Resenha de Livro
Curso de Formação em Terapia Relacional Sistêmica
Psicóloga Solange Maria Rosset

 

Nome do Livro:

Paradoxo e contraparadoxo

 

Autor do Livro:

M. Selvini Palazzoli, L. Boscolo, G. Cecchin, G. Prata

 

Editora, ano de publicação:

A.C.E. Buenos Aires - Argentina

 

Relação dos capítulos

Introdução
Cap.2- Modalidade do trabalho de equipe
Cap.3- A junta e a família com transação esquizofrênica
Cap.4- O paciente designado
Cap.5- As intervenções terapêuticas como aprendizagem por ensaio e erro
Cap.6- A tirania do condicionamento lingüístico
Cap.7- A conotação positiva
Cap.8- A prescrição na primeira sessão
Cap.9- Os rituais familiares
Cap.10- Da rivalidade com o irmão ao sacrifício por ajudá-lo
Cap.11- Os terapeutas se encarregam do dilema da relação entre pais e filho
Cap.12- Os terapeutas aceitam sem objeções uma melhora suspeita
Cap.13- Como recuperar os ausentes
Cap.14- Como iludir a desconfirmação
Cap.15- O problema das coalisões negadas
Cap.16- Os terapeutas declaram a própria impotência sem reprovar nada

 

Apanhado resumido sobre cada capítulo

     Introdução
Os autores propõem demonstrar a validade da hipótese básica dos modelos que oferecem a Cibernética e a Pragmática da comunicação humana: a família é um sistema auto-corretivo, autogovernado por regras que se constituem no tempo através de ensaios e erros.
Estas regras se referem aos intercâmbios que acontecem no grupo natural e que têm o caráter de comunicações tanto verbal quanto não verbal. O primeiro axioma da Pragmática da comunicação humana afirma que toda conduta é uma comunicação que, por sua vez, não pode deixar de provocar uma resposta, resposta que consiste em outra conduta - comunicação.
Seguindo estas hipóteses se chega a outra: as famílias que apresentam condutas tradicionalmente diagnosticadas como patológicas em um ou mais membros se regem por um tipo de relações, de normas, peculiares deste tipo de patologia e tanto as condutas - comunicações como as condutas - respostas têm características tais que permitem manter as regras e portanto as relações patológicas.
Visto que as condutas sintomáticas não são senão parte das relações peculiares deste sistema, não resta outra alternativa para poder influir sobre os sintomas no sentido de mudança que tentar mudar as regras.
Os resultados têm demonstrado que quando se consegue descobrir e mudar uma regra fundamental se pode obter rapidamente o desaparecimento do comportamento patológico.
Pela Teoria Geral de Sistemas sabemos que cada sistema vivo se caracteriza por duas funções aparentemente contraditórias: a tendência homeostática e a capacidade de transformação, mediante cujo interjogo o sistema mantém um equilíbrio sempre provisório, que garante sua evolução e sua criatividade, sem as quais não há vida. Nos sistemas patológicos a mudança parece uma tendência mais rígida, de repetir compulsivamente as soluções memorizadas ao serviço da homeostase.
A mudança consistiria no abandono da visão mecanicista-causal dos fenômenos que tem dominado a ciência até há pouco tempo para adquirir uma visão sistêmica. Isto significa que o terapeuta deve ser capaz de considerar os membros da família como elementos de um circuito de interação e sem poder unidirecional algum sobre o conjunto. A conduta de um membro da família influi inevitavelmente sobre a dos outros membros e é epistemologicamente errôneo considerar seu comportamento como a causa do comportamento dos demais. Isto é devido ao fato de que cada membro influi sobre os outros e é por sua vez influenciado pelos demais. Atua sobre o sistema porém é influenciado pelas comunicações que provém do mesmo sistema.
Sabemos que estas convicções são errôneas porque o poder não pertence nem a um nem a outro. O poder encontra-se nas regras do jogo estabelecidas no tempo e no contexto pragmático daqueles que estão envolvidos.
Como afirmou Russell em Principia Mathematica, "a lógica tradicional se equivocou completamente ao crer que existia uma só forma de proposição simples: a que atribui um predicado a um sujeito. Esta é a forma adequada para assinalar uma qualidade a uma coisa determinada. Podemos dizer, isto é redondo, é rosa e assim sucessivamente. Porém, se dizemos isto é maior que aquilo, não só assinalamos uma qualidade mas também falamos de uma relação entre isto e aquilo. Por isto as proposições que estabelecem uma certa relação entre os objetos têm uma forma diferente das proposições sujeito-predicado. Não foi possível compreender esta diferença ou não se teria dado origem a numerosos erros na metafísica tradicional. Ter a convicção inconsciente de que todas as proposições são da forma sujeito-predicado, isto é, que cada fato consiste em algo que tem alguma propriedade tem sido o grande motivo de que grande parte dos filósofos não foram capazes de dar uma explicação do mundo da ciência e da vida cotidiana".
Com o objetivo de sistematizar conhecimentos existentes no estudo da comunicação, Watzawick, Beavin e Jackson publicaram em l967, um livro, Pragmática da comunicação humana, a ciência dos modos que cada pessoa influi sobre os outros mediante o caráter da mensagem de seu próprio comportamento (ou seja, os modos que cada um confirma, desqualifica ou desconfirma ao outro em relação a ele próprio. O aspecto fundamental da obra consiste em oferecer-nos instrumentos adequados para a análise da comunicação, que são: o conceito do contexto como matriz dos significados, coexistência no homem das linguagens, a analógica e a digital; a noção de seqüência na interação; o conceito de necessidade de definição da relação e os diferentes níveis verbais e não verbais sobre o que pode resultar tal definição; a noção de posição simétrica ou complementar no vínculo; as noções fundamentais de paradoxo sintomático e paradoxo terapêutico.

Cap.2- Modalidade do trabalho de equipe
Esta equipe se compõe dos autores desta obra, dois homens e duas mulheres, psiquiatras psicoterapeutas. Tal composição permite uma junta, uma dupla heterossexual no trabalho terapêutico, normalmente secundada pela junta de colegas presentes na câmara de observação. O uso da dupla terapêutica heterossexual é outro aspecto importante do trabalho desta equipe, pois permite sobretudo, um maior equilíbrio "fisiológico" na interação entre os co-terapeutas e entre estes e a família; algumas redundâncias da interação inicial da família com um ou outro dos terapeutas ajudam a intuir certas regras do jogo familiar; evita que se caia em redes de certos estereótipos culturais sobre os dois sexos, de que os terapeutas participam inevitavelmente. As equipes são móveis, podendo cada profissional atuar como terapeuta ou observador, sendo que nas famílias com transação esquizofrênica, é de suma importância, dispor de um observador permanente, quando o profissional experiente atua sozinho.
O primeiro contato com a família se realiza telefonicamente e permite observar uma grande número de fenômenos: peculiaridade da comunicação, tom de voz, lamentos, pedidos de toda sorte de informações, intenções imediatas de manipulação para obter a entrevista em determinados dias e horas, operando uma inversão das regras, como se fossem os terapeutas quem buscaram a família.
A condescendência, com relação a um pedido banal e aparentemente razoável da família, pode invalidar o a lista e o contexto terapêutico. Salvo em casos muito especiais, consideram que é errôneo conceder uma entrevista de urgência. Descartam igualmente os intentos de alguns pais de obter um colóquio preliminar na ausência do paciente designado, com exceção de casos de pais de filhos muito pequenos ou de filhos um pouco maiores traumatizados por precedentes experiências traumáticas negativas. Nestes casos, recebe-se os pais na primeira sessão, para decidir se existe a possibilidade de obter resultado mediante terapia de casal.
Com um paciente de diagnóstico esquizofrênico, a primeira sessão implica na presença de todos os que convivem.
Sugerem um modelo de ficha para obter os dados do primeiro telefonema:
Nome, idade, escolaridade, profissão do pai, da mãe, dos filhos por ordem de idade, outros membros do convívio eventual e seu grau de parentesco, dados do casamento
Problema, nome de quem telefona
Indicação de quem, informações de quem indica,
Endereço, telefone
Observações
Cada sessão se desenvolve regularmente em cinco partes: a pré-sessão, a sessão, o diálogo da sessão( em sal indicada para tal fim), a conclusão da sessão( de volta com a família para um breve comentário e prescrição ou ritual, continuidade do tratamento, acordo de honorários e fixação de número de sessões) e a ata da sessão.
O comportamento dos terapeutas tende a provocar interações entre os membros da família, de quem observam os comportamentos verbais e não verbais e as eventuais redundâncias indicativas de regras secretas. Os terapeutas se abstêm, tanto de revelar à família os fenômenos observados, como de emitir valores e julgamentos. Retêm tudo para si, como guia para a intervenção final.
Em geral a média costuma ser de dez sessões, pela convicção de que ou se consegue mudança rapidamente ou se perde o trem e com intervalos mais longos pois resultam ser mais eficazes.
Estes procedimentos requerem uma equipe que funcione harmoniosamente.

Cap.3- O casal e a família com transação esquizofrênica
O princípio era a relação e a necessidade de defini-la. Jay Haley em A Família do esquizofrênico: o modelo sistêmico foi o primeiro a evidenciar o rechaço peculiar que todo membro deste tipo de família tem, para admitir tanto que os outros delimitem seu comportamento (isto é, definam a relação) como que ele mesmo delimite o comportamento dos outros. A modalidade dominante é o rechaço que cada um dos parceiros opõem à definição que o outro dá sobre a relação. É evidente que para cada um dos interlocutores o rechaço do outro é uma estocada, que não é tão insuportável. É má, está prevista e serve como estímulo para dirigir um contragolpe. Cada um se oferece ao outro e avança tenazmente na escalada dos rechaços e das redefinições. O jogo pode continuar ad infinitum, porém pode expor também ao risco de ruptura: a violência física, assassinato, o abandono de campo por parte de um dos interlocutores e em conseqüência, a perda do adversário e do próprio jogo. Exatamente o que a família com transação esquizofrênica não pode suportar.
Como aprender a viver junto, precisamente como conviver não é senão uma série de ensaios e erros através dos quais eles aprenderam a aprender.
Segundo a afirmação de Bowen, são necessárias pelo menos três gerações para obter uma esquizofrênico e nas famílias de origem as soluções encontradas ao problema de como viver se manifesta mediante normas rígidas e repetitivas e na segunda geração se observa outra disfunção fundamental: a cautela em expor-se por medo a expor-se ao rechaço. Cada um parte com enorme desejo de receber uma confirmação, desejo tanto mais intenso quanto mais cronicamente insatisfeito. Nestas famílias de origem a luta pela definição da relação, característica do ser humano, é tão exasperada que os pais da primeira geração se comportaram como se ao dar uma confirmação fosse um sinal de debilidade. Em outras palavras, se alguém faz bem algo, pretende ser confirmado, aprovado. Neste caso confirmá-lo seria ceder ao seu desejo, seria uma perda de prestígio, de autoridade. Para manter tal autoridade será necessário, portanto, não dar nunca confirmação e responder sempre por argumentos evasivos: sim... porém... se podia fazer melhor...
Bateson fala da "pretensão de conseguir" á custa de morrer, característica humana que poderia ser "hybris", a tensão simétrica exasperada ao ponto de não render-se ante a evidência, incluindo a iminência da morte. Desta forma cada membro da dupla, do casalr escolhe um parceiro "difícil". É assim como cada um quer repetir o desafio e como cada um pretende triunfar. Cada um anseia conquistar o controle da definição da relação. Porém cada vez que o tenta volta a sentir o temido fracasso. Neste ponto da "hybris" longe de redimensionar-se, aumenta: falar se converte em algo insuportável. É necessário evitá-lo a todo custo, preveni-lo a todo custo. Como consegui-lo? Só há uma maneira: desqualificando a própria definição da relação, rapidamente, antes que o outro o faça. Prevenir o golpe insuportável. Desenvolve-se assim um grande jogo, configuram-se as regras secretas. A mensagem se faz sempre mais crítica, para evitar expor-se. Aprende-se a evitar as contradições lógicas manifestas. Tornam-se experientes no uso de paradoxos, aproveitando as possibilidades específicas do homem: comunicar-se contemporaneamente em diversos níveis: verbais e não verbais. A desqualificação sobre alguns ou sobre todos os componentes da mensagem, tangencialidade, deslocamentos do tema, amnésias e a manobra suprema, a desconfirmação. A desconfirmação é um tipo de resposta à definição que o outro tenta dar de si na relação. Esta definição não é uma confirmação, nem sequer um rechaço. É uma resposta crítica, incongruente, que contém, substancialmente a seguinte mensagem: "não dou conta de você, você não está, não existe". Há outra modalidade: "eu não estou, não existo na relação com você". Como comunicar-se, como tocar alguém que não está? Ou inversamente, como estar na relação com alguém que não está?
Ao buscar táticas para dissolver as transações esquizofrênicas, percebemos crenças equivocadas provenientes de nosso preparo profissional. Como psicoterapeutas nos ensinaram a conferir grande importância ao que chamamos sentimentos. Vendo uma pessoa deprimida ou alegre, costumávamos pensar: este é alegre, aquele é deprimido, por que será? Havíamo-nos condicionado ao modelo lingüístico, segundo o qual o predicado que atribuímos a um sujeito seria uma qualidade inerente a ele, pelo menos num momento em que fazemos a atribuição e não uma função no vínculo.
Desta forma ao passarmos do modelo individual para o sistêmico tivemos que abandonar o uso do verbo ser para parecer. A nos concentrarmos em observar os efeitos que certo comportamento exercia sobre os outros e sobre nós mesmos. Observamos como o abandono do verbo ser para mostrar efetuada na formulação de um recente resumo de sessão chega a configurar por um jogo familiar. Cada um dos pais competidores ameaça ao outro com o movimento de um rival (obviamente interno do grupo). Os supostos rivais, por sua vez, efetuam jogadas contrárias, essenciais para o jogo, cuja perpetuação se apoia na ambigüidade: não podem ser nem aliados nem adversários, nem vencidos nem vencedores, porque senão, o jogo termina. A perpetuação do jogo protege a homeostase do grupo. Jogo esquizofrênico e homeostase são aqui sinônimos enquanto que o mascaramento, a ambigüidade e os movimentos são essenciais para manter o status quo
Porém, qual é verdadeiramente o perigo? Os dois parceiros, o pseudo-fugitivo e o pseudo-estável, são igualmente inseparáveis, vítimas e cúmplices de um mesmo jogo, unidos por um mesmo medo: não é de perder ao outro como pessoa, porém como companheiro de jogo. A hybris simétrica é de que o oculta presunção compartilhada por cada um, de poder, algum dia, conquistar o controle unilateral na definição da relação. Presunção equivocada, enquanto está baseada em uma epistemologia errada, inerente ao condicionamento lingüístico linear. Por certo ninguém pode ter o controle linear numa interação que de fato é circular. Neste sentido, se o interlocutor não aceita de bom grado que sua posição na relação seja definida como complementar, poderá sempre assinalar ao outro, mediante metaníveis comunicacionais, que sua superioridade verdadeiramente não é tal. Por exemplo, num combate entre lobos, o mais débil, para mostrar sua decisão de render-se, recorre a comportamentos de cachorro e se observa no mais forte o cessar imediato do comportamento agressivo. Assim, a transação encerra sem ambigüidades.
A condição sine qua non do jogo exclusivamente humano da transação esquizofrênica é que realmente não haja vencidos nem vencedores de acordo com as posições no vínculo, que são sempre ou pseudo- complementares ou pseudo-simétricas.
Um jogo deste tipo não ter fim, já que o resultado seria indefinível: quem venceu talvez tenha perdido e quem perdeu talvez tenha vencido. O desafio está sempre ali. Cada um se esmera em provocar o adversário com uma série de táticas que vão se aperfeiçoando com o uso. A depressão, será uma destas táticas.
No contexto de todo exposto, poderia se considerar que o duplo vínculo descrito por Bateson e colaboradores como produzido com freqüência nas famílias com transação esquizofrênica é uma modalidade comunicacional apta para transmitir e manter um desafio sem alternativas e portanto sem fim.
A modalidade comunicacional pode ser sintetizada assim: no nível verbal se dá uma indicação que a continuação, no segundo nível, quase sempre não verbal, é desqualificada. Contemporaneamente se agrega a mensagem que está proibido fazer comentários, ou seja, metacomunicar-se sobre a incongruência dos dois níveis e que está proibido deixar o campo. Uma indicação deste tipo obviamente não permite ao receptor ocupar a posição complementar, ou seja, a obediência à indicação, enquanto não está claro qual é a verdadeira indicação. Tampouco lhe está permitido por-se em posição simétrica ou seja, desobedecer, porquanto não está claro qual é a verdadeira indicação contra a qual rebelar-se. A proibição de metacomunicar como de deixar o campo estão já implícitas na impossibilidade de assumir uma posição definível na interação: ou simétrica ou complementar. Somente uma posição bem definida permite já a metacomunicação ou o abandono do campo, ou seja, a redefinição da relação.
Só é possível redefinir uma relação logo que tal relação haja sido claramente definida. Bateson demonstra no ensaio A cibernética do eu, uma teoria do alcoolismo. O peso fundamental do alcoolista na cura consiste em reconhecer-se definitiva e inequivocamente como mais fraco que a bebida. Para admitir deve chegar ao fundo do poço. Sua sentença humilhante é de que será sempre um alcoolista. Mas se assim não admite, volta a provar. Bateson no fim do ensaio pergunta, "em certo sentido, é a complementariedade sempre melhor que a simetria? Os autores pensam que entre ambos, não existe algo melhor ou pior. O que resulta essencial para que a relação interpessoal não seja psicótica, é a clareza inequívoca e reciprocamente aceita de sua própria definição e como temos visto, é o que está proibido na transação esquizofrênica.

Cap.4- O paciente designado
Como representamos então o comportamento designado como esquizofrênico, dentro do ciclo evolutivo desse particular jogo paradoxal que é característico do grupo natural donde em um determinado momento aquele se verifica?
Nem mais nem menos que como a enésima jogada, realizada por um membro do grupo, cujo efeito pragmático é um reforço ulterior do jogo. É uma partida, cujos jogadores se propõem prevalecer, mantendo-se dentro de um jogo cuja regra de ouro é a proibição de prevalecer (e reciprocamente de sucumbir). Porém onde portanto se concede e encobertamente se sugere (por turno, para não desanimar) a possibilidade de crer que se haja estabelecido, sempre que se creia no segredo e sem que seja possível demonstrá-lo. Uma partida interminável, agora que os participantes (prisioneiros da hybris "de tanto jogar tenham oportunidade de prevalecer", porém submetidos ao mesmo tempo a proibição de declarar que se querem em verdade prevalecer ou que em verdade se hajam prevalecido) estão submetidos a uma tensão extrema para salvaguardar a possibilidade perene de voltar a intentar.
Como a partida entre o alcoolista e a bebida com a diferença de que entre parceiros a interação é circular. Qualquer um pode responder ao desafio com outro desafio, à jogada com outra jogada, até mesmo ameaçar acabar com o jogo. Esta jogada, cuja força potentíssima surge do terror compartilhado de que o jogo pode cessar, pode resultar tão inverossímil que seja necessário em alguns casos um contragolpe mais potente: aquele de quem comunica que a relação está insustentável a tal ponto que ele está se alienando. Como a relação é insustentável, impõe ao grupo uma mudança radical. Porém, mudança em quem? Obviamente nos outro, segundo o estilo de transação esquizofrênica.
A mensagem esquizofrênica: "não é que você deva fazer algo diferente - deve ser o que não é- só assim pode ajudar-me a ser o que não sou, porém podia ser, se você fosse o que não é" e a mensagem paradoxal de quem se fez mestre num contexto de aprendizagem cujos membros, se bem que evitando por todos os meios definir a relação, comunicam continuamente aos outros o pedido paradoxal de mudar uma definição da relação que não foi nunca definida.
Nestas famílias, como Haley observou, cada um não só se encontra continuamente confrontado com níveis conflitivos em um mesma mensagem, senão que também encontra que a própria resposta é sempre de algum modo qualificada por algum outro como "equivocada", ou melhor ainda, "não exatamente ajustada".
Todos, em síntese, têm sentido sempre que se lhes comunicava que haviam feito algo que não era o exatamente justo, senão que, não se lhes havia dito nunca, explicitamente, que era o que deviam fazer para fazer o apropriado.
A mensagem esquizofrênica leva então o paradoxo ao extremo, ao impossível absoluto através da genial substituição do fazer pelo ser. "Não é que não faça como deveria fazer... é que não é como deveria ser ..."(onde o como, obviamente, permanece indefinido).
Pela Teoria Geral de Sistemas e pela Cibernética, sabemos que o mecanismo auto-corretivo a serviço da homeostase de um sistema é a reação negativa. "Há alguém que mostra que invoca uma mudança". "O efeito desta invocação mostrada é a ausência de mudança". A mudança é sentida como ameaça, ao que o sistema reage negativamente com posterior rigidez.
Podemos observar que ao que todos obedecem são às regras do jogo. E que o jogo se perpetua através de ameaças e contra-ameaças, entre as que figuram uma potentíssima: que ninguém se separe e deixe o campo.
Para compreender o jogo deve-se limitar a observar tudo que aparece nas famílias, só como efeito pragmático de jogadas que, sua vez, provocam outras contra-jogadas a serviço do jogo e de sua perpetuação. Considerar "jogadas" a hostilidade, a ternura, a frieza, a depressão, a ineficiência, a insensatez, a angústia, o pedido de ajuda e, de acordo com ele aquela mais vistosa e mais verossímil em termo de realidade" a invocação à mudança por parte do paciente designado. A declaração de culpa é outra "jogada" a serviço da oculta escalação simétrica vigente no sistema.
Constataram que nenhuma das mães de filhos psicóticos havia estado disposta a aceitar a declaração de que seu filho não era vítima de nada, que espontaneamente, sem que lhe houvessem pedido, havia assumido a generosa tarefa de sacrificar-se a si mesmo para ajudar a todos no que presumia que eram suas necessidades profundas e, como se verá em capítulos seguintes, esta declaração é um tombo arbitrário da pontuação, operado pelos terapeutas, como tática intermediária para por em marcha um tombo total da epistemologia familiar produzida pela direção sistêmica. Voltando as nossas considerações, a mãe desqualifica de imediato esta declaração, tratando de reconquistar a posição simétrica (respeito dos terapeutas e do filho), voltando a se a definir como uma mãe culpada. Assim, entre errônea convicção de poder e errônea convicção de culpa, todos permanecem no jogo e o servem em seus papéis de vítimas cúmplices.
Já que a premissa simétrica que está dentro de cada homem, está também dentro dos que querem mudá-lo.
Quem tem mais poder (em definir uma relação como indefinível?)
O esquizofrênico?
Os que podem mudá-lo ao ponto de sentir-se culpados se não o conseguem?
Os que não ajudam a quem podem mudá-lo? Etc., etc...
Assim, na escalada paradoxal entre falsas crenças de poder e falsas crenças de culpa, se reconstroem os parâmetros, as regras, as modalidades comunicacionais, as coalisões negadas, as lutas entre facções e contra-facções que taticamente reconstroem o idêntico jogo familiar.

Cap.5- As intervenções terapêuticas como aprendizagem por ensaio e erro
Os erros não são senão um componente essencial deste processo de aprendizagem que é a terapia de família e especialmente, daquela que estabelece relações esquizofrênicas.
O exemplo é o da rata, no labirinto buscando a saída. Ela aprende com os erros. Neste sentido, o erro não é propriamente um erro. É todo uno com o ensaio; o erro é, portanto, provocar uma informação apta para induzir certa mudança no comportamento da rata, com redução de seu gasto energético. O verdadeiro erro, como entendemos comumente, se configura somente quando não se toma em conta a informação obtida e se persiste em um mesmo comportamento. Por conseguinte, a persistência no erro anula a possibilidade de aprendizagem.
Os terapeutas, imersos no labirinto familiar, conseguem rara vez provocar e captar de cara um número de reações suficientes para debelar o ponto nodal, que coincide com o ponto de máxima resistência do sistema à mudança.
Certas portas podem nos levar ao Minotauro ou desembocar em tobogãs que conduzam a vias mortas, sendo necessário mover-se com cautela, desenvolver grande sensibilidade a reações para não persistir em erros, despojar-se de todo orgulho. Todavia o que permanece invariável é que os únicos pontos fixos são as redundâncias da sessão.
Os teóricos de sistemas têm falado de ps, como daquele ponto nodal sobre o que converge o máximo coeficiente de funções essenciais para a própria manutenção de um dado sistema. Definem a ps como o ponto, mudando o qual se consegue uma máxima transformação do sistema com um mínimo de dispêndio energético.
Trabalhando num lapso determinado com largos intervalos e sempre com a atenção centrada nas reações da família, tem-se a sensação de avançar por estratos, quase de modo concêntrico, dos pontos marginais fazia o ponto nodal, operando sobre o qual se consegue a transformação maior. Rabkin declarou sobre a confrontação com o modelo energético: em lugar de uma fatigante aproximação mecanicista (que implica necessariamente em grande gasto de energia) pode-se desenvolver uma nova profissão dentro da teoria geral dos sistemas pela qual se consiga que as coisas sucedam por transformação, em vez de que ocorram por um "duro trabalho".
As transformações, agrega, são mudanças que devem ser provocadas de improviso. Isto é difícil.

Cap.6- A tirania do condicionamento lingüístico
O maior obstáculo a enfrentar na abordagem de família estava dentro de nós mesmos e dizia respeito ao inevitável condicionamento lingüístico.
Os ensaios de Bateson Passos para ecologia da mente e o ensaio de Harley Shands A guerra com palavras contribuiram para esta tomada de consciência, de inventar uma metodologia terapêutica adequada, ensinando a comunicar de maneira funcional.
A linguagem é linear, enquanto que a realidade é circular. A absoluta incompatibilidade dos sistemas primários em que vive o ser humano: o sistema vivo, dinâmico e circular, e o sistema simbólico (linguagem), descritivo, estático e linear. A espécie humana para transmitir cultura tem integrado as modalidades comunicacionais completamente diferentes: a analógica e a digital. Sendo a linguagem descritiva e linear, estamos obrigados para descrever uma interação a produzir dicotomias, um antes e um depois, um sujeito e um objeto, no sentido de quem realiza a ação e quem a sofre, importa um postulado de causa e efeito e, por conseguinte, um definição moralista. O moralismo é intrínseco da linguagem, porque o modelo lingüístico é linear.
No modelo circular, os comportamentos não são senão funções complementares de um mesmo jogo.
Sintetizamos os mais significativos:
a) conceitualizar a realidade vivente da família em sentido linear e não sistêmico-circular;
b) julgar as modalidades comunicacionais da família como "equivocadas" em relação as nossas; assinalá-las por onde como tais e tratar de "corrigi-las";
c) fundamentar-se prevalentemente no emprego de código digital (precisamente enquanto ao nível de conteúdo dos membros) com a intenção de atuar terapeuticamente sobre a família.

Cap.7- A conotação positiva
A conotação positiva foi inspirada inicialmente para chegar sem contradições a uma intervenção terapêutica paradoxal: a prescrição do sintoma ao paciente designado.
Conotar positivamente tanto o sintoma do paciente designado como os comportamentos sintomáticos dos outros membros dizendo por exemplo: que todos os comportamentos observados aparecem inspirados pelo desejo comum de manter a união e a coesão do grupo familiar.
A função primária da conotação positiva (de confirmação) de todos os comportamentos observados no grupo aparece como a que pode facilitar aos terapeutas o acesso ao modelo sistêmico.
Todo sistema vivo comporta três características fundamentais:
a) totalidade (o sistema é amplamente independente das características individuais dos elementos que o compõem)
b) capacidade auto-corretiva e portanto tendência homeostática
c) capacidade de transformação
d) Implicando com um julgamento crítico que o sistema deve mudar, se rechaça aquele sistema caracterizado por uma tendência homeostática predominante.
Em um sistema vivo não pode existir tendência homeostática sem capacidade de transformação, nem capacidade de transformação sem uma tendência homeostática. A combinação de ambas transcorre circularmente segundo um continuum substituindo o modelo linear de ou/ ou pelo circular de mais ou menos já que na ética sistêmica não se dão antinomias.
Como observa Shands, o homem busca um estado impossível de relações invariáveis: "um objetivo ideal" de configurar seu universo interior como completamente independente de constatações empíricas.
A família em crise, que nos pede terapia, participa deste objetivo ideal e não nos consultaria se fossem presa do medo de que sua estabilidade e seu equilíbrio tenazmente perseguidos estão em perigo.
Para provar e confirmar o comportamento de todos os membros da família enquanto intencionalmente homeostáticos, devemos servir-nos da linguagem. As expressões de aprovação que usamos importam o emprego de predicados moralistas exatamente como se usássemos expressões de desaprovação.
Quando qualificamos como positivos, ou seja bons, os comportamentos 'sintomáticos" motivados pela tendência homeostática, o que de fato conotamos positivamente é a tendência homeostática do sistema e não as pessoas. Assim se respeita o primeiro caráter fundamental de todo sistema vivo: a totalidade.
A regra das regras da família com transação esquizofrênica é a proibição de definir a relação. É como se a família metacomunicasse aos terapeutas uma convicção normativa: só podemos continuar juntos se não definirmos jamais a relação. E não definir a relação é essencial para a estabilidade de nosso sistema.
O paciente designado obedece, neste sentido, a regra das regras.
Num alto nível de abstração, uma relação definida como indefinível é definida como insustentável.
Neste sentido o paciente designado ameaça violar a regra das regras.
Diante do perigo a família solicita a psiquiatria tradicional, medicamentos, a restauração do equilíbrio preexistente a explosão do sintoma.
Como opera nossa equipe?
Em primeiro lugar não fazem nenhuma distinção entre o sintoma do paciente designado e os comportamentos "sintomáticos", ou seja, a modalidade peculiar de comunicação compartilhada por todos os membros da família. Os membros do grupo com interação esquizofrênica comunicam desta maneira porque não querem ou porque não sabem comunicar-se de outro modo? Trata-se de idêntica ilusão de alternativas, como querer decidir se o paciente designado não quer ou não pode comportar-se de forma distinta.
Os terapeutas sabem aqui que todos os membros da família se opõem a qualquer mudança que resulte perigosa para seu "ideal homeostático" e que portanto é necessário aliar-se a tal ideal.
Aqui é quando os terapeutas devem fazer exatamente o contrário do que faz a família. Ignoram deliberadamente o aspecto alusivo e ameaçador do sintoma no sentido de protesto e de invocação a mudança. Na mudança sublinham e confirmam somente o aspecto homeostático. Do mesmo modo confirmam os comportamentos dos outros membros da família como tendentes ao mesmo objetivo: a estabilidade e a coesão do grupo.
A conotação positiva tem inclusive duas funções terapêuticas importantes e interdependentes:
a) definir claramente a relação sem perigo de receber uma desqualificação;
b) ser uma definição de um tipo de contexto, enquanto o define como terapêutico.
A família com interação esquizofrênica se serve da linguagem digital em contrapartida com a analógica. Os modelos interacionais destas famílias se caracterizam pelo esforço em não definir a relação. Cada um recusa definir -se como aquele que define a relação e portanto impõe aos outros regras de comportamento; assim como recusa também a possibilidade de que os outros tenham direito a definir a relação e portanto imponham regras a ele. Haley notou que a família desqualifica todos os componentes da mensagem e outros elementos unidos:
- Nenhum dos membros está verdadeiramente disposto a declarar uma liderança no seio da família;
- Nenhum dos membros está disposto a aceitar verdadeiramente a crítica, isto é, a responsabilidade do que vai mal.
A conotação positiva conserva uma série de mensagens:
l. Os terapeutas definem claramente a relação dos vários membros da família entre si como complementar do sistema, ou seja, de sua tendência homeostática e portanto, do jogo.
2. Os terapeutas definem claramente a relação família-terapeuta como complementar enquanto eles declaram sua própria liderança, mediante uma comunicação explícita ou mediante uma metacomunicação global, que tem o caráter de uma confirmação.
Justamente por ser uma aprovação e não uma crítica permite aos terapeutas evitar ser rechaçados como tais, além de introduzir pela primeira vez na família a experiência nova de receber uma confirmação explícita da autoridade.
Para concluir a conotação positiva nos permite:
l. Situar a todos os membros da família em um mesmo plano enquanto complementares em relação ao sistema, sem conotá-lo em sentido moralista, evitando trazer linhas arbitrárias de demarcação entre uns e outros.
2. Aceder ao sistema mediante a confirmação de sua linha homeostática.
3. Ser recebidos no sistema como membros de pleno direito, enquanto animados da mesma intencionalidade.
4. Conotar positivamente a tendência homeostática, para provocar, paradoxalmente, a capacidade de transformação, enquanto a conotação positiva abre o caminho para o paradoxo: como é possível que a coesão do grupo que os terapeutas definem como tão boa e desejável deva ser obtida ao preço de um "paciente"?
5. Definir claramente a relação no vínculo família terapeutas.
6. Definir o contexto como terapêutico.

Cap.8- A prescrição na primeira sessão
Pode ser inócua para apontar vários objetivos:
l. Constituir uma marca de contexto terapêutico designando-o como tal;
2. Provocar na família uma reação que ilustre sobre a disponibilidade e sobre a motivação da família com respeito a um eventual tratamento;
3. Delimitar um campo de observação;
4. Estruturar e ordenar a sessão seguinte.
Quanto ao primeiro ponto, ou seja, a necessidade de designar o contexto como terapêutico, é fundamental enquanto há resultado notório para todos a habilidade exibida por tais famílias para desqualificar o contexto enquanto terapêutico. Isto sucede tanto com famílias sociáveis e charlatãs, que se apresentam à sessão como se tratasse de uma festa, como com famílias reticentes e frias.
A experiência nos tem ensinado que mostrar a família tudo que sucede, ou seja, metacomunicar sobre tais comportamentos de desqualificação, produz somente como único efeito, manifestações de estupor, negações e desqualificações. Ademais a conotação crítico-moralista de tais comportamentos resultaria inevitável. Umas prescrição simples e bem dosada, inspirada nas redundâncias observadas na sessão, nos permite evitar a conotação crítico-moralista, com a conseqüente desqualificação e redefinir a relação como terapêutica.
Em outros casos e particularmente quando a família não está motivada em absoluto para o tratamento, porém obrigada por quem a envia, recorre-se a táticas mais completas e prescrições nada inócuas, a fim de levar a família a uma situação de crise
Esta é uma das jogadas terapêuticas mais difíceis onde o terapeuta está mais exposto ao erro, sobretudo no que se refere a sua justa dosagem e a possibilidade de incluir a todos os membros colocando-os num mesmo nível.
As dificuldades da primeira sessão não são tão grandes quando a família chega angustiada, em plena crise, e não especialmente pressionada pelas insistentes recomendações de quem a envia. Nestes casos é possível chegar na primeira sessão, à prescrição do sintoma ao paciente designado com resultados surpreendentes, sempre e quando se tenha cuidado de conotar positivamente o sintoma em sentido sistêmico, pondo-se de lado a tendência homeostática.

Cap.9- Os rituais familiares
Podem ser para executar-se uma só vez ou rituais repetitivos. Ilustra com a história dos Casanti ao longo de três gerações.
Na citação de Ferreira em Família, mito e homeostase, o mito familiar expressa convicções compartilhadas que concernem a todos os membros da família como a suas relações, convicções que se devem aceitar a priori desafiando flagrantes falsificações.
O mito familiar prescreve os papéis e os atributos dos membros em suas interações recíprocas, papéis e atributos, se bem que falsos, são bem aceitos por cada um como coisa sagrada e tabu, que nada ousa examinar e muito menos, desafiar.
Um membro individualmente pode saber, e algumas vezes sabe, que há muito de falso nesta imagem, algo parecido à linha política de um partido. Porém ainda quando existe, este conhecimento se reserva para si e se esconde, a tal ponto, que o indivíduo, que mais sofre pelo mito, se oporá com todas as forças à evidência, de modo que negando-se a reconhecer sua existência, fará o possível por manter intacto o mito familiar. O mito explica os comportamentos dos indivíduos na família porém oculta os motivos.
O mito não é um produto diádico, senão coletivo, ou melhor, é um fenômeno sistêmico, pedra angular para a manutenção da homeostase do grupo que o produziu. Atua como espécie de termostato que entra em funcionamento cada vez que as relações familiares correm perigo de ruptura, desintegração e caos. Por outro lado, o mito em seu conteúdo representa um alheamento grupal da realidade, alheamento que podemos chamar "patologia". Porém, contemporaneamente, constitui com sua existência, um fragmento de vida, um pedaço de realidade que enfrenta, e desta maneira, modela aos filhos que nascem nele.
Como definir um ritual familiar?
Trata-se de uma ação ou de uma série de ações, combinadas geralmente com fórmulas ou expressões verbais, das quais têm que participar todos os membros da família, para ser eficaz. É necessário que todo ritual, seja preciso por todos os terapeutas, em detalhes por escrito: a modalidade a que deve responder sua realização, horário, eventual ritmo de repetição, quem deve pronunciar as fórmulas verbais, com que seqüência, etc.
Um aspecto fundamental do rito familiar é acerca da abordagem da família com interação esquizofrênica: como mudar as regras do jogo e por conseguinte a epistemologia familiar, sem recorrer a explicações, à crítica, em síntese, ao instrumento lingüístico.
Piaget mostrou o processo falando que a capacidade de realizar operações concretas precede a capacidade de realizar operações formais; a capacidade de "centrar" os processos perceptivos precede a capacidade de "descentrar", onde se realizam operações abstratas. A fase das operações concretas é premissa necessária a fase das operações formais. Isto equivale a dizer que, para chegar a um código digital é indispensável uma prévia adaptação analógica. Uma vez que o indivíduo esteja ao nível das operações formais, os dois processos, analógico e digital, se integram e não é possível distingui-los senão mediante um artifício lingüístico.
O rito familiar, justamente enquanto se propõe a nível de ação, está bastante mais próximo ao código analógico que ao digital. Cada rito se impõe (na passagem de signo a sinal e de sinal a norma) por seu caráter normativo, isto é, pela exigência de normatividade inerente a uma ação coletiva onde o comportamento de todos tende a um único fim. A prescrição de um ritual objetiva evitar o comentário verbal sobre as normas que perpetuam o jogo em ação. O ritual familiar é a melhor prescrição ritualizada de um jogo cujas normas novas tacitamente substituem as precedentes.
A invenção de um ritual requer esforço de observação e criatividade por parte dos terapeutas.

Cap.10- Da rivalidade com o irmão ao sacrifício por ajudá-lo.
Trata-se de mudar rapidamente o rótulo de enfermo que leva o paciente designado, a um ou mais irmãos e irmãs considerados sãos pela família assinalando que o presumido enfermo é o único que pode intuir na família, em que medida o outro se encontra em piores condições que ele e necessita sua ajuda. Com isto se evita criticar e culpar os pais. Declara-se admiração pela sensibilidade e intuição do paciente designado e que, tal acobertamento resulta prejudicial para seu autor pois impede de crescer e adquirir autonomia, visto que recebe toda atenção e preocupação dos pais, nada fazendo por si mesmo. A família sustenta a crença de membros sãos e inexplicavelmente um enfermo. De fato, nas famílias a simetria encoberta entre os pais, se ramifica, de modo encoberto à geração seguinte. Assim, a linha oculta entre pseudo-privilegiados e pseudo-prejudicados garante a perpetuação do jogo. Os primeiros buscam manter os privilégios supostos e os segundos buscam uma revanche. Tudo pode estar oculto numa rede de coalisões encobertas e negadas, difíceis de desentranhar.
O caso reportado é de uma adolescente em cumplicidade com o pai na rivalidade com sua irmã Bianca para esta deixar a casa .

Cap.11- Os terapeutas se encarregam do dilema da relação entre pais e filhos.
Aqui trata-se de família em que o paciente designado é filho único. A dificuldade tanto de evitar a crítica os pais, tão habilmente estimuladas pelo filho, como de evitar ser envolvidos na simetria encoberta da dupla, tão hábil por sua vez, para separar os terapeutas e arrastá-los a coalisões e a lutas de facções, repetições pontuais do jogo que tem lugar.
A solução apresentada consiste em referir exclusivamente a nós mesmos, no momento oportuno, aos problemas da relação intergeracional, de maneira bastante similar a usada em tratamento psicanalítico com a diferença fundamental de que isto se sucede na presença dos pais, os quais quando deixados fora do jogo, apegam-se a alusão implícita aos problemas intra-familiares. A exclusão dos pais resulta taticamente em vantagem pois os excluídos se encontram na impossibilidade total de negar ou de desqualificar. Acaso alguém fala deles?
O caso reportado é de Ernesto, um garoto de dez anos, com condutas psicóticas. Bom desempenho escolar, com tendência a freqüentar companheiros de escola fora da mesma e locais de jogo.

Cap.12- Os terapeutas aceitam sem objeções uma melhora suspeita.
Tal manobra terapêutica consiste em aceitar sem objeções uma melhoria ou um desaparecimento do sintoma que não parecem justificados em absoluto pela correspondente mudança no sistema de interação familiar. Surge a suspeita de encontrar-se ante um movimento, uma "jogada" da qual são cúmplices todos os integrantes do grupo natural ainda quando um só se coloca de porta-voz. O objetivo comum é de subtrair a indagação dos terapeutas alguma área sentida como perigosa para o status quo. A característica de tal melhoria é de ser súbita e inexplicável, acompanhada com freqüência por uma atitude de não compromisso, ou de otimismo de tipo "tudo vai bem, senhora marquesa"; melhoria apoiada em poucos dados convincentes. Com isto a família faz entender aos terapeutas, sem dizê-lo, a intenção coletiva de saltar à plataforma do primeiro trem que passe. Ainda em tal caso a experiência tem ensinado que os terapeutas não podem perder a iniciativa. Uma possibilidade seria fazer notar o significado e o objetivo familiar, interpretando-o como "cura em saúde", porém a experiência também indica que é um erro enquanto implica uma atitude crítica totalmente em contraste com o princípio áureo da conotação positiva e portanto provocador de negações e desqualificações ou, pior ainda, mão de ferro.
A linha seguida consiste em aceitar tais melhorias sem objeções, tomando a iniciativa de concluir a terapia. O
objetivo é aquele, primeiro, de ter sempre em mão a iniciativa e o controle da situação prevenindo e anulando as jogadas do parceiro adversário. O segundo está diretamente ligado a nossa modalidade de contrato com a família: haver pactuado um número preciso de sessões. Preferimos concluir subitamente a terapia e colocar a prova a autenticidade da "cura" tendo todavia "a favor" um certo número de sessões em caso de que a "cura" não resista muito tempo.
Quanto ao nosso comportamento crítico e alusivo, é enquanto temos cuidados de não expressar, em absoluto nossa opinião sobre a presumida melhora nem, muito menos, confirmá-la. Retornando à sessão nos limitamos a um simples comentário em que declaramos tomar nota da satisfação expressa pela família quanto aos resultados obtidos e comunicamos que a terapia finaliza com a sessão em curso e colocamos à disposição a possibilidade de utilização das sessões que não foram usadas. Isto costuma gerar reações na família, perguntando-nos que pensam, qual nosso objetivo para talvez levar-nos a desqualificações. Assim a família se encontra em situação paradoxal de ser designada como a iniciadora de uma decisão que em realidade é tomada pelos terapeutas. Em outros tentam obter dos terapeutas a promessa de que um futuro pedido de retomar a terapia não significará uma espera prolongada. Os terapeutas insistem em que se transcorra um período de tempo. Através de tal tática paradoxal se julga anular o movimento sabotador e se coloca a família na necessidade de voltar a pedir, tarde ou cedo, a continuidade da terapia.
Em alguns casos é melhor não arruinar a relação com suspeitas, críticas ou interpretações. Em outros casos, ainda concluindo a terapia, fixamos uma entrevista telefônica ou uma sessão poucos meses mais adiante, com o objetivo de receber notícias e fazer um balanço global. Desta maneira mantemos a família "em terapia" enquanto implicitamente comunicamos a persistência de nosso interesse e de nossa disponibilidade.

Cap.13- Como recuperar os ausentes.
A manobra do membro ausente é talvez a mais notável no rico arsenal de manobras familiares destinadas a conseguir a manutenção do status quo e tem sido também amplamente descrita pelos investigadores.
Trata-se precisamente, de uma resistência compartilhada por toda a família.
Como fazer para recuperar os ausentes? Para fazê-los voltar à sessão?
Temos abandonado em sessão toda atitude autoritária e todo intento de indagação analítica. Quando um membro se ausenta, aceitamos mesmo a família em sessão e mostramos tomar como válidos os motivos aludidos (que geralmente são banais, genéricos ou absurdos). E estamos atentos ao que sucede na sessão mantendo a ausência como dentro de nosso interesse.
A tática que temos adotado para recuperar o ausente está ligada ao nosso ritual de sessão que consiste em dividi-la em 5 partes: a pré-sessão, a entrevista com a família, a discussão em grupo, o ingresso dos terapeutas a sala para conclusão, normalmente para um comentário ou prescrição e a ata da sessão. Agregamos uma Sexta parte: a conclusão da sessão se dará em domicílio da família reunida em sua totalidade. Esta conclusão se dá por escrito (daí o cuidado com o uso das palavras e de modo a incluir o ausente obrigando-o a vir) e deve ser lida em presença de toda família. Desta maneira desmontamos, sem dizer, a manobra familiar, enquanto o membro ausente "se faz presente".
Cap.14- Como iludir a desconfirmação.
A desconfirmação de si e do outro na relação (eu não estou e por conseguinte você não está e vice-versa) é, como foi visto, a manobra fundamental empregada pela família com interação esquizofrênica para evitar definir a relação. Por este meio o jogo se perpetua na função homeostática, rodeado de fenômenos desconexos: um nível de informação e por conseguinte uma possibilidade de decisão praticamente nulos; a impossibilidade de declarar a liderança, no entanto tal declaração comporta uma definição da relação: a conseguinte impossibilidade de assumir verdadeira responsabilidade; a impossibilidade de declarar alianças estáveis e abertas, enquanto estas significando uma explícita definição da relação como simétrica, importariam automaticamente a mudança do jogo e a ruptura da homeostase.
A intervenção é o paradoxo terapêutico, o que nos leva a uma série de premissas. Os terapeutas devem aprender a jogar o mais friamente possível, só importa compreender como jogam, para reagir em conseqüência. Devemos haver-nos liberado de motivações que nos levaram a escolher esta profissão: dar e ajudar, necessidade de poder. São premissas que nos fazem vulneráveis à manipulação da família com interação esquizofrênica tão bem treinada para seduzir outros a jogar seu próprio jogo. Se nos convencemos de que tudo quanto nos mostram são convites tanto sedutores quanto desqualificativos não só conseguiremos ser razoavelmente inacessíveis a sentimentos simétricos de adulação ou de fúria, senão que conseguiremos também divertir-nos e considerar "os adversários" com autêntica admiração, respeito e simpatia. Basta adquirir o espírito do jogo, aplicar-se para chegar a converter-se em "experts" nele, não subestimar jamais o adversário, estar disposto a perder sem enojar nem com nós mesmos nem com os companheiros de jogo e sobretudo considerá-lo divertido. Isto equivale ao paradoxo: a única maneira de amar nossos pacientes era não amá-los, ou melhor, amá-los em sentido metafísico.
Ilustra com um caso de esposos Luis e Yolanda e seus filhos Bruno com diagnóstico de autismo e Chicco, aparentemente saudável. A intervenção aconteceu na décima e última sessão pois a equipe tinha dificuldades de compreender que as intrincadas relações tinham por objeto confundir e obscurecer o problema central: a relação entre esposos. A prescrição foi a leitura de uma carta cujo conteúdo visava delimitar, finalmente, a família nuclear como diferente da família extensa, com seus próprios problemas de relação. Visto que a proibição vigente, no casal, era definir a relação, a desconfirmação usada pelos cônjuges, a prescrição foi a desconfirmação tendo cuidado de conotá-la positivamente.
Jogar "a la esquizofrênica" não significa o mais friamente possível, com uma atitude cínica, de distância e de insensibilidade para com o sofrimento, mas que jogamos contra o jogo e não contra suas vítimas.

Cap.15- O problema das coalisões negadas.
Trata-se ao fenômeno da confusão e cancelamento da barreira intergeracional, com a conseqüente perversão dos papéis e as coalisões secretas e negadas entre os membros de gerações diversas. Haley tem falado de triângulos perversos na família nuclear e entre esta e a família extensa.
"a) as pessoas que integram o triângulo não são pares senão que uma delas pertence a uma geração distinta. Por geração se entende um nível diferente na hierarquia de poder, como na geração humana entre pai e filho, ou em uma hierarquia administrativa, entre o dirigente e o dependente.
b) no processo interativo a pessoa pertencente a uma geração forma uma coalisão com a pessoa de outra geração contra o próprio par. Mediante o termo coalisão se entende um processo de ação conjunta contra a terceira pessoa (diferente da aliança, na qual duas pessoas se podem unir em um interesse comum independentemente de uma terceira pessoa).
c) a coalisão entre as pessoas é negada. Vale dizer que existe um determinado comportamento que indica uma coalisão que, ao ser indagada, será negada como tal. Em termos mais formais, o comportamento que a um certo nível indica a existência de uma coalisão é qualificado por um comportamento meta-comunicativo que indica a ausência dessa coalisão".
A intervenção tem que ser rigorosamente global e sistêmica para que provoque mudanças e por conseguinte resulte terapêutica. Deve abarcar toda família, evitando cuidadosamente demarcações moralistas entre os diversos membros ou as diversas facções. As coalisões perversas são conotadas como positivas em sua intencionalidade honesta e afetiva, quando se põem em evid6encia ali, ainda que seja em forma alusiva. Não são explicitamente rescritas. Os terapeutas se limitam a sua constatação e o comentário, elaborando-o de tal modo que resulte intoleravelmente paradoxal.
O caso ilustrado é de Sofia que assumiu o papel de pai ancestral, autoritário, que assumia o controle das mulheres, numa coalisão negada mãe - Sofia.

Cap.16- Os terapeutas declaram a própria impotência sem reprovar nada
É necessário incluir no próprio arsenal uma intervenção aparentemente oposta ao tipo ativo-prescritivo e paradoxal: a declaração de impotência dos terapeutas.
Algumas famílias respondem as intervenções terapêuticas com mudanças rápidas; outras, que parecem confirmar em seu momento a validade da intervenção, voltam a sessão seguinte imodificadas, por haver desqualificado e esquecido totalmente o comentário dos terapeutas ou por haver encontrado alguma hábil escapatória a uma prescrição que parecia acertada. A contrariedade estimula os terapeutas a ser mais zelosos em seu esforço por criar intervenções cada vez mais poderosas as quais a família continuará reagindo de modo idêntico, permanecendo imodificada. Entra-se assim num jogo sem fim, no qual é difícil decidir se havia sido a família quem induziu o terapeuta à escalação simétrica ou se havia sido o cuidado ou a "hybris"
dos terapeutas.
O que resta por fazer é não insistir. Há que mudar a própria posição na relação, ou seja, a definição da relação, declarando honestamente a própria impotência. Quando se faz esta declaração de impotência , é fundamental evitar toda reprovação à família, o que equivaleria a um posterior e infeliz intento de definir-se superiores.
Deve-se dizer que apesar da voluntária colaboração da família, que fez todo o possível para ajudar-nos, nos encontramos esta vez confusos e incapazes de termos uma idéia clara e prestar ajuda. O tom será aquele que corresponde a quem lhe desgosta constatar a própria incapacidade para fazer o que queria e o que se está pedindo que faça.
Fazemos uma pausa de "suspenso", fixamos o fechamento da próxima sessão e cobramos nossos honorários. Produz grande impacto em famílias habituadas a receber comentários ou prescrições ao final de cada sessão.
O temor de perder tão grandes adversários empurra a família imediatamente a realizar qualquer coisa a fim de que o jogo não termine. Também para este tipo de família o tempo é fundamental. Quando a família apresenta os sinais premonitórios de uma mudança que a assusta e a empurra a reagir de modo desqualificativo é o momento talvez mais adequado de declarar-se impotente.
Quando os terapeutas se definem como impotentes, fazem uma coisa importante: se definem na relação, implicitamente simétrica, como complementares. Mas ao definir-se complementares por própria incapacidade e não por culpa da família, em realidade não o são, porquanto retomam em suas mãos o controle da situação. O ato de fixar a próxima entrevista , assim como de cobrar honorários comunica uma segurança profissional completamente em contraste com a declaração de impotência. Não fixá-la seria um grave erro. Equivaleria a uma comunicação punitiva a respeito dos clientes, ou bem uma comunicação depressiva a respeito de si mesmo. Ademais, fixar sem comentários a entrevista seguinte faz que a família que conhece bem a própria ação sabotadora, faça-se responsável pela sessão sucessiva, e portanto pela continuação do jogo, ao campo de batalha.
Outra tática terapêutica semelhante consiste em explorar a regra peculiar do jogo da família: não há que permitir de nenhuma maneira que o parceiro adversário se afrouxe, mantendo-o acelerado, concedendo-lhe algo em momento oportuno. Serve de exemplo uma família anoréxica, cujo paciente designado Giulio foi prescrito para continuar a ser anoréxico até a próxima sessão dali a um mês.


 

Nome do autor da resenha e data: Cleia Mara Perez - março/2000.