Resenha de Livro
Curso de Formação em Terapia Relacional Sistêmica
Psicóloga Solange Maria Rosset

 

Nome do Livro:

Pais & Filhos - uma relação delicada

 

Autor do Livro:

Solange Maria Rosset

 

Editora, ano de publicação:

Editora Sol - 2003

 

Relação dos capítulos

1.  Apresentação.

2.  Introdução.

3.  Pais e Filhos.

4.  Filhos e Pais.

5.  A Vingança do Bom Filho.

Finalizando.

 

Apanhado resumido sobre cada capítulo

Neste capitulo a autora conta como surgiu a vontade de escrever sobre pais e filhos e sobre seu desejo de que o livro venha a ajudar os pais a desempenhar a sua tarefa de forma mais leve, bem como ajudar os filhos a enxergarem sua parte nesta caminhada.

Introdução:

No geral, este capítulo descreve o pensamento sistêmico. Fala da crença sistêmica de que cada indivíduo é responsável pelas suas escolhas, sendo que as coisas vão acontecendo na vida conforme essas escolhas vão sendo feitas. Contudo, clareia que o nível de consciência sobre como tais escolhas são feitas varia de pessoa para pessoa. Pensar desta forma nos tira a certeza de que existem "vitimas e bandidos", já que o "certo", sob esse ponto de vista, passa a ser relativo ao ângulo que se olha cada situação. Analisar o pensamento sistêmico conforme o que está descrito no capítulo me faz lembrar de um ditado que ouvi em algum lugar: "AQUI NÃO EXISTE PECADO, MAS TAMBEM NÃO EXISTE PERDAO"... Assim é o pensamento sistêmico, não julga e não culpa, mas acaba por impedir álibis que venham a tirar a responsabilidade das pessoas por suas vidas.

Assim sendo, apesar de relatar que os filhos repetem o padrão de funcionamento dos pais, clareia que estes não devem se culpar por isto, mas sim utilizar este conhecimento para ajudar os filhos a lidarem com suas emoções e escolhas.

Alem disso, a autora aborda temas como as expectativas frustradas dos pais, a ambivalência e também a comunicação com duplas mensagens.

Pais e Filhos:

A autora relata que os filhos apresentam aos seus pais e ao mundo as dificuldades dos genitores, e que vem daí a impressão de que parece que cada filho escolhe ter a dificuldade que mais afeta aos seus pais. Os filhos mantem uma tentativa constante de serem diferentes para reforçarem sua individualidade.

Aprender com os Filhos :

A partir disso fica fácil perceber que tudo que a criança precisa aprender, os pais também precisam, pelo menos para descobrirem a melhor forma de lidar com isso nas vivencias familiares cotidianas. A possibilidade de aprender com os filhos é infinita, embora exija muito discernimento e humildade. Discernimento porque é uma aprendizagem de mão dupla, enquanto se ensina se aprende e vice versa.

Dentre as muitas aprendizagens existe a de respeitar os impulsos e ensinar a domá-los, pois para ensinar um filho a domar qualquer um de seus impulsos é preciso que o pai / mãe treine isso primeiro consigo mesmo, de forma a estar mais apto para acompanhá-lo nas diversas tentativas, nas varias hipóteses e nas tantas recaídas. Outra questão importante é o ensinamento para os filhos a abrirem mão de suas idéias, verdades, razoes e bens materiais, para que saibam dividir, compartilhar, não se apegar a "verdades absolutas" e nem a teimosias. O que a autora traz é que para que isso seja possível os próprios pais precisam aprender a se desapegar de muitas coisas, mesmos que este treino de desapego não tenha ligação direta com as necessidades manifestadas pelas crianças. Alem disso, neste espaço a autora coloca diversos exemplos de aprendizagens necessárias aos pais para que estes possam lidar com seus filhos, como lidar com criticas, com excessos, com o egoísmo, a viver o presente e a questão da bondade sem ingenuidade.

Como as coisas passam :

As coisas que são passadas de pai para filho nem sempre seguem o caminho do racional, do explicito, do consciente. Desde que os filhos nascem, eles estão sob a influencia dos pensamentos, das emoções e também de alguns aspectos inconscientes dos pais. Tais componentes inconscientes são passados aos filhos através do que é dito e também do "não dito", do que é escondido, do que é evitado, pois a forma como as pessoas falam e agem é muito mais marcante do que o conteúdo daquilo que elas dizem. A felicidade ou a frustração dos pais também passa para seus filhos, quer seja pelo comportamento, pela energia, pela fala ou pela expressão; isso nos remete a constatar que só um adulto bem cuidado, protegido e salvo poderá cuidar, proteger ou salvar uma criança.

Ainda aqui, a autora faz colocações interessantes sobre as "semelhanças" entre a auto-estima dos pais e de seus filhos. Relata que para o desenvolvimento de uma boa auto-estima, a pessoa tem que vivenciar em sua infância a condição de estar fisicamente bem confortável, de ter continuidade nos seus relacionamentos, podendo aprender a influenciar e prever as relações dos outros, e a como estruturar o seu mundo. Desta forma ela pode se sentir alguém que tem competência e potência, inclusive no que diz respeito à valorização da sua sexualidade. Alem disso, nas sutilezas das relações familiares são "passadas" muitas das facilidades e dificuldades que os filhos terão, como é o caso das preferências que os pais tem com as diferentes características de seus filhos: mesmo que não seja explicitado, sempre é percebido, sendo que quando fica claro, existe a chance disso se tornar simplesmente mais um dado entre muitos, sem a supervalorização da dor ou da vaidade.

Ainda "sobre como as coisas passam" é importante lembrar que todo o comportamento comunica alguma coisa e que não precisa de palavras para mostrar o que se sente ou o que se quer.

Crueza ou Crueldade (dos filhos...) :

Aqui a autora discorre sobre como as colocações ingênuas das crianças podem ofender seus pais, que e o que ela chama de crueza (sinceridade exagerada). No caso dos pais que acabam delegando para os filhos a tarefa de aumentar sua auto-estima, exigindo que estes representem seu valor perante a sociedade (o que não é incomum, no meu ponto de vista), este risco de ser "magoado" em tais situações aumenta consideravelmente.

Ciclos Vitais :

Nesta parte do livro existe uma descrição do que acontece em cada diferente fase dos ciclos vitais de uma família e o que as pessoas envolvidas precisam aprender cada uma das fases. Os ciclos vitais estão divididos em previsíveis e especiais. Os previsíveis começam com o nascer e terminam com o morrer, sendo que todas as famílias passam por cada um deles. Os especiais podem ou não acontecer, mas quando estão presentes trazem crises, reformas e reformulações. As fases descritas dos ciclos previsíveis são: Nascer / Andar / Falar / Nascimento de Irmãos / Irem a Escola / Alfabetização / Pré-adolescencia / Adolescência / Adulto Jovem / Adulto / Saída de Casa / Casamento / Nascimento dos Filhos / Famílias com Adolescentes / Lançando os Filhos / Meia Idade / Menopausa / Aposentadoria / Velhice / Morte. As fases descritas nos ciclos vitais especiais são: Divorcio / Recasamento / Acidentes / Perdas.

A abordagem deste assunto no livro é muito rica, e particularmente, foi uma das que mais me acrescentou novas idéias e pontos de vista, uma vez que o espaço contido com reflexões sobre o que aprender em cada fase traz uma visão positiva de como utilizar o bom e o ruim dos acontecimentos da vida.

Espaço Familiar :

A família é uma unidade, um sistema onde todas as partes estão interligadas e interagindo. Por ser a matriz da identidade do individuo, sabe-se que é no seio da família que ele vai definir seus padrões básicos de funcionamento, sua forma especifica e repetitiva de ser e de reagir em todas as situações. Uma família funcional é aquela que cumpre suas tarefas básicas de criação e desenvolvimento de seus membros (aprendizagens relativas a pertencer e separa-se); sendo assim, suas fronteiras devem ser nítidas a ponto de definir que as tarefas e funções dos diferentes membros sejam por eles cumpridas, mas com a possibilidade de trocas e aprendizagens com outras pessoas de fora. Numa família saudável as funções básicas (materna, paterna, de aprendizagem e de historiador) vão circular entre as pessoas para que diferentes relações possam ser desenvolvidas. Alem disso, é preciso flexibilidade para lidar com as historias diferentes de cada membro, para poderem emergir novas historias e novas leituras das historias antigas, pois dentro de um clã familiar a realidade vai se construindo a partir das narrações que são feitas dos fatos passados, dos projetos futuros e das vivências do presente.

Lidando com a Emoção :

O espaço familiar é o lugar especial para se aprender a lidar com as emoções, quer sejam emoções de bem estar (amor, simpatia e afeto) ou emoções de emergência que nascem da vivencia ou da antecipação da dor (medo, raiva ou ódio). Uma colocação muito pertinente da autora, e que traz esperança, é a de que: se os pais têm dificuldades em lidar com suas emoções, seja dificuldade de expressar a emoção, ou de tomar consciência dela (e também de que seus sentimentos são relativos a si mesmos, as suas necessidades), ou ainda de controlar os impulsos advindos do emocional, podem aproveitar para ir aprendendo e se aperfeiçoando ao precisarem ir ensinando aos seus filhos.

Recursos da Própria Família :

A família tem potencial e potência de atrapalhar ou de curar os seus indivíduos. Quando alguém da família está fazendo sintoma, é porque a família toda está precisando aprender algo ou fazer alguma remodelação no seu funcionamento.

Filhos e Pais:

Ser pai / mãe é complicado, mas ser filho também não é uma tarefa fácil; ou porque os pais sempre sabem mais (ou pensam que sabem), ou porque eles só querem o bem dos filhos, ou porque transformam suas inseguranças em regras e têm poder para isso, enfim, porque eles têm argumentação para tudo. Pais são cheios de bons álibis e isso muitas vezes dificulta a tarefa de "ser filho".

Aceitar o Filho Real :

Aceitar o filho tal como ele é, é uma forma de aceitar e assumir as suas próprias competências e incompetências pessoais. Aceitando os dados de realidade existe a chance de aprender a lidar com diferenças e com conflitos, o que pode oportunizar grandes aprendizagens e crescimentos.

Autoritário, ou com Autoridade ?

Pais muito autoritários impõem muitos limites sem dar explicações às crianças. Muitos desses pais descarregam nos filhos a hostilidade contra seus próprios pais que não tiveram coragem de descarregar quando crianças. Tal abuso de poder pode gerar filhos inábeis de tanto ficarem contidos e com medo.

Pais com autoridade impõem limites, mas são consideravelmente mais flexíveis, dando explicações e carinho aos filhos junto com as regras. A disciplina é importante e através dela as crianças têm a oportunidade de crescer vivendo em um mundo organizado, onde sua auto-estima tende a aumentar conforme ela pode ter consciência do que vai acontecer, do lugar das coisas, dos seus direitos e deveres.

Conflitos Conjugais :

"O casal é o arquiteto da família" (Virginia Satir). Quando, em crises conjugais esses arquitetos resolvem balançar toda a estrutura da construção, é inevitável que toda a família perceba e se ressinta. Existem varias situações disfuncionais em conflitos conjugais que desnecessariamente evolvem os filhos, são elas: Usar o filho como arma para brigar ou atacar o cônjuge; deixar o filho se envolver na briga ou exigir que ele se envolva, usar divergências entre os pais com respeito à educação das crianças como meio de seduz-los, dentre outros. Nesses casos é bom tomar conhecimento de que o que leva as crianças a fazerem sintomas não é a separação do casal, mas sim, as formas como os pais se relacionam entre si e com os filhos. Quando o casal está passando por crises muito intensas é de bom alvitre criar redes de apoio emocional para os filhos: atenção extra dos avos, pedidos e conversas com professores e escola, etc. Além disso, se os filhos acompanham brigas, é útil clarear que os pais estão com dificuldades, mas que estão tentando lidar com isso, sem esquecer de também mostrar os momentos de harmonia.

Controle da Ansiedade :

A agitação e inquietude do mundo moderno podem servir de álibi para a criação de filhos cada vez mais tensos e agitados. O contato com os filhos ainda bebês é uma excelente oportunidade para ensiná-los técnicas calmantes de comportamento. Por mais indefeso que seja um bebê, ele é capaz de perceber como o adulto reage ao seu desconforto, que a emoção tem direção, que passamos de um estado de intensa agonia, raiva e medo, para um estado de conforto e recuperação.

Época Certa :

Em cada fase a criança tem uma necessidade específica que é maior e mais vital, essa carência ou necessidade pode ser suprida, frustrada (por falta ou por excesso) ou reprimida. As marcas dessas situações vão definindo como ela irá se defender, se colocar, reagir nas situações da vida. Se os pais ficarem atentos às mudanças dos filhos conforme o que eles estão vivendo no momento, podem ter a sensibilidade para dar, tirar, limitar ou permitir de acordo com a "hora certa".

Pertencer e Separar :

Entre as aprendizagens da vida de uma criança, uma das mais importantes é a de pertencer e separar-se. O primeiro sentido de pertencimento de uma criança é influenciado por seu sentido de pertencer à uma família específica. Quando o sentimento de fazer parte se instala, a criança vai adquirindo uma certeza de existência que lhe permite estar preparada para separar-se, para estar só em alguns momentos sem culpa.

Publico e Privado :

Pais atentos aos seus filhos não precisam violar sua privacidade para perceber quando algo não está ocorrendo como deveria, e aí buscar conversas francas, limites claros e outros instrumentos. É importante respeitar a intimidade dos filhos, mas também é vital saber diferenciar isso de situações onde este tenta eleger um dos pais como parceiro de suas safadezas. Outra questão é manter a privacidade dos pais. Pais e filhos poderão ser amigos e confidentes quando já tiverem idade e competência suficientes, quando forem adultos.

Superproteção :

Uma das formas de frustrar as necessidades de uma criança é dar a ela mais do que ela precisa. Uma das tarefas dos pais é capacitar seus filhos para viverem sozinhos, sendo que superproteger é negar ao filho a oportunidade de testar sua capacidade e competência, o que acaba por produzir um rebaixamento da auto-estima e / ou um adulto inábil.

A Vingança do Bom Filho :

Independente da qualidade da relação com os pais, todos os filhos podem fazer bom uso do bom e do ruim que recebeu / sofreu. A adolescência, por exemplo, é a fase em que se pode escolher o adulto que se quer ser. O ponto nodal desta forma de trabalho é levar a pessoa a responsabilizar-se pela vida que escolheu construir. Um adulto saudável trabalhará para ter uma relação adulta e construtiva com seus pais, não espera que os outros mudem para lhe dar prazer, e sabe que ele é que pode mudar sem ter ilusões.

Finalizando:

Passado, Presente e Futuro :

É comum aos terapeutas que trabalham com uma visão transgeracional (olhando varias gerações de uma família) o conceito de que o que a geração anterior constrói, fica à disposição das gerações seguintes, que tendem a funcionar segundo o nível e os modelos de organização do qual participaram. O que a geração anterior deixa de resolver constitui-se em entrave ao crescimento, sendo que a geração seguinte, ao deparar-se com tais dificuldades, terá que se organizar de forma a aprender o que ficou pendente.

Último :

A última colocação da autora no livro conta a historia de uma mãe que teve a idéia de dar um cartão aos seus filhos pedindo tudo o que ela queria que eles fizessem para ela. Ao pensar como seria receber tal cartão dos filhos, desistiu de entregá-lo.

 

Apreciação pessoal sobre o livro

No meu ponto de vista, um dos aspectos mais importantes desta obra é a visão dos pais como responsáveis pelo projeto familiar, mas não como "culpados" por tudo aquilo que sai errado ou diferente do que foi planejado. Nós que somos Psicólogos corremos o risco de introjetar uma errônea percepção e relação de culpa dos genitores quando dificuldades emocionais vão aparecendo nas pessoas. O livro nos ajuda a perceber saídas, ou seja, como podemos ajudar pais em terapia de família a utilizarem-se do conhecimento sobre suas dificuldades pessoais para ajudarem os filhos nas dificuldades daqueles, como um pode aprender com o outro e vice - versa. Além disso, o modo de trabalho descrito na teoria da "vingança do bom filho" é indiscutivelmente uma forma excelente de encontrar saídas no trabalho clínico com pessoas que utilizam sua história de vida como álibi para continuar repetindo os mesmos erros.

 

Nome do autor da resenha e data: Martha Caroline Henning - 17/02/2004.