Resenha de Livro |
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Nome do Livro: |
Paradoxo e contraparadoxo |
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Autor do Livro: |
M. Selvini Palazzoli, L. Boscolo, G. Cecchin, G. Prata |
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Editora, ano de publicação: |
A.C.E. Buenos Aires - Argentina |
Relação dos capítulos
Introdução
Cap.2- Modalidade do trabalho de equipe
Cap.3- A junta e a família com transação esquizofrênica
Cap.4- O paciente designado
Cap.5- As intervenções terapêuticas como aprendizagem por
ensaio e erro
Cap.6- A tirania do condicionamento lingüístico
Cap.7- A conotação positiva
Cap.8- A prescrição na primeira sessão
Cap.9- Os rituais familiares
Cap.10- Da rivalidade com o irmão ao sacrifício por ajudá-lo
Cap.11- Os terapeutas se encarregam do dilema da relação entre
pais e filho
Cap.12- Os terapeutas aceitam sem objeções uma melhora suspeita
Cap.13- Como recuperar os ausentes
Cap.14- Como iludir a desconfirmação
Cap.15- O problema das coalisões negadas
Cap.16- Os terapeutas declaram a própria impotência sem reprovar
nada
Apanhado resumido sobre cada capítulo
Introdução
Os autores propõem demonstrar a validade da hipótese básica
dos modelos que oferecem a Cibernética e a Pragmática da comunicação
humana: a família é um sistema auto-corretivo, autogovernado por
regras que se constituem no tempo através de ensaios e erros.
Estas regras se referem aos intercâmbios que acontecem no grupo natural
e que têm o caráter de comunicações tanto verbal
quanto não verbal. O primeiro axioma da Pragmática da comunicação
humana afirma que toda conduta é uma comunicação que, por
sua vez, não pode deixar de provocar uma resposta, resposta que consiste
em outra conduta - comunicação.
Seguindo estas hipóteses se chega a outra: as famílias que apresentam
condutas tradicionalmente diagnosticadas como patológicas em um ou mais
membros se regem por um tipo de relações, de normas, peculiares
deste tipo de patologia e tanto as condutas - comunicações como
as condutas - respostas têm características tais que permitem manter
as regras e portanto as relações patológicas.
Visto que as condutas sintomáticas não são senão
parte das relações peculiares deste sistema, não resta
outra alternativa para poder influir sobre os sintomas no sentido de mudança
que tentar mudar as regras.
Os resultados têm demonstrado que quando se consegue descobrir e mudar
uma regra fundamental se pode obter rapidamente o desaparecimento do comportamento
patológico.
Pela Teoria Geral de Sistemas sabemos que cada sistema vivo se caracteriza por
duas funções aparentemente contraditórias: a tendência
homeostática e a capacidade de transformação, mediante
cujo interjogo o sistema mantém um equilíbrio sempre provisório,
que garante sua evolução e sua criatividade, sem as quais não
há vida. Nos sistemas patológicos a mudança parece uma
tendência mais rígida, de repetir compulsivamente as soluções
memorizadas ao serviço da homeostase.
A mudança consistiria no abandono da visão mecanicista-causal
dos fenômenos que tem dominado a ciência até há pouco
tempo para adquirir uma visão sistêmica. Isto significa que o terapeuta
deve ser capaz de considerar os membros da família como elementos de
um circuito de interação e sem poder unidirecional algum sobre
o conjunto. A conduta de um membro da família influi inevitavelmente
sobre a dos outros membros e é epistemologicamente errôneo considerar
seu comportamento como a causa do comportamento dos demais. Isto é devido
ao fato de que cada membro influi sobre os outros e é por sua vez influenciado
pelos demais. Atua sobre o sistema porém é influenciado pelas
comunicações que provém do mesmo sistema.
Sabemos que estas convicções são errôneas porque
o poder não pertence nem a um nem a outro. O poder encontra-se nas regras
do jogo estabelecidas no tempo e no contexto pragmático daqueles que
estão envolvidos.
Como afirmou Russell em Principia Mathematica, "a lógica tradicional
se equivocou completamente ao crer que existia uma só forma de proposição
simples: a que atribui um predicado a um sujeito. Esta é a forma adequada
para assinalar uma qualidade a uma coisa determinada. Podemos dizer, isto é
redondo, é rosa e assim sucessivamente. Porém, se dizemos isto
é maior que aquilo, não só assinalamos uma qualidade mas
também falamos de uma relação entre isto e aquilo. Por
isto as proposições que estabelecem uma certa relação
entre os objetos têm uma forma diferente das proposições
sujeito-predicado. Não foi possível compreender esta diferença
ou não se teria dado origem a numerosos erros na metafísica tradicional.
Ter a convicção inconsciente de que todas as proposições
são da forma sujeito-predicado, isto é, que cada fato consiste
em algo que tem alguma propriedade tem sido o grande motivo de que grande parte
dos filósofos não foram capazes de dar uma explicação
do mundo da ciência e da vida cotidiana".
Com o objetivo de sistematizar conhecimentos existentes no estudo da comunicação,
Watzawick, Beavin e Jackson publicaram em l967, um livro, Pragmática
da comunicação humana, a ciência dos modos que cada pessoa
influi sobre os outros mediante o caráter da mensagem de seu próprio
comportamento (ou seja, os modos que cada um confirma, desqualifica ou desconfirma
ao outro em relação a ele próprio. O aspecto fundamental
da obra consiste em oferecer-nos instrumentos adequados para a análise
da comunicação, que são: o conceito do contexto como matriz
dos significados, coexistência no homem das linguagens, a analógica
e a digital; a noção de seqüência na interação;
o conceito de necessidade de definição da relação
e os diferentes níveis verbais e não verbais sobre o que pode
resultar tal definição; a noção de posição
simétrica ou complementar no vínculo; as noções
fundamentais de paradoxo sintomático e paradoxo terapêutico.
Cap.2- Modalidade do trabalho de equipe
Esta equipe se compõe dos autores desta obra, dois homens e duas mulheres,
psiquiatras psicoterapeutas. Tal composição permite uma junta,
uma dupla heterossexual no trabalho terapêutico, normalmente secundada
pela junta de colegas presentes na câmara de observação.
O uso da dupla terapêutica heterossexual é outro aspecto importante
do trabalho desta equipe, pois permite sobretudo, um maior equilíbrio
"fisiológico" na interação entre os co-terapeutas
e entre estes e a família; algumas redundâncias da interação
inicial da família com um ou outro dos terapeutas ajudam a intuir certas
regras do jogo familiar; evita que se caia em redes de certos estereótipos
culturais sobre os dois sexos, de que os terapeutas participam inevitavelmente.
As equipes são móveis, podendo cada profissional atuar como terapeuta
ou observador, sendo que nas famílias com transação esquizofrênica,
é de suma importância, dispor de um observador permanente, quando
o profissional experiente atua sozinho.
O primeiro contato com a família se realiza telefonicamente e permite
observar uma grande número de fenômenos: peculiaridade da comunicação,
tom de voz, lamentos, pedidos de toda sorte de informações, intenções
imediatas de manipulação para obter a entrevista em determinados
dias e horas, operando uma inversão das regras, como se fossem os terapeutas
quem buscaram a família.
A condescendência, com relação a um pedido banal e aparentemente
razoável da família, pode invalidar o a lista e o contexto terapêutico.
Salvo em casos muito especiais, consideram que é errôneo conceder
uma entrevista de urgência. Descartam igualmente os intentos de alguns
pais de obter um colóquio preliminar na ausência do paciente designado,
com exceção de casos de pais de filhos muito pequenos ou de filhos
um pouco maiores traumatizados por precedentes experiências traumáticas
negativas. Nestes casos, recebe-se os pais na primeira sessão, para decidir
se existe a possibilidade de obter resultado mediante terapia de casal.
Com um paciente de diagnóstico esquizofrênico, a primeira sessão
implica na presença de todos os que convivem.
Sugerem um modelo de ficha para obter os dados do primeiro telefonema:
Nome, idade, escolaridade, profissão do pai, da mãe, dos filhos
por ordem de idade, outros membros do convívio eventual e seu grau de
parentesco, dados do casamento
Problema, nome de quem telefona
Indicação de quem, informações de quem indica,
Endereço, telefone
Observações
Cada sessão se desenvolve regularmente em cinco partes: a pré-sessão,
a sessão, o diálogo da sessão( em sal indicada para tal
fim), a conclusão da sessão( de volta com a família para
um breve comentário e prescrição ou ritual, continuidade
do tratamento, acordo de honorários e fixação de número
de sessões) e a ata da sessão.
O comportamento dos terapeutas tende a provocar interações entre
os membros da família, de quem observam os comportamentos verbais e não
verbais e as eventuais redundâncias indicativas de regras secretas. Os
terapeutas se abstêm, tanto de revelar à família os fenômenos
observados, como de emitir valores e julgamentos. Retêm tudo para si,
como guia para a intervenção final.
Em geral a média costuma ser de dez sessões, pela convicção
de que ou se consegue mudança rapidamente ou se perde o trem e com intervalos
mais longos pois resultam ser mais eficazes.
Estes procedimentos requerem uma equipe que funcione harmoniosamente.
Cap.3- O casal e a família com transação esquizofrênica
O princípio era a relação e a necessidade de defini-la.
Jay Haley em A Família do esquizofrênico: o modelo sistêmico
foi o primeiro a evidenciar o rechaço peculiar que todo membro deste
tipo de família tem, para admitir tanto que os outros delimitem seu comportamento
(isto é, definam a relação) como que ele mesmo delimite
o comportamento dos outros. A modalidade dominante é o rechaço
que cada um dos parceiros opõem à definição que
o outro dá sobre a relação. É evidente que para
cada um dos interlocutores o rechaço do outro é uma estocada,
que não é tão insuportável. É má,
está prevista e serve como estímulo para dirigir um contragolpe.
Cada um se oferece ao outro e avança tenazmente na escalada dos rechaços
e das redefinições. O jogo pode continuar ad infinitum, porém
pode expor também ao risco de ruptura: a violência física,
assassinato, o abandono de campo por parte de um dos interlocutores e em conseqüência,
a perda do adversário e do próprio jogo. Exatamente o que a família
com transação esquizofrênica não pode suportar.
Como aprender a viver junto, precisamente como conviver não é
senão uma série de ensaios e erros através dos quais eles
aprenderam a aprender.
Segundo a afirmação de Bowen, são necessárias pelo
menos três gerações para obter uma esquizofrênico
e nas famílias de origem as soluções encontradas ao problema
de como viver se manifesta mediante normas rígidas e repetitivas e na
segunda geração se observa outra disfunção fundamental:
a cautela em expor-se por medo a expor-se ao rechaço. Cada um parte com
enorme desejo de receber uma confirmação, desejo tanto mais intenso
quanto mais cronicamente insatisfeito. Nestas famílias de origem a luta
pela definição da relação, característica
do ser humano, é tão exasperada que os pais da primeira geração
se comportaram como se ao dar uma confirmação fosse um sinal de
debilidade. Em outras palavras, se alguém faz bem algo, pretende ser
confirmado, aprovado. Neste caso confirmá-lo seria ceder ao seu desejo,
seria uma perda de prestígio, de autoridade. Para manter tal autoridade
será necessário, portanto, não dar nunca confirmação
e responder sempre por argumentos evasivos: sim... porém... se podia
fazer melhor...
Bateson fala da "pretensão de conseguir" á custa de
morrer, característica humana que poderia ser "hybris", a tensão
simétrica exasperada ao ponto de não render-se ante a evidência,
incluindo a iminência da morte. Desta forma cada membro da dupla, do casalr
escolhe um parceiro "difícil". É assim como cada um
quer repetir o desafio e como cada um pretende triunfar. Cada um anseia conquistar
o controle da definição da relação. Porém
cada vez que o tenta volta a sentir o temido fracasso. Neste ponto da "hybris"
longe de redimensionar-se, aumenta: falar se converte em algo insuportável.
É necessário evitá-lo a todo custo, preveni-lo a todo custo.
Como consegui-lo? Só há uma maneira: desqualificando a própria
definição da relação, rapidamente, antes que o outro
o faça. Prevenir o golpe insuportável. Desenvolve-se assim um
grande jogo, configuram-se as regras secretas. A mensagem se faz sempre mais
crítica, para evitar expor-se. Aprende-se a evitar as contradições
lógicas manifestas. Tornam-se experientes no uso de paradoxos, aproveitando
as possibilidades específicas do homem: comunicar-se contemporaneamente
em diversos níveis: verbais e não verbais. A desqualificação
sobre alguns ou sobre todos os componentes da mensagem, tangencialidade, deslocamentos
do tema, amnésias e a manobra suprema, a desconfirmação.
A desconfirmação é um tipo de resposta à definição
que o outro tenta dar de si na relação. Esta definição
não é uma confirmação, nem sequer um rechaço.
É uma resposta crítica, incongruente, que contém, substancialmente
a seguinte mensagem: "não dou conta de você, você não
está, não existe". Há outra modalidade: "eu não
estou, não existo na relação com você". Como
comunicar-se, como tocar alguém que não está? Ou inversamente,
como estar na relação com alguém que não está?
Ao buscar táticas para dissolver as transações esquizofrênicas,
percebemos crenças equivocadas provenientes de nosso preparo profissional.
Como psicoterapeutas nos ensinaram a conferir grande importância ao que
chamamos sentimentos. Vendo uma pessoa deprimida ou alegre, costumávamos
pensar: este é alegre, aquele é deprimido, por que será?
Havíamo-nos condicionado ao modelo lingüístico, segundo o
qual o predicado que atribuímos a um sujeito seria uma qualidade inerente
a ele, pelo menos num momento em que fazemos a atribuição e não
uma função no vínculo.
Desta forma ao passarmos do modelo individual para o sistêmico tivemos
que abandonar o uso do verbo ser para parecer. A nos concentrarmos em observar
os efeitos que certo comportamento exercia sobre os outros e sobre nós
mesmos. Observamos como o abandono do verbo ser para mostrar efetuada na formulação
de um recente resumo de sessão chega a configurar por um jogo familiar.
Cada um dos pais competidores ameaça ao outro com o movimento de um rival
(obviamente interno do grupo). Os supostos rivais, por sua vez, efetuam jogadas
contrárias, essenciais para o jogo, cuja perpetuação se
apoia na ambigüidade: não podem ser nem aliados nem adversários,
nem vencidos nem vencedores, porque senão, o jogo termina. A perpetuação
do jogo protege a homeostase do grupo. Jogo esquizofrênico e homeostase
são aqui sinônimos enquanto que o mascaramento, a ambigüidade
e os movimentos são essenciais para manter o status quo
Porém, qual é verdadeiramente o perigo? Os dois parceiros, o pseudo-fugitivo
e o pseudo-estável, são igualmente inseparáveis, vítimas
e cúmplices de um mesmo jogo, unidos por um mesmo medo: não é
de perder ao outro como pessoa, porém como companheiro de jogo. A hybris
simétrica é de que o oculta presunção compartilhada
por cada um, de poder, algum dia, conquistar o controle unilateral na definição
da relação. Presunção equivocada, enquanto está
baseada em uma epistemologia errada, inerente ao condicionamento lingüístico
linear. Por certo ninguém pode ter o controle linear numa interação
que de fato é circular. Neste sentido, se o interlocutor não aceita
de bom grado que sua posição na relação seja definida
como complementar, poderá sempre assinalar ao outro, mediante metaníveis
comunicacionais, que sua superioridade verdadeiramente não é tal.
Por exemplo, num combate entre lobos, o mais débil, para mostrar sua
decisão de render-se, recorre a comportamentos de cachorro e se observa
no mais forte o cessar imediato do comportamento agressivo. Assim, a transação
encerra sem ambigüidades.
A condição sine qua non do jogo exclusivamente humano da transação
esquizofrênica é que realmente não haja vencidos nem vencedores
de acordo com as posições no vínculo, que são sempre
ou pseudo- complementares ou pseudo-simétricas.
Um jogo deste tipo não ter fim, já que o resultado seria indefinível:
quem venceu talvez tenha perdido e quem perdeu talvez tenha vencido. O desafio
está sempre ali. Cada um se esmera em provocar o adversário com
uma série de táticas que vão se aperfeiçoando com
o uso. A depressão, será uma destas táticas.
No contexto de todo exposto, poderia se considerar que o duplo vínculo
descrito por Bateson e colaboradores como produzido com freqüência
nas famílias com transação esquizofrênica é
uma modalidade comunicacional apta para transmitir e manter um desafio sem alternativas
e portanto sem fim.
A modalidade comunicacional pode ser sintetizada assim: no nível verbal
se dá uma indicação que a continuação, no
segundo nível, quase sempre não verbal, é desqualificada.
Contemporaneamente se agrega a mensagem que está proibido fazer comentários,
ou seja, metacomunicar-se sobre a incongruência dos dois níveis
e que está proibido deixar o campo. Uma indicação deste
tipo obviamente não permite ao receptor ocupar a posição
complementar, ou seja, a obediência à indicação,
enquanto não está claro qual é a verdadeira indicação.
Tampouco lhe está permitido por-se em posição simétrica
ou seja, desobedecer, porquanto não está claro qual é a
verdadeira indicação contra a qual rebelar-se. A proibição
de metacomunicar como de deixar o campo estão já implícitas
na impossibilidade de assumir uma posição definível na
interação: ou simétrica ou complementar. Somente uma posição
bem definida permite já a metacomunicação ou o abandono
do campo, ou seja, a redefinição da relação.
Só é possível redefinir uma relação logo
que tal relação haja sido claramente definida. Bateson demonstra
no ensaio A cibernética do eu, uma teoria do alcoolismo. O peso fundamental
do alcoolista na cura consiste em reconhecer-se definitiva e inequivocamente
como mais fraco que a bebida. Para admitir deve chegar ao fundo do poço.
Sua sentença humilhante é de que será sempre um alcoolista.
Mas se assim não admite, volta a provar. Bateson no fim do ensaio pergunta,
"em certo sentido, é a complementariedade sempre melhor que a simetria?
Os autores pensam que entre ambos, não existe algo melhor ou pior. O
que resulta essencial para que a relação interpessoal não
seja psicótica, é a clareza inequívoca e reciprocamente
aceita de sua própria definição e como temos visto, é
o que está proibido na transação esquizofrênica.
Cap.4- O paciente designado
Como representamos então o comportamento designado como esquizofrênico,
dentro do ciclo evolutivo desse particular jogo paradoxal que é característico
do grupo natural donde em um determinado momento aquele se verifica?
Nem mais nem menos que como a enésima jogada, realizada por um membro
do grupo, cujo efeito pragmático é um reforço ulterior
do jogo. É uma partida, cujos jogadores se propõem prevalecer,
mantendo-se dentro de um jogo cuja regra de ouro é a proibição
de prevalecer (e reciprocamente de sucumbir). Porém onde portanto se
concede e encobertamente se sugere (por turno, para não desanimar) a
possibilidade de crer que se haja estabelecido, sempre que se creia no segredo
e sem que seja possível demonstrá-lo. Uma partida interminável,
agora que os participantes (prisioneiros da hybris "de tanto jogar tenham
oportunidade de prevalecer", porém submetidos ao mesmo tempo a proibição
de declarar que se querem em verdade prevalecer ou que em verdade se hajam prevalecido)
estão submetidos a uma tensão extrema para salvaguardar a possibilidade
perene de voltar a intentar.
Como a partida entre o alcoolista e a bebida com a diferença de que entre
parceiros a interação é circular. Qualquer um pode responder
ao desafio com outro desafio, à jogada com outra jogada, até mesmo
ameaçar acabar com o jogo. Esta jogada, cuja força potentíssima
surge do terror compartilhado de que o jogo pode cessar, pode resultar tão
inverossímil que seja necessário em alguns casos um contragolpe
mais potente: aquele de quem comunica que a relação está
insustentável a tal ponto que ele está se alienando. Como a relação
é insustentável, impõe ao grupo uma mudança radical.
Porém, mudança em quem? Obviamente nos outro, segundo o estilo
de transação esquizofrênica.
A mensagem esquizofrênica: "não é que você deva
fazer algo diferente - deve ser o que não é- só assim pode
ajudar-me a ser o que não sou, porém podia ser, se você
fosse o que não é" e a mensagem paradoxal de quem se fez
mestre num contexto de aprendizagem cujos membros, se bem que evitando por todos
os meios definir a relação, comunicam continuamente aos outros
o pedido paradoxal de mudar uma definição da relação
que não foi nunca definida.
Nestas famílias, como Haley observou, cada um não só se
encontra continuamente confrontado com níveis conflitivos em um mesma
mensagem, senão que também encontra que a própria resposta
é sempre de algum modo qualificada por algum outro como "equivocada",
ou melhor ainda, "não exatamente ajustada".
Todos, em síntese, têm sentido sempre que se lhes comunicava que
haviam feito algo que não era o exatamente justo, senão que, não
se lhes havia dito nunca, explicitamente, que era o que deviam fazer para fazer
o apropriado.
A mensagem esquizofrênica leva então o paradoxo ao extremo, ao
impossível absoluto através da genial substituição
do fazer pelo ser. "Não é que não faça como
deveria fazer... é que não é como deveria ser ..."(onde
o como, obviamente, permanece indefinido).
Pela Teoria Geral de Sistemas e pela Cibernética, sabemos que o mecanismo
auto-corretivo a serviço da homeostase de um sistema é a reação
negativa. "Há alguém que mostra que invoca uma mudança".
"O efeito desta invocação mostrada é a ausência
de mudança". A mudança é sentida como ameaça,
ao que o sistema reage negativamente com posterior rigidez.
Podemos observar que ao que todos obedecem são às regras do jogo.
E que o jogo se perpetua através de ameaças e contra-ameaças,
entre as que figuram uma potentíssima: que ninguém se separe e
deixe o campo.
Para compreender o jogo deve-se limitar a observar tudo que aparece nas famílias,
só como efeito pragmático de jogadas que, sua vez, provocam outras
contra-jogadas a serviço do jogo e de sua perpetuação.
Considerar "jogadas" a hostilidade, a ternura, a frieza, a depressão,
a ineficiência, a insensatez, a angústia, o pedido de ajuda e,
de acordo com ele aquela mais vistosa e mais verossímil em termo de realidade"
a invocação à mudança por parte do paciente designado.
A declaração de culpa é outra "jogada" a serviço
da oculta escalação simétrica vigente no sistema.
Constataram que nenhuma das mães de filhos psicóticos havia estado
disposta a aceitar a declaração de que seu filho não era
vítima de nada, que espontaneamente, sem que lhe houvessem pedido, havia
assumido a generosa tarefa de sacrificar-se a si mesmo para ajudar a todos no
que presumia que eram suas necessidades profundas e, como se verá em
capítulos seguintes, esta declaração é um tombo
arbitrário da pontuação, operado pelos terapeutas, como
tática intermediária para por em marcha um tombo total da epistemologia
familiar produzida pela direção sistêmica. Voltando as nossas
considerações, a mãe desqualifica de imediato esta declaração,
tratando de reconquistar a posição simétrica (respeito
dos terapeutas e do filho), voltando a se a definir como uma mãe culpada.
Assim, entre errônea convicção de poder e errônea
convicção de culpa, todos permanecem no jogo e o servem em seus
papéis de vítimas cúmplices.
Já que a premissa simétrica que está dentro de cada homem,
está também dentro dos que querem mudá-lo.
Quem tem mais poder (em definir uma relação como indefinível?)
O esquizofrênico?
Os que podem mudá-lo ao ponto de sentir-se culpados se não o conseguem?
Os que não ajudam a quem podem mudá-lo? Etc., etc...
Assim, na escalada paradoxal entre falsas crenças de poder e falsas crenças
de culpa, se reconstroem os parâmetros, as regras, as modalidades comunicacionais,
as coalisões negadas, as lutas entre facções e contra-facções
que taticamente reconstroem o idêntico jogo familiar.
Cap.5- As intervenções terapêuticas como aprendizagem por
ensaio e erro
Os erros não são senão um componente essencial deste processo
de aprendizagem que é a terapia de família e especialmente, daquela
que estabelece relações esquizofrênicas.
O exemplo é o da rata, no labirinto buscando a saída. Ela aprende
com os erros. Neste sentido, o erro não é propriamente um erro.
É todo uno com o ensaio; o erro é, portanto, provocar uma informação
apta para induzir certa mudança no comportamento da rata, com redução
de seu gasto energético. O verdadeiro erro, como entendemos comumente,
se configura somente quando não se toma em conta a informação
obtida e se persiste em um mesmo comportamento. Por conseguinte, a persistência
no erro anula a possibilidade de aprendizagem.
Os terapeutas, imersos no labirinto familiar, conseguem rara vez provocar e
captar de cara um número de reações suficientes para debelar
o ponto nodal, que coincide com o ponto de máxima resistência do
sistema à mudança.
Certas portas podem nos levar ao Minotauro ou desembocar em tobogãs que
conduzam a vias mortas, sendo necessário mover-se com cautela, desenvolver
grande sensibilidade a reações para não persistir em erros,
despojar-se de todo orgulho. Todavia o que permanece invariável é
que os únicos pontos fixos são as redundâncias da sessão.
Os teóricos de sistemas têm falado de ps, como daquele ponto nodal
sobre o que converge o máximo coeficiente de funções essenciais
para a própria manutenção de um dado sistema. Definem a
ps como o ponto, mudando o qual se consegue uma máxima transformação
do sistema com um mínimo de dispêndio energético.
Trabalhando num lapso determinado com largos intervalos e sempre com a atenção
centrada nas reações da família, tem-se a sensação
de avançar por estratos, quase de modo concêntrico, dos pontos
marginais fazia o ponto nodal, operando sobre o qual se consegue a transformação
maior. Rabkin declarou sobre a confrontação com o modelo energético:
em lugar de uma fatigante aproximação mecanicista (que implica
necessariamente em grande gasto de energia) pode-se desenvolver uma nova profissão
dentro da teoria geral dos sistemas pela qual se consiga que as coisas sucedam
por transformação, em vez de que ocorram por um "duro trabalho".
As transformações, agrega, são mudanças que devem
ser provocadas de improviso. Isto é difícil.
Cap.6- A tirania do condicionamento lingüístico
O maior obstáculo a enfrentar na abordagem de família estava dentro
de nós mesmos e dizia respeito ao inevitável condicionamento lingüístico.
Os ensaios de Bateson Passos para ecologia da mente e o ensaio de Harley Shands
A guerra com palavras contribuiram para esta tomada de consciência, de
inventar uma metodologia terapêutica adequada, ensinando a comunicar de
maneira funcional.
A linguagem é linear, enquanto que a realidade é circular. A absoluta
incompatibilidade dos sistemas primários em que vive o ser humano: o
sistema vivo, dinâmico e circular, e o sistema simbólico (linguagem),
descritivo, estático e linear. A espécie humana para transmitir
cultura tem integrado as modalidades comunicacionais completamente diferentes:
a analógica e a digital. Sendo a linguagem descritiva e linear, estamos
obrigados para descrever uma interação a produzir dicotomias,
um antes e um depois, um sujeito e um objeto, no sentido de quem realiza a ação
e quem a sofre, importa um postulado de causa e efeito e, por conseguinte, um
definição moralista. O moralismo é intrínseco da
linguagem, porque o modelo lingüístico é linear.
No modelo circular, os comportamentos não são senão funções
complementares de um mesmo jogo.
Sintetizamos os mais significativos:
a) conceitualizar a realidade vivente da família em sentido linear e
não sistêmico-circular;
b) julgar as modalidades comunicacionais da família como "equivocadas"
em relação as nossas; assinalá-las por onde como tais e
tratar de "corrigi-las";
c) fundamentar-se prevalentemente no emprego de código digital (precisamente
enquanto ao nível de conteúdo dos membros) com a intenção
de atuar terapeuticamente sobre a família.
Cap.7- A conotação positiva
A conotação positiva foi inspirada inicialmente para chegar sem
contradições a uma intervenção terapêutica
paradoxal: a prescrição do sintoma ao paciente designado.
Conotar positivamente tanto o sintoma do paciente designado como os comportamentos
sintomáticos dos outros membros dizendo por exemplo: que todos os comportamentos
observados aparecem inspirados pelo desejo comum de manter a união e
a coesão do grupo familiar.
A função primária da conotação positiva (de
confirmação) de todos os comportamentos observados no grupo aparece
como a que pode facilitar aos terapeutas o acesso ao modelo sistêmico.
Todo sistema vivo comporta três características fundamentais:
a) totalidade (o sistema é amplamente independente das características
individuais dos elementos que o compõem)
b) capacidade auto-corretiva e portanto tendência homeostática
c) capacidade de transformação
d) Implicando com um julgamento crítico que o sistema deve mudar, se
rechaça aquele sistema caracterizado por uma tendência homeostática
predominante.
Em um sistema vivo não pode existir tendência homeostática
sem capacidade de transformação, nem capacidade de transformação
sem uma tendência homeostática. A combinação de ambas
transcorre circularmente segundo um continuum substituindo o modelo linear de
ou/ ou pelo circular de mais ou menos já que na ética sistêmica
não se dão antinomias.
Como observa Shands, o homem busca um estado impossível de relações
invariáveis: "um objetivo ideal" de configurar seu universo
interior como completamente independente de constatações empíricas.
A família em crise, que nos pede terapia, participa deste objetivo ideal
e não nos consultaria se fossem presa do medo de que sua estabilidade
e seu equilíbrio tenazmente perseguidos estão em perigo.
Para provar e confirmar o comportamento de todos os membros da família
enquanto intencionalmente homeostáticos, devemos servir-nos da linguagem.
As expressões de aprovação que usamos importam o emprego
de predicados moralistas exatamente como se usássemos expressões
de desaprovação.
Quando qualificamos como positivos, ou seja bons, os comportamentos 'sintomáticos"
motivados pela tendência homeostática, o que de fato conotamos
positivamente é a tendência homeostática do sistema e não
as pessoas. Assim se respeita o primeiro caráter fundamental de todo
sistema vivo: a totalidade.
A regra das regras da família com transação esquizofrênica
é a proibição de definir a relação. É
como se a família metacomunicasse aos terapeutas uma convicção
normativa: só podemos continuar juntos se não definirmos jamais
a relação. E não definir a relação é
essencial para a estabilidade de nosso sistema.
O paciente designado obedece, neste sentido, a regra das regras.
Num alto nível de abstração, uma relação
definida como indefinível é definida como insustentável.
Neste sentido o paciente designado ameaça violar a regra das regras.
Diante do perigo a família solicita a psiquiatria tradicional, medicamentos,
a restauração do equilíbrio preexistente a explosão
do sintoma.
Como opera nossa equipe?
Em primeiro lugar não fazem nenhuma distinção entre o sintoma
do paciente designado e os comportamentos "sintomáticos", ou
seja, a modalidade peculiar de comunicação compartilhada por todos
os membros da família. Os membros do grupo com interação
esquizofrênica comunicam desta maneira porque não querem ou porque
não sabem comunicar-se de outro modo? Trata-se de idêntica ilusão
de alternativas, como querer decidir se o paciente designado não quer
ou não pode comportar-se de forma distinta.
Os terapeutas sabem aqui que todos os membros da família se opõem
a qualquer mudança que resulte perigosa para seu "ideal homeostático"
e que portanto é necessário aliar-se a tal ideal.
Aqui é quando os terapeutas devem fazer exatamente o contrário
do que faz a família. Ignoram deliberadamente o aspecto alusivo e ameaçador
do sintoma no sentido de protesto e de invocação a mudança.
Na mudança sublinham e confirmam somente o aspecto homeostático.
Do mesmo modo confirmam os comportamentos dos outros membros da família
como tendentes ao mesmo objetivo: a estabilidade e a coesão do grupo.
A conotação positiva tem inclusive duas funções
terapêuticas importantes e interdependentes:
a) definir claramente a relação sem perigo de receber uma desqualificação;
b) ser uma definição de um tipo de contexto, enquanto o define
como terapêutico.
A família com interação esquizofrênica se serve da
linguagem digital em contrapartida com a analógica. Os modelos interacionais
destas famílias se caracterizam pelo esforço em não definir
a relação. Cada um recusa definir -se como aquele que define a
relação e portanto impõe aos outros regras de comportamento;
assim como recusa também a possibilidade de que os outros tenham direito
a definir a relação e portanto imponham regras a ele. Haley notou
que a família desqualifica todos os componentes da mensagem e outros
elementos unidos:
- Nenhum dos membros está verdadeiramente disposto a declarar uma liderança
no seio da família;
- Nenhum dos membros está disposto a aceitar verdadeiramente a crítica,
isto é, a responsabilidade do que vai mal.
A conotação positiva conserva uma série de mensagens:
l. Os terapeutas definem claramente a relação dos vários
membros da família entre si como complementar do sistema, ou seja, de
sua tendência homeostática e portanto, do jogo.
2. Os terapeutas definem claramente a relação família-terapeuta
como complementar enquanto eles declaram sua própria liderança,
mediante uma comunicação explícita ou mediante uma metacomunicação
global, que tem o caráter de uma confirmação.
Justamente por ser uma aprovação e não uma crítica
permite aos terapeutas evitar ser rechaçados como tais, além de
introduzir pela primeira vez na família a experiência nova de receber
uma confirmação explícita da autoridade.
Para concluir a conotação positiva nos permite:
l. Situar a todos os membros da família em um mesmo plano enquanto complementares
em relação ao sistema, sem conotá-lo em sentido moralista,
evitando trazer linhas arbitrárias de demarcação entre
uns e outros.
2. Aceder ao sistema mediante a confirmação de sua linha homeostática.
3. Ser recebidos no sistema como membros de pleno direito, enquanto animados
da mesma intencionalidade.
4. Conotar positivamente a tendência homeostática, para provocar,
paradoxalmente, a capacidade de transformação, enquanto a conotação
positiva abre o caminho para o paradoxo: como é possível que a
coesão do grupo que os terapeutas definem como tão boa e desejável
deva ser obtida ao preço de um "paciente"?
5. Definir claramente a relação no vínculo família
terapeutas.
6. Definir o contexto como terapêutico.
Cap.8- A prescrição na primeira sessão
Pode ser inócua para apontar vários objetivos:
l. Constituir uma marca de contexto terapêutico designando-o como tal;
2. Provocar na família uma reação que ilustre sobre a disponibilidade
e sobre a motivação da família com respeito a um eventual
tratamento;
3. Delimitar um campo de observação;
4. Estruturar e ordenar a sessão seguinte.
Quanto ao primeiro ponto, ou seja, a necessidade de designar o contexto como
terapêutico, é fundamental enquanto há resultado notório
para todos a habilidade exibida por tais famílias para desqualificar
o contexto enquanto terapêutico. Isto sucede tanto com famílias
sociáveis e charlatãs, que se apresentam à sessão
como se tratasse de uma festa, como com famílias reticentes e frias.
A experiência nos tem ensinado que mostrar a família tudo que sucede,
ou seja, metacomunicar sobre tais comportamentos de desqualificação,
produz somente como único efeito, manifestações de estupor,
negações e desqualificações. Ademais a conotação
crítico-moralista de tais comportamentos resultaria inevitável.
Umas prescrição simples e bem dosada, inspirada nas redundâncias
observadas na sessão, nos permite evitar a conotação crítico-moralista,
com a conseqüente desqualificação e redefinir a relação
como terapêutica.
Em outros casos e particularmente quando a família não está
motivada em absoluto para o tratamento, porém obrigada por quem a envia,
recorre-se a táticas mais completas e prescrições nada
inócuas, a fim de levar a família a uma situação
de crise
Esta é uma das jogadas terapêuticas mais difíceis onde o
terapeuta está mais exposto ao erro, sobretudo no que se refere a sua
justa dosagem e a possibilidade de incluir a todos os membros colocando-os num
mesmo nível.
As dificuldades da primeira sessão não são tão grandes
quando a família chega angustiada, em plena crise, e não especialmente
pressionada pelas insistentes recomendações de quem a envia. Nestes
casos é possível chegar na primeira sessão, à prescrição
do sintoma ao paciente designado com resultados surpreendentes, sempre e quando
se tenha cuidado de conotar positivamente o sintoma em sentido sistêmico,
pondo-se de lado a tendência homeostática.
Cap.9- Os rituais familiares
Podem ser para executar-se uma só vez ou rituais repetitivos. Ilustra
com a história dos Casanti ao longo de três gerações.
Na citação de Ferreira em Família, mito e homeostase, o
mito familiar expressa convicções compartilhadas que concernem
a todos os membros da família como a suas relações, convicções
que se devem aceitar a priori desafiando flagrantes falsificações.
O mito familiar prescreve os papéis e os atributos dos membros em suas
interações recíprocas, papéis e atributos, se bem
que falsos, são bem aceitos por cada um como coisa sagrada e tabu, que
nada ousa examinar e muito menos, desafiar.
Um membro individualmente pode saber, e algumas vezes sabe, que há muito
de falso nesta imagem, algo parecido à linha política de um partido.
Porém ainda quando existe, este conhecimento se reserva para si e se
esconde, a tal ponto, que o indivíduo, que mais sofre pelo mito, se oporá
com todas as forças à evidência, de modo que negando-se
a reconhecer sua existência, fará o possível por manter
intacto o mito familiar. O mito explica os comportamentos dos indivíduos
na família porém oculta os motivos.
O mito não é um produto diádico, senão coletivo,
ou melhor, é um fenômeno sistêmico, pedra angular para a
manutenção da homeostase do grupo que o produziu. Atua como espécie
de termostato que entra em funcionamento cada vez que as relações
familiares correm perigo de ruptura, desintegração e caos. Por
outro lado, o mito em seu conteúdo representa um alheamento grupal da
realidade, alheamento que podemos chamar "patologia". Porém,
contemporaneamente, constitui com sua existência, um fragmento de vida,
um pedaço de realidade que enfrenta, e desta maneira, modela aos filhos
que nascem nele.
Como definir um ritual familiar?
Trata-se de uma ação ou de uma série de ações,
combinadas geralmente com fórmulas ou expressões verbais, das
quais têm que participar todos os membros da família, para ser
eficaz. É necessário que todo ritual, seja preciso por todos os
terapeutas, em detalhes por escrito: a modalidade a que deve responder sua realização,
horário, eventual ritmo de repetição, quem deve pronunciar
as fórmulas verbais, com que seqüência, etc.
Um aspecto fundamental do rito familiar é acerca da abordagem da família
com interação esquizofrênica: como mudar as regras do jogo
e por conseguinte a epistemologia familiar, sem recorrer a explicações,
à crítica, em síntese, ao instrumento lingüístico.
Piaget mostrou o processo falando que a capacidade de realizar operações
concretas precede a capacidade de realizar operações formais;
a capacidade de "centrar" os processos perceptivos precede a capacidade
de "descentrar", onde se realizam operações abstratas.
A fase das operações concretas é premissa necessária
a fase das operações formais. Isto equivale a dizer que, para
chegar a um código digital é indispensável uma prévia
adaptação analógica. Uma vez que o indivíduo esteja
ao nível das operações formais, os dois processos, analógico
e digital, se integram e não é possível distingui-los senão
mediante um artifício lingüístico.
O rito familiar, justamente enquanto se propõe a nível de ação,
está bastante mais próximo ao código analógico que
ao digital. Cada rito se impõe (na passagem de signo a sinal e de sinal
a norma) por seu caráter normativo, isto é, pela exigência
de normatividade inerente a uma ação coletiva onde o comportamento
de todos tende a um único fim. A prescrição de um ritual
objetiva evitar o comentário verbal sobre as normas que perpetuam o jogo
em ação. O ritual familiar é a melhor prescrição
ritualizada de um jogo cujas normas novas tacitamente substituem as precedentes.
A invenção de um ritual requer esforço de observação
e criatividade por parte dos terapeutas.
Cap.10- Da rivalidade com o irmão ao sacrifício por ajudá-lo.
Trata-se de mudar rapidamente o rótulo de enfermo que leva o paciente
designado, a um ou mais irmãos e irmãs considerados sãos
pela família assinalando que o presumido enfermo é o único
que pode intuir na família, em que medida o outro se encontra em piores
condições que ele e necessita sua ajuda. Com isto se evita criticar
e culpar os pais. Declara-se admiração pela sensibilidade e intuição
do paciente designado e que, tal acobertamento resulta prejudicial para seu
autor pois impede de crescer e adquirir autonomia, visto que recebe toda atenção
e preocupação dos pais, nada fazendo por si mesmo. A família
sustenta a crença de membros sãos e inexplicavelmente um enfermo.
De fato, nas famílias a simetria encoberta entre os pais, se ramifica,
de modo encoberto à geração seguinte. Assim, a linha oculta
entre pseudo-privilegiados e pseudo-prejudicados garante a perpetuação
do jogo. Os primeiros buscam manter os privilégios supostos e os segundos
buscam uma revanche. Tudo pode estar oculto numa rede de coalisões encobertas
e negadas, difíceis de desentranhar.
O caso reportado é de uma adolescente em cumplicidade com o pai na rivalidade
com sua irmã Bianca para esta deixar a casa .
Cap.11- Os terapeutas se encarregam do dilema da relação entre
pais e filhos.
Aqui trata-se de família em que o paciente designado é filho único.
A dificuldade tanto de evitar a crítica os pais, tão habilmente
estimuladas pelo filho, como de evitar ser envolvidos na simetria encoberta
da dupla, tão hábil por sua vez, para separar os terapeutas e
arrastá-los a coalisões e a lutas de facções, repetições
pontuais do jogo que tem lugar.
A solução apresentada consiste em referir exclusivamente a nós
mesmos, no momento oportuno, aos problemas da relação intergeracional,
de maneira bastante similar a usada em tratamento psicanalítico com a
diferença fundamental de que isto se sucede na presença dos pais,
os quais quando deixados fora do jogo, apegam-se a alusão implícita
aos problemas intra-familiares. A exclusão dos pais resulta taticamente
em vantagem pois os excluídos se encontram na impossibilidade total de
negar ou de desqualificar. Acaso alguém fala deles?
O caso reportado é de Ernesto, um garoto de dez anos, com condutas psicóticas.
Bom desempenho escolar, com tendência a freqüentar companheiros de
escola fora da mesma e locais de jogo.
Cap.12- Os terapeutas aceitam sem objeções uma melhora suspeita.
Tal manobra terapêutica consiste em aceitar sem objeções
uma melhoria ou um desaparecimento do sintoma que não parecem justificados
em absoluto pela correspondente mudança no sistema de interação
familiar. Surge a suspeita de encontrar-se ante um movimento, uma "jogada"
da qual são cúmplices todos os integrantes do grupo natural ainda
quando um só se coloca de porta-voz. O objetivo comum é de subtrair
a indagação dos terapeutas alguma área sentida como perigosa
para o status quo. A característica de tal melhoria é de ser súbita
e inexplicável, acompanhada com freqüência por uma atitude
de não compromisso, ou de otimismo de tipo "tudo vai bem, senhora
marquesa"; melhoria apoiada em poucos dados convincentes. Com isto a família
faz entender aos terapeutas, sem dizê-lo, a intenção coletiva
de saltar à plataforma do primeiro trem que passe. Ainda em tal caso
a experiência tem ensinado que os terapeutas não podem perder a
iniciativa. Uma possibilidade seria fazer notar o significado e o objetivo familiar,
interpretando-o como "cura em saúde", porém a experiência
também indica que é um erro enquanto implica uma atitude crítica
totalmente em contraste com o princípio áureo da conotação
positiva e portanto provocador de negações e desqualificações
ou, pior ainda, mão de ferro.
A linha seguida consiste em aceitar tais melhorias sem objeções,
tomando a iniciativa de concluir a terapia. O
objetivo é aquele, primeiro, de ter sempre em mão a iniciativa
e o controle da situação prevenindo e anulando as jogadas do parceiro
adversário. O segundo está diretamente ligado a nossa modalidade
de contrato com a família: haver pactuado um número preciso de
sessões. Preferimos concluir subitamente a terapia e colocar a prova
a autenticidade da "cura" tendo todavia "a favor" um certo
número de sessões em caso de que a "cura" não
resista muito tempo.
Quanto ao nosso comportamento crítico e alusivo, é enquanto temos
cuidados de não expressar, em absoluto nossa opinião sobre a presumida
melhora nem, muito menos, confirmá-la. Retornando à sessão
nos limitamos a um simples comentário em que declaramos tomar nota da
satisfação expressa pela família quanto aos resultados
obtidos e comunicamos que a terapia finaliza com a sessão em curso e
colocamos à disposição a possibilidade de utilização
das sessões que não foram usadas. Isto costuma gerar reações
na família, perguntando-nos que pensam, qual nosso objetivo para talvez
levar-nos a desqualificações. Assim a família se encontra
em situação paradoxal de ser designada como a iniciadora de uma
decisão que em realidade é tomada pelos terapeutas. Em outros
tentam obter dos terapeutas a promessa de que um futuro pedido de retomar a
terapia não significará uma espera prolongada. Os terapeutas insistem
em que se transcorra um período de tempo. Através de tal tática
paradoxal se julga anular o movimento sabotador e se coloca a família
na necessidade de voltar a pedir, tarde ou cedo, a continuidade da terapia.
Em alguns casos é melhor não arruinar a relação
com suspeitas, críticas ou interpretações. Em outros casos,
ainda concluindo a terapia, fixamos uma entrevista telefônica ou uma sessão
poucos meses mais adiante, com o objetivo de receber notícias e fazer
um balanço global. Desta maneira mantemos a família "em terapia"
enquanto implicitamente comunicamos a persistência de nosso interesse
e de nossa disponibilidade.
Cap.13- Como recuperar os ausentes.
A manobra do membro ausente é talvez a mais notável no rico arsenal
de manobras familiares destinadas a conseguir a manutenção do
status quo e tem sido também amplamente descrita pelos investigadores.
Trata-se precisamente, de uma resistência compartilhada por toda a família.
Como fazer para recuperar os ausentes? Para fazê-los voltar à sessão?
Temos abandonado em sessão toda atitude autoritária e todo intento
de indagação analítica. Quando um membro se ausenta, aceitamos
mesmo a família em sessão e mostramos tomar como válidos
os motivos aludidos (que geralmente são banais, genéricos ou absurdos).
E estamos atentos ao que sucede na sessão mantendo a ausência como
dentro de nosso interesse.
A tática que temos adotado para recuperar o ausente está ligada
ao nosso ritual de sessão que consiste em dividi-la em 5 partes: a pré-sessão,
a entrevista com a família, a discussão em grupo, o ingresso dos
terapeutas a sala para conclusão, normalmente para um comentário
ou prescrição e a ata da sessão. Agregamos uma Sexta parte:
a conclusão da sessão se dará em domicílio da família
reunida em sua totalidade. Esta conclusão se dá por escrito (daí
o cuidado com o uso das palavras e de modo a incluir o ausente obrigando-o a
vir) e deve ser lida em presença de toda família. Desta maneira
desmontamos, sem dizer, a manobra familiar, enquanto o membro ausente "se
faz presente".
Cap.14- Como iludir a desconfirmação.
A desconfirmação de si e do outro na relação (eu
não estou e por conseguinte você não está e vice-versa)
é, como foi visto, a manobra fundamental empregada pela família
com interação esquizofrênica para evitar definir a relação.
Por este meio o jogo se perpetua na função homeostática,
rodeado de fenômenos desconexos: um nível de informação
e por conseguinte uma possibilidade de decisão praticamente nulos; a
impossibilidade de declarar a liderança, no entanto tal declaração
comporta uma definição da relação: a conseguinte
impossibilidade de assumir verdadeira responsabilidade; a impossibilidade de
declarar alianças estáveis e abertas, enquanto estas significando
uma explícita definição da relação como simétrica,
importariam automaticamente a mudança do jogo e a ruptura da homeostase.
A intervenção é o paradoxo terapêutico, o que nos
leva a uma série de premissas. Os terapeutas devem aprender a jogar o
mais friamente possível, só importa compreender como jogam, para
reagir em conseqüência. Devemos haver-nos liberado de motivações
que nos levaram a escolher esta profissão: dar e ajudar, necessidade
de poder. São premissas que nos fazem vulneráveis à manipulação
da família com interação esquizofrênica tão
bem treinada para seduzir outros a jogar seu próprio jogo. Se nos convencemos
de que tudo quanto nos mostram são convites tanto sedutores quanto desqualificativos
não só conseguiremos ser razoavelmente inacessíveis a sentimentos
simétricos de adulação ou de fúria, senão
que conseguiremos também divertir-nos e considerar "os adversários"
com autêntica admiração, respeito e simpatia. Basta adquirir
o espírito do jogo, aplicar-se para chegar a converter-se em "experts"
nele, não subestimar jamais o adversário, estar disposto a perder
sem enojar nem com nós mesmos nem com os companheiros de jogo e sobretudo
considerá-lo divertido. Isto equivale ao paradoxo: a única maneira
de amar nossos pacientes era não amá-los, ou melhor, amá-los
em sentido metafísico.
Ilustra com um caso de esposos Luis e Yolanda e seus filhos Bruno com diagnóstico
de autismo e Chicco, aparentemente saudável. A intervenção
aconteceu na décima e última sessão pois a equipe tinha
dificuldades de compreender que as intrincadas relações tinham
por objeto confundir e obscurecer o problema central: a relação
entre esposos. A prescrição foi a leitura de uma carta cujo conteúdo
visava delimitar, finalmente, a família nuclear como diferente da família
extensa, com seus próprios problemas de relação. Visto
que a proibição vigente, no casal, era definir a relação,
a desconfirmação usada pelos cônjuges, a prescrição
foi a desconfirmação tendo cuidado de conotá-la positivamente.
Jogar "a la esquizofrênica" não significa o mais friamente
possível, com uma atitude cínica, de distância e de insensibilidade
para com o sofrimento, mas que jogamos contra o jogo e não contra suas
vítimas.
Cap.15- O problema das coalisões negadas.
Trata-se ao fenômeno da confusão e cancelamento da barreira intergeracional,
com a conseqüente perversão dos papéis e as coalisões
secretas e negadas entre os membros de gerações diversas. Haley
tem falado de triângulos perversos na família nuclear e entre esta
e a família extensa.
"a) as pessoas que integram o triângulo não são pares
senão que uma delas pertence a uma geração distinta. Por
geração se entende um nível diferente na hierarquia de
poder, como na geração humana entre pai e filho, ou em uma hierarquia
administrativa, entre o dirigente e o dependente.
b) no processo interativo a pessoa pertencente a uma geração forma
uma coalisão com a pessoa de outra geração contra o próprio
par. Mediante o termo coalisão se entende um processo de ação
conjunta contra a terceira pessoa (diferente da aliança, na qual duas
pessoas se podem unir em um interesse comum independentemente de uma terceira
pessoa).
c) a coalisão entre as pessoas é negada. Vale dizer que existe
um determinado comportamento que indica uma coalisão que, ao ser indagada,
será negada como tal. Em termos mais formais, o comportamento que a um
certo nível indica a existência de uma coalisão é
qualificado por um comportamento meta-comunicativo que indica a ausência
dessa coalisão".
A intervenção tem que ser rigorosamente global e sistêmica
para que provoque mudanças e por conseguinte resulte terapêutica.
Deve abarcar toda família, evitando cuidadosamente demarcações
moralistas entre os diversos membros ou as diversas facções. As
coalisões perversas são conotadas como positivas em sua intencionalidade
honesta e afetiva, quando se põem em evid6encia ali, ainda que seja em
forma alusiva. Não são explicitamente rescritas. Os terapeutas
se limitam a sua constatação e o comentário, elaborando-o
de tal modo que resulte intoleravelmente paradoxal.
O caso ilustrado é de Sofia que assumiu o papel de pai ancestral, autoritário,
que assumia o controle das mulheres, numa coalisão negada mãe
- Sofia.
Cap.16- Os terapeutas declaram a própria impotência sem reprovar
nada
É necessário incluir no próprio arsenal uma intervenção
aparentemente oposta ao tipo ativo-prescritivo e paradoxal: a declaração
de impotência dos terapeutas.
Algumas famílias respondem as intervenções terapêuticas
com mudanças rápidas; outras, que parecem confirmar em seu momento
a validade da intervenção, voltam a sessão seguinte imodificadas,
por haver desqualificado e esquecido totalmente o comentário dos terapeutas
ou por haver encontrado alguma hábil escapatória a uma prescrição
que parecia acertada. A contrariedade estimula os terapeutas a ser mais zelosos
em seu esforço por criar intervenções cada vez mais poderosas
as quais a família continuará reagindo de modo idêntico,
permanecendo imodificada. Entra-se assim num jogo sem fim, no qual é
difícil decidir se havia sido a família quem induziu o terapeuta
à escalação simétrica ou se havia sido o cuidado
ou a "hybris"
dos terapeutas.
O que resta por fazer é não insistir. Há que mudar a própria
posição na relação, ou seja, a definição
da relação, declarando honestamente a própria impotência.
Quando se faz esta declaração de impotência , é fundamental
evitar toda reprovação à família, o que equivaleria
a um posterior e infeliz intento de definir-se superiores.
Deve-se dizer que apesar da voluntária colaboração da família,
que fez todo o possível para ajudar-nos, nos encontramos esta vez confusos
e incapazes de termos uma idéia clara e prestar ajuda. O tom será
aquele que corresponde a quem lhe desgosta constatar a própria incapacidade
para fazer o que queria e o que se está pedindo que faça.
Fazemos uma pausa de "suspenso", fixamos o fechamento da próxima
sessão e cobramos nossos honorários. Produz grande impacto em
famílias habituadas a receber comentários ou prescrições
ao final de cada sessão.
O temor de perder tão grandes adversários empurra a família
imediatamente a realizar qualquer coisa a fim de que o jogo não termine.
Também para este tipo de família o tempo é fundamental.
Quando a família apresenta os sinais premonitórios de uma mudança
que a assusta e a empurra a reagir de modo desqualificativo é o momento
talvez mais adequado de declarar-se impotente.
Quando os terapeutas se definem como impotentes, fazem uma coisa importante:
se definem na relação, implicitamente simétrica, como complementares.
Mas ao definir-se complementares por própria incapacidade e não
por culpa da família, em realidade não o são, porquanto
retomam em suas mãos o controle da situação. O ato de fixar
a próxima entrevista , assim como de cobrar honorários comunica
uma segurança profissional completamente em contraste com a declaração
de impotência. Não fixá-la seria um grave erro. Equivaleria
a uma comunicação punitiva a respeito dos clientes, ou bem uma
comunicação depressiva a respeito de si mesmo. Ademais, fixar
sem comentários a entrevista seguinte faz que a família que conhece
bem a própria ação sabotadora, faça-se responsável
pela sessão sucessiva, e portanto pela continuação do jogo,
ao campo de batalha.
Outra tática terapêutica semelhante consiste em explorar a regra
peculiar do jogo da família: não há que permitir de nenhuma
maneira que o parceiro adversário se afrouxe, mantendo-o acelerado, concedendo-lhe
algo em momento oportuno. Serve de exemplo uma família anoréxica,
cujo paciente designado Giulio foi prescrito para continuar a ser anoréxico
até a próxima sessão dali a um mês.
Nome do autor da resenha e data: Cleia Mara Perez - março/2000.