista este rancor pode ser perigoso: é preferível deixá-lo para as pessoas mais equilibradas, que conseguem mantê-lo sob controle. Outros sentimentos que têm o poder de transtornar as emoções do alcoolista são o ciúme, os ressentimentos, a inveja, autopiedade e o orgulho. “Um inventário ‘relâmpago' levantado no meio de tais perturbações pode ser de grande valia para acalmar as emoções tempestuosas” (Os Doze Passos, p. 81).

O inventário diário aplica-se para situações que ocorreram durante as vinte e quatro horas. Para todas as situações há necessidade “... de autodomínio, análise honesta do ocorrido, disposição para admitir nossa culpa e, igualmente, para desculpar as outras pessoas” (Os Doze Passos, p. 82).

O desenvolvimento do autodomínio tem prioridade, uma vez que a precipitação ou imprudência pode comprometer uma relação e não permite agir ou pensar com clareza. O autodomínio é necessário tanto para problemas inesperados, como para o momento em que o alcoolista começa a ser bem sucedido. O sucesso leva muito facilmente ao orgulho. Neste sentido, a lembrança de que a sobriedade é resultado da ação de Deus pode funcionar com defesa contra o orgulho desmedido.

A percepção de que todas as pessoas têm falhas começa a gerar tolerância e evidência de que não faz sentido ofender-se com pessoas que sofrem tal qual o alcoolista dos desajustes que acompanham o desenvolvimento. Uma mudança tão radical na forma de ver as coisas pode levar muito tempo. Se são raras as pessoas que conseguem amar a todas as outras, é comum encontrar indiferença e ódio entre as pessoas. O alcoolista, no entanto, não pode manter a idéia de que pode odiar ou temer quem quer que seja. “A cortesia, a bondade, a justiça e o amor são chaves que abrem a porta da harmonia entre nós e as outras pessoas” (Os Doze Passos, p. 84).

Ao final do dia, muitos alcoolistas fazem o inventário das últimas 24 horas. Percebem que boas intenções e atos construtivos estão presentes em sua mente. Por outro lado, o exame dos pensamentos e atos inadequados ou desagradáveis permitem, de modo geral, perceber e entender quais foram os motivos que os geraram. É preciso apenas reconhecer a falha, tentar visualizar qual comportamento teria sido adequado, aproveitar a lição e fazer a reparação se necessária.

Para outras situações, apenas um exame mais detalhado irá mostrar quais foram os reais motivos de algumas ações. Algumas vezes, poderá ter surgido uma justificativa para explicar uma conduta inadequada, e será tentador imaginar que havia bons motivos para o comportamento em questão. “Esta estranha característica do complexo mente-emoção, este desejo pervertido de ocultar atrás do bom motivo, o errado, se infiltra nos atos humanos de alto a baixo” (Os Doze Passos, p. 85). A edificação do caráter consiste em perceber, admitir e corrigir estas falhas. Uma avaliação minuciosa de como foi o dia possibilita agradecer a Deus as graças recebidas e adormecer com a consciência tranqüila.

Décimo primeiro passo: Procuramos através da prece e da meditação, melhorar nosso contato consciente com Deus, na forma em que o concebíamos, rogando apenas o conhecimento de Sua vontade em relação a nós e forças para realizar essa vontade.

Os alcoolistas são pessoas ativas, e tendem com freqüência a não levar a sério a oração e meditação, que são, para eles, os principais meios de contato consciente com Deus. Aqueles que permanecem considerando o grupo de A. A. como sua “força superior” podem encarar com desagrado as afirmações sobre o poder da oração. Alguns pretendem demonstrar a não existência de Deus pela presença da pobreza, crueldade, doença e injustiça. Outros usam argumentos diferentes. Entretanto, depois de experimentar e verificar os resultados da oração e meditação mudam de opinião.

Usada regularmente, a oração passa a ser indispensável. É ela que permite a presença de Deus na vida do alcoolista. Quando a auto-análise, a meditação e a oração “são postas em ação harmônica e logicamente, resultam em uma base inabalável para toda a vida” (Os Doze Passos, p. 89).

O exame dos pensamentos e sentimentos permite que a ação e graça de Deus exerça influência na parte negativa e escura do ser. A ferramenta que ilumina esta parte escura é a meditação.

Para os alcoolistas que não sabem por onde começar, sugere-se que busquem uma oração que os satisfaça, como por exemplo, a de São Francisco de Assis: “Ó Senhor! Faze de mim um instrumento de Tua paz...” (Os Doze Passos, p. 90). Sugere-se o abandono de qualquer resistência, para poder sentir e aprender com as palavras da oração. Se surgirem pensamentos de menosprezo às idéias propostas, convém lembrar que, com o álcool, valorizava-se o uso da imaginação, mas o problema era que a imaginação não se dirigia a objetivos funcionais.

Como sucede quando se quer construir uma casa, cujo projeto se inicia com o uso da imaginação, a meditação ajuda a ter uma noção do objetivo espiritual. Para facilitar o relaxamento, pode-se imaginar que se está em uma praia, nas montanhas ou planícies. São apresentadas também algumas reflexões sobre esta oração, bem como, algumas características do processo de meditação. Um dos primeiros resultados da meditação é o equilíbrio emocional.

A oração, por sua vez, “... é a elevação do coração e da mente para Deus (...) O estilo comum de oração é uma petição a Deus” (Os Doze Passos, p. 92-93). Existe tentação de expressar pedidos na oração para resolver situações da maneira que se pensa ser adequada e que, com freqüência, não é a vontade de Deus. Convém lembrar a parte do enunciado deste passo que define as necessidades: conhecer a vontade de Deus e obter forças para realizá-la.

Diante de situações delicadas, pode-se pedir da mesma forma: ‘”Seja feita a Sua vontade e não a minha.”' (Os Doze Passos, p. 93). Em momentos críticos, a lembrança de que, como diz a oração, “é melhor consolar do que ser consolado, compreender do que ser compreendido, amar do que ser amado” traz consigo a intenção deste passo.

Esperar uma resposta certa e definida de Deus para uma situação perturbadora e específica apresenta um sério risco. Freqüentemente os pensamentos que parecem ser uma resposta divina são justificativas feitas inconscientemente, embora bem intencionadas. “É um indivíduo muito desconcertante o A. A., ou qualquer outro homem, que tenta implantar rigorosamente em sua vida este modo de rezar, com esta necessidade egoística de respostas divinas. (...) Com a melhor das intenções, ele tende a impor sua própria vontade em qualquer situação ou problema...” (Os Doze Passos, p. 94).

Em relação a outras pessoas, pode surgir uma tentação semelhante, quando se pede a Deus que resolva determinada dificuldade da maneira como se acha que deve ser. A. A. sugere que, tanto para si como para os outros, a oração deveria pedir que se cumprisse a vontade de Deus.

A experiência em A. A. mostra que, na medida em que se busca aumentar o contato com Deus e se deixa de dizer a Ele o que queremos, nova força e uma benéfica orientação se manifestam. Podem surgir períodos de rebelião, nos quais ocorre uma recusa a rezar. Não se deve usar de muito rigor consigo próprio quando isto ocorre, mas apenas, tão logo seja possível, deve-se voltar à prática da oração.

Possivelmente, uma das grandes recompensas obtidas com a oração e meditação é a convicção de se fazer parte: não existe mais a sensação de abandono, medo e insegurança. No momento em que se tem um pequeno vislumbre da vontade de Deus, e que se percebe a verdade, a justiça e o amor como valores permanentes, sabe-se que o amor de Deus estará sempre velando por nós. Tudo estará permanentemente bem quando nos voltamos para Ele.

Décimo Segundo Passo: Tendo experimentado um despertar espiritual, graças a estes passos, procuramos transmitir esta mensagem aos alcoólicos e praticar estes princípios em todas as nossas atividades.

A alegria de viver e a ação são os aspectos tratados neste passo. Quando chega a este ponto, o alcoolista começa a perceber uma espécie de “despertar espiritual”. É este o momento de se voltar para os alcoolistas que ainda sofrem.

Aqueles que passam por um despertar espiritual genuíno têm em comum a dádiva recebida que “... consiste em um novo estado de consciência e uma nova maneira de ser” (Os Doze Passos, p. 98). Ocorre uma ligação com uma fonte de energia que estava antes indisponível. Os alcoolistas recebem então um bem gratuito, para o qual, pelo menos em parte, tornaram-se preparados pela prática dos passos anteriores.

É apresentado um breve levantamento daquilo que se tenta alcançar em cada passo. A prática conjunta dos Passos permite a experiência do despertar espiritual.

A transmissão da mensagem de A. A. aos alcoolistas que ainda fazem uso de bebida alcoólica, quando bem feita, traz uma satisfação profunda e uma felicidade intensa e permanente. Verificar a transformação das pessoas, que ocorre após o ingresso na irmandade de A. A., e a mudança que ocorre em todos os aspectos de sua vida “... são fatos que constituem a essência do bem que nos invade, quando levamos a mensagem de A. A. ao irmão sofredor” (Os Doze Passos, p. 101).

O trabalho deste passo inclui também o apoio que a presença do membro mais antigo nas reuniões proporciona, e também, a transmissão da mensagem que ocorre nos depoimentos feitos nas reuniões. Aqueles que não se sentem capazes de falar ou não tem condições para fazer as abordagens com aqueles que ainda sofrem, podem praticar este passo aceitando serviços que, embora pouco notados, são importantes e consistem em providenciar, por exemplo, o café no final das reuniões, que proporciona ambiente acolhedor aos recém-chegados.

Podem surgir também experiências negativas com o Décimo Segundo Passo, que “... parecerão sérios reveses para nós, mas, com o tempo, serão encarados como meros degraus na ascensão para um estágio melhor” (Os Doze Passos, p. 101). Exemplo disso são as recaídas de alcoolistas que foram ajudados, a rejeição de conselhos dados aos novatos, ou ainda, a perturbação que pode surgir com conselhos que foram aceitos. A longo prazo, percebe-se que estas dificuldades são decorrentes do crescimento.

A idéia de praticar os princípios dos Doze Passos em todas as atividades traz consigo uma serie de indagações. A maior delas é: será possível, como diz o Décimo Segundo Passo praticar estes “... princípios em todas as nossas atividades? (...) Podemos fazer com que o espírito de A. A. esteja presente em nossas atividades diárias? Estamos prontos para arcar com as novas e reconhecidas responsabilidades que nos cercam? Chegaremos a aceitar a pobreza, a doença, a solidão e a consternação com coragem e serenidade?” (Os Doze Passos, p. 102-103). A resposta de A. A. a estas questões é que isso é possível.

Muitas vezes, no entanto, o processo de crescimento é estancado por surgir a acomodação na crença de que não é preciso cumprir todos os Passos. Pode-se acreditar que bastam o Primeiro Passo e a parte do Décimo Segundo que se refere a levar adiante a mensagem, o que é conhecido como a “dança dos dois passos”. Este processo acaba levando o alcoolista a tornar-se confuso e desanimado. Também podem surgir grandes dificuldades como a perda do emprego ou problemas domésticos sérios. Estas dificuldades mais sérias, jamais o alcoolista conseguia suportar. Esforçando-se honestamente para praticar os Doze Passos e apresentando disposição para receber a graça de Deus, apresentará capacidade de converter “... suas dificuldades em autênticas demonstrações de fé” (Os Doze Passos, p. 104).

Os grandes desafios, como para todas pessoas, vêm de problemas menores e crônicos da vida. A solução reside no maior desenvolvimento espiritual. Este, por sua vez, traz a consciência de que o antigo comportamento diante dos instintos requer uma drástica revisão. O desejo de “... segurança emocional e material, prestígio pessoal e poder, vida sentimental e realizações no seio da família, todos estes carecem de ser equilibrados e reorientados” (Os Doze Passos, p. 105).

Se o crescimento espiritual for colocado em primeiro plano, será criada uma grande oportunidade para uma vida de realizações. O modo de ver e agir em relação à segurança emocional e financeira começará a mudar profundamente. Quer dominando os outros ou por eles sendo dominado, a experiência anterior sempre levava ao desapontamento. Com o desenvolvimento espiritual foi possível perceber que a segurança emocional entre pessoas adultas pressupõe que as pessoas se situem em um mesmo nível, dando e recebendo de modo equilibrado.

Agindo desta maneira, o alcoolista descobre que as pessoas sentem-se por ele atraídas. Descobre também que Deus é a melhor fonte de equilíbrio emocional, e que, depender dEle funciona quando tudo o mais falhar. Dependendo dEle, não há necessidade de o alcoolista se apoiar totalmente na proteção e cuidados de outras pessoas. Em conseqüência surgem força e paz interiores dificilmente abaladas por fatores externos.

Para a maioria dos alcoolistas, “... o A. A. contrabalança os danos causados à vida familiar por anos de alcoolismo. (..) [O objetivo] é o de ter uma vida conjugal cada vez mais sólida e feliz, eliminando-se as graves distorções emocionais que, na maioria das vezes, provieram do alcoolismo” (Os Doze Passos, p. 107-108). Quando o alcoolismo se estabelece, no caso de ser o homem o afetado, a mulher toma as rédeas da casa. Na medida em que a doença evolui, a mulher, sem o perceber, faz papel de mãe do seu marido. Esta situação pode ser de difícil reversão, mas, com a influência dos Doze Passos surge a possibilidade de mudança.

Muitos membros solteiros de A. A. casam-se com alcoolistas. Existindo maturidade da parte dos dois, o resultado geralmente é muito bom. O mesmo se dá com alcoolistas que se casam com pessoas estranhas a A. A. Para aqueles que porventura não podem constituir família, o círculo de amizades do grupo pode contribuir para que não sintam solidão. Podem também se entregar a atividades que lhes proporcionem imensa alegria.

A atitude em relação ao dinheiro sofre uma mudança radical. Antes, o dinheiro “... nada mais era do que um simples, mas imperioso, requisito para o nosso provimento futuro de bebida e o conforto do desligamento que ele nos trazia” (Os Doze Passos, p. 110). Em A. A., o que importa é a segurança material em geral, e não mais uma grande quantidade de dinheiro. O medo, entretanto, pode se manter presente, sem que se leve em conta que ele se manifesta para todas as pessoas, sejam ou não alcoolistas, e também, sem lembrar da ajuda de Deus. “Porém, com o passar do tempo, descobrimos que, com a ajuda dos Doze Passos de A. A., podíamos perder o medo, não importando quais fossem nossas possibilidades materiais” (Os Doze Passos, p. 111).

Aprendendo que os problemas podem ser transformados em aspectos positivos, a condição espiritual torna-se mais importante que a material. Percebe-se que melhora o modo de perceber as dificuldades ligadas à importância pessoal, ao poder, à ambição e à liderança.

Aproximadamente na época em que o A. A. foi iniciado, foi feito um estudo com um grande número de alcoolistas. Constatou-se que eram infantis, emocionalmente sensíveis e com mania de grandeza. Inicialmente horrorizados, nos anos seguintes a maioria dos membros de A. A. concordou com os resultados da pesquisa. Mais adiante, percebeu-se “... que nos A. A. maduros, os impulsos distorcidos foram restaurados à imagem do verdadeiro objetivo e postos na direção certa” (Os Doze Passos, p. 114). Quando escolhidos, pelos bons serviços prestados, para cargos de maior responsabilidade, buscam ser humildes. Sabe-se que “A liderança autêntica é aquela que tem por base o exemplo construtivo e não as efêmeras exibições de poder e glória” (Os Doze Passos, p. 114).

Sentir que não é preciso ser especialmente reconhecido para poder ser útil e muito feliz é maravilhoso. Existia um engano em relação à verdadeira ambição. “Ela é o profundo e sadio desejo de viver uma vida útil e caminhar humildemente por mercê de Deus” (Os Doze Passos, p. 114).

O objetivo da análise dos problemas apresentados é o desejo de compartilhar aquilo que os alcoolistas têm encontrado: uma saída que os eleva. É a aceitação e resolução dos problemas que restabelece a ordem interior, e também, a ordem com o mundo externo e com Deus.

Espera-se que a cada dia que passa, cada um se identifique mais com o sentido da singela oração de Alcoólicos Anônimos:

ORAÇÃO DA SERENIDADE:

CONCEDEI-NOS SENHOR,

A SERENIDADE NECESSÁRIA

PARA ACEITAR AS COISAS

QUE NÃO PODEMOS MODIFICAR,

CORAGEM PARA MODIFICAR AQUELAS QUE PODEMOS,

E SABEDORIA PARA DISTINGUIR UMAS DAS OUTRAS.

 

Apreciação pessoal sobre o livro

 

Os Doze Passos têm sido utilizados em muitos outros grupos de auto-ajuda. Oferecem, para quem se dispuser a praticá-los, uma excelente ferramenta para um processo de mudança. Para mim, a oportunidade de ler e conhecer estes passos em maior profundidade, foi uma experiência bastante rica. Pude começar a rever e repensar a concepção de muitos valores meus.

 

Nome do autor da resenha e data: Psicóloga Zilda Langer. Novembro/2004.