Resenha de Livro
Curso de Formação em Terapia Relacional Sistêmica
Psicóloga Solange Maria Rosset

 

Nome do Livro:

Psicodrama da Loucura: Correlações entre Buber e Moreno

 

Autor do Livro:

José de Souza Fonseca Filho

 

Editora, ano de publicação:

Ágora, 2008

 

Relação dos capítulos

Como nasceu este livro

Prefácio da sétima edição

Capítulo I: J.L. Moreno e a teoria psicodramática

Capítulo II: Martin Buber e a filosofia dialógica (Eu-Tu)

Capítulo III: O Encontro: Buber e Moreno

Capítulo IV: A gênese do Encontro: o hassidismo

Conclusões dos capítulos anteriores

Capítulo V: Estudo psicodramático da loucura

Referências bibliográficas

 

Apanhado resumido sobre cada capítulo

Cap I:

Moreno nasceu em 20 de maio de 1892 em Bucareste e sua obra pode ser dividida em cinco fases: a primeira a religiosa, a segunda a criação do psicodrama, a terceira a da psicoterapia de grupo, a quarta a da sociometria, e a quinta, a da sociatria como contraponto a psiquiatria.

O psicodrama seria a passagem da psicoterapia de gabinete, de confessionário, de sigilo, de voz baixa, de controle das condições para a psicoterapia do atuar, do contato, da relação, da verdade, da vida.

Moreno sempre foi muito atuante. Nunca admitiu a possibilidade de sucesso diante de uma conduta passiva. Para ele o Eu nunca poderá encontrar-se por si mesmo, só poderá encontrar-se por meio de outro, do Tu.

Em psicodrama, procura-se não incitar a relação transferencial com o psicoterapeuta, mas quando ela surge é mostrada para se estabelecer entre paciente e terapeuta uma relação pessoal adequada a realidade, a fim de que exista o Encontro e não o pseudo-encontro, o falso encontro, o encontro com o mito, com a fantasia da pessoa do terapeuta.

A vivência do momento atual é um convite a comunicação humana transformadora; é a tentativa de “desintelectualizar” o ser humano para um contato mais verdadeiro, mais emocional, mais pessoal – o Encontro.
O terapeuta e o paciente, no psicodrama, estimulam-se reciprocamente. É um autêntico encontro e uma luta de espíritos. Cada um deles tem de extrair de suas provisões de espontaneidade e perspicácia o necessário para o jogo.

A primeira etapa (aqueciemento) da sessão de psicodrama seria a preparação para o Encontro. A dramatização seria o Encontro propriamente dito, ou seja, o encontro do terapeuta e do paciente e o encontro do paciente consigo mesmo. A terceira etapa seria posterior ao Encontro, é a fase dos comentários, das análises, do compartir, do compartilhar (sharing). É quando a elaboraçãotem lugar, no repouso da ação.

Sociometria é o estudo das relações inter-humanas, utilizando questionários cujos resultados se expressam mediante sociogramas. Por meio dos sociogramas tem-se uma visão imediata de como estão os grupos, divididos nos seus sentimentos positivos e negativos, pólos de atração, rechaço e indiferença ou neutralidade. São estudos sobre as forças atrativas e repulsivas dentro dos grupos sociais. A sociatria seria a ciência para a cura dos sistemas sociais.

Para Moreno, a cirança teria uma potencialidade (todos seriam potencialmente gênios) que por algum motivo não é liberada no correr da vida. Seriam as coerções morais, sociais e culturais as causadoras. “Considera-se a espontaneidade e a criatividade fenômenos primários e positivos, e não derivados da libido ou de qualquer outro impulso animal” (Moreno, 1961, p.87).

No mundo civilizado, existiria uma tendência de substituir a espontaneidade pelas “conservas culturais”. No mundo moderno, cada vez menos se dá chance ao indivíduo para responder livre e adequadamente a estímulos novos. Quase todas as respostas sociais estão condicionadas por normas, regras.

Sobre o conceito de “atuação” (acting out), Moreno (1969b) esclarece que, quando incorporou o termo (1928), queria dizer atuar o que o paciente tem dentro, diferente de atuar um papel. Dois tipos de acting out: terapêutico e irracional. O primeiro se dá pela dramatização e sob controle terapeutico, o segundo ocorre sem o citado controle, ou apesar dele.

Por meio da atuação, o terapeuta “não só ouve as palavras do paciente, mas também vê sua forma de atuar, para estudá-la diretamente. Quanto mais ‘entra’ em seu papel, menos consciente permanece de seus atos, é como ver o inconsciente atuando” (Moreno, 1969b, p.9).

A espontaneidade é o grau variável de respostas adequadas (não se entenda conservadoras) ante uma situação com grau variável de novidade. O novo do comportamento não é, em si mesmo, uma medida de espontaneidade, o novo deve ser qualificado com respeito a sua adequação in situ.

As primeiras vivências da criança, quanto a sua formação, percepção e ao aprendizado emocional, relacionam-se estreitamente com o desenvolvimento da “matriz de identidade”. Suas fases mais importantes – originalmente cinco e aqui reduzidas a três – são: a primeira, que seria a da identidade do indivíduo com as pessoas e objetos a sua volta, a segunda, a do reconhecimento do Eu, com sua peculiaridade como pessoa, e a terceira, a do reconhecimento do Tu, do conhecimento dos outros.

Para Moreno, Tele não é empatia. Esta é um relacionamento em único sentido, a tele é sempre relacionamento de dupla direção. O indivíduo com sensibilidade empática pode penetrar e compreender o outro, mas não está necessariamente numa situação de mutualidade.

A teoria moreniana estabelece que os papéis são unidades culturais de conduta. Um papel é uma experiência interpessoal e necessita de dois ou mais indivíduos para ser posto em ação. Todo papel é uma resposta a outro (de outra pessoa). Não existe papel sem contrapapel. O role-taking corresponde ao assumir ou adotar um papel incluindo sua aprendizagem. O role-playing significa representar, desempenhar plenamente um papel e, finalmente, o role-creating, a possibilidade de criar, inventar e contribuir com base prática de um papel.

Encontro, momento, espontaneidade-criatividade, tele, catarse de integração, acting out, matriz de identidade, papéis se interdependem sempre. Duplo, espelho, inversão de papéis, solilóquio estão profundamente encravados no núcleo da teoria. Cada técnica é consequência da anterior, em relação ao desenvolvimento humano.

Cap. II:

Martin Buber nasceu em Viena em 1878 e criou a filosofia dialógica do Encontro (Eu-Tu). Para Buber, todo homem tem alguma coisa rara para dar, mas ele é chamado e não destinado a preencher essa potencialidade. Para ele não existe um Eu sem um Tu.

Rogers acreditava que poderia existir a relação Eu-Tu dentro da psicoterapia. Buber esclarecia que não seria um verdadeiro Eu-Tu, porque faltariam os elementos necessários para a verdadeira relação de reciprocidade, de mutualidade, de experimentação do outro lado. A relação seria muito mais num sentido único do que em ambos. Terapeuta e cliente nunca estariam iguais na situação real.

Fonseca acredita que muitas das observações de Buber sobre educação valham para a psicoterapia. A psicoterapia não deixa de ser também um aprendizado, aprendizado de viver. Em ambos os processos, a tarefa maior do professor-terapeuta seria criar um clima propício e envolvente para o crescimento. E isso seria muito mais resultado da maneira de ser do mestre-terapeuta do que de sua técnica.

Apesar de ser considerado por muitos um existencialista, Buber não portence a nenhuma escola. Influências existencialistas ele as teve, mas ultrapassou-as e criou sua própria filosofia.

Para Buber, as palavras princípio Eu-Tu e Eu-Isso não significam coisas, mas anunciam relações e são proferidas pelo ser. Quando um homem diz Eu, refere-se ao Outro. O Tu a que se refere está presente quando ele diz Eu.

A palavra princípio Eu-Tu estabelece o mundo da relação. Este surgiria em três esferas: a primeira seria nossa vida com a natureza, a segunda, nossa vida com os homens e a terceira nossa vida com formas inteligíveis. Buber coloca a “experiência” em contraposição a “relação”. Situa que o Eu-Tu é possível não somente entre os seres humanos. Da mesma forma, o Eu-Isso não se realiza somente entre pessoas e objetos, mas engloba todo o relacionamento, inclusive o pessoa-pessoa, realizado sob a égide da frieza lógico-intelectual.

Parafraseando a expressão bíblica “no princípio é o verbo”, diz Mrtin Buber (1969) “no começo é a relação”. Usa esta expressão porque o Eu-Tu seria anterior ao Eu. Só existe o Eu quando já se estabeleceu o Eu-Tu. Para ele, é o instinto de relação que é primário. Há possibilidade de a relação Eu-Tu empalidecer-se sem chegar ao Eu-Isso. Muitas vezes porém, torna-se Eu-Isso. No Eu-Isso está a distância, isolado, solitário, ausente de sentimentos, de exclusividade cósmica.

Buber faz da aceitação do erro um elemento inseparável da verdade. O erro seria um fator de encorajamento e não de desistência. O erro aponta o caminho. Em continuidade a Buber, Fonseca ousaria dizer que a ansiedade (normal) seria a expectativa, a espera do momento do Eu-Tu. O histérico seria aquele que falsifica, tornando-a uma pseudo-relação Eu-Tu. O fóbico reprimiria o desejo, permanecendo na escuridão do medo. O obsessivo se arrumaria de rigidez e controle da vida, atolado no Eu-Isso e o psicopata responsabilizaria o ambiente pelas suas frustrações com a verdadeira relação dialógica.

Cap. III:

Buber e Moreno são homens de nossa época, falecidos em 1965 e 1974 respetivamente. Continuam vivos em termos de suas obras. Algumas de suas similaridades são ter origem judaica, terem suas obras marcadas por profundo misticismo e influência hassídica.

Fonseca acredita que a psicoterapia é uma versão moderna das grandes religiões do passado. O homem buscava na religião: salvação, paz, tranquilidade, uma nova vida. Hoje começa a procurar na psicoterapia. Nesse sentido, a psiquiatria abriu as portas para as pessoas chamadas normais, deixou de se preocupar somente com os antes denominados loucos. O psiquiatra moderno é um misto de médico e pastor.

Buber e Moreno são pensadores dialógicos. Suas idéias centrais convergem para o encontro. Não apresentam diferenças neste sentido. Além do hassidismo tiveram influência do existencialismo.

Quando Buber fala da dualidade do Eu, dizendo que o homem é duplo, estamos também diante das palavras de Moreno. E não só diante das palavras, mas diante da técnica. A técnica do duplo revela o outro Eu, o Eu encondido, o Eu verdade que busca o Tu verdade. Assim como a obra Buberiana enaltece a relação, a Moreniana valoriza o Encontro. Não há possibilidade do homem sozinho, sempre é o homem com o outro. Cada papel existente só tem plena concretização quando se vincula ao cotrapapel. Para Buber e Moreno, o homem só é homem quando em relação.

Outro ponto de coincidência: concebem o homem como se atuasse para fora. É sempre um sair de si. A origem da palavra principio Eu-Tu e do homem moreniano é a mesma – o homem é um ser cósmico. Comparativamente poderíamos dizer que ambos aceitam o homem procedendo do cosmos e passando por um desenvolvimento em que o período de indiferenciação de Moreno corresponderia à fase de latência do Eu-Tu de Buber.

Outra semelhança seria a descrição de conserva cultural como o esfriamento do calor da criação. Seria o empalidecer do Eu-Tu, transformando-se em Eu-Isso. Já não teríamos a relação total, somente a parcial.

Os dois grandes pensadores, provavelmente nutridos da mesma fonte, desenvolveram teorias semelhantes em campos diversos, porém muitas vezes convergentes. São irmãos que encaram o ser humano com otimismo e alegria. Acreditam nas suas potencialidades cósmicas. Anseiam pela realização do homem num mundo que, apesar de tudo, vale a pena ser vivido. Esperam o “cara a cara” do Eu-Tu, o confronto-verdade, a liberação das centelhas divinas contidas, o relâmpago da vivência integral do omento do Encontro. Confirmam o “sair de si”. Crêem na espontaneidade, no Homem-Deus, Deus-Eu, Deus-Tu.

Cap IV:

O misticismo, no sentido do conhecimento de Deus pelo homem, é apresentado, do ponto de vista judaico, como uma unidade que preexiste a dualidade, e a unidade que tem de ser recuperada em uma nova irrupção da consciência religiosa (em Moreno e Buber essa dualidade-unidade aparece claramente).

Numa época onde a necessidade religiosa era grande, surgiram várias seitas com princípios do judaísmo, dentre elas a cabala. Cabala quer dizer tradição, ou também aceitação e aquilo que é recebido, no sentido de aprendizado de mistérios somente percebidos pelos iniciados. O consenso da opinião cabalística considera o caminho místico para Deus como uma reversão do processo pelo qual emanamos de Deus.

O hassidismo nasceu nos guetos poloneses e pretendia levar a cabala, com reinterpretações, ao povo. O diretor religioso hassídico substituiu o rabino pelo tzaddik. Seria um homem com grandes virtudes, com personalidade marcante e fortes atributos de comunicação e criação. O tzaddik levava aos caminhos de Deus, muito mais pelo que irradiava e emanava que pela doutrina. No hassidismo, o contato pessoal era mais importante que  os textos religiosos. O líder iluminado, “desperto”, substitui o mestre erudito. O local da prática do culto perde o valor para o hassidismo. Qualquer lugar serve. Exalta a simplicidade e devoção, acima da intelectualidade.

O hassidismo é ativo, dinâmico, otimista, espontâneo. Acredita no homem e em suas exteriorizações. Sempre existe a perspectiva da liberação de centelhas divinas. O mundo é belo e harmônico para quem souber viver. O corpo é incluído nas orações, mediante música e dança. O que vale é o encontro com o mundo e com os semelhantes. Assim se chega a Deus. Para Fonseca, o hassidismo é o pai e Buber e Moreno dois irmãos de idéias. São tzaddikim modernos do neo-hassidismo.

Cap V:

Moreno apresenta o “teste de papéis” para o estudo da personalidade, dada a estreita relação ente o “processo do papel” e a formação dela. Para Moreno a personalidade se forma baseada no desenvolvimento dos papéis. Desempenhar um papel traz sempre a conotação de presença de um outro. Para cada papel existe um papel complementar ou contrapapel.

A presença máxima de “elementos psicóticos” em uma personalidade corresponderia a total incapacidade de desempenhar e inverter papéis. Quanto maior a dificuldade para inverter papéis, no psicodrama e na vida, mais atingida pela doença a personalidade da pessoa estará.

Os neuróticos conseguem, consideravelmente, um melhor jogo de papéis e inversões, apesar de, as vezes, existirem bloqueios para determinados papéis e/ou inversões.

O psicótico regride no sentido de não distinguir fantasia da realidade e com isso não consegue o livre caminho, a ida e volta, o jogo alternante, o intercâmbio entre os dois mundos.

Simplificando e resumindo em três as cinco fases descritas, temos: a de identidade do Eu com o Tu, do indivíduo com o tudo ao seu redor, a de reconhecimento do Eu e finalmente a fase de reconhecimento do Tu, do conhecimento dos outros e do mundo.

Para Fonseca, a partir das teorias de Moreno e Buber, podemos dizer que: o máximo de regressão (desagregação, autismo) corresponderia a primeira fase de vivências e sensações de unidades com a mãe e com o mundo. Assim teriamos a perda da individualização ou despersonalização. Já os chamados neuróticos apresentariam bloqueios, dificuldades ou conflitos para se relacionar com determinados Tus e, em consequencia, dificuldades de inverter papéis/experienciar o outro realisticamente, telicamente, sem transferências e projeções com eles. Certas maneiras peculiares de vinculação somadas a características específicas do buscar o Eu-Tu no mundo, moldadas no processo de desenvolvimento, plasmariam diferentes tipos de personalidades.

Fonseca traz ainda que a “matriz de identidade” é a “matriz afetiva primaria”, como a chama Quintana (1975). Seus “vetores afetivos” deixarão marcas sobre os quais se inscreverão todos os registros afetivos posteriores. Para este autor o psicótico não consegue desempenhar papéis de outros pelo fato de não ter realizado primariamente esta aprendizagem. Poderá fazê-lo, no entanto, desde que encontre na aequipe terapêutica uma “matriz afetiva secundária”. Podemos dizer que nos papeis sociais existe uma fórmula estrutural que contém a síntese das experiências e marcas afetivas da “matriz afetiva primária”. Isso resultará numa “modalidade vincular afetiva” do indivíduo no mundo, nos seus relacionamentos afetivos com os outros.

Não é por acaso que Bustos (1975), muito acertadamente, considera a “introjeção de modelo relacional” como um dos mecanismos de ação das psicoterapias.

 

Apreciação pessoal sobre o livro:

O livro traz uma explanação clara e didática sobre as teorias de Moreno e Buber, as bases do psicodrama, com as semelhanças e diferenças entre os dois pensadores, bem como as referências teóricas que os permeiam.

Traz ainda a postura diferenciada do psicodrama em relação a casos psiquiátricos possibilitando uma abordagem singular no tratamento dos mesmos. Interessante o paralelo que podemos traçar entre estas teorias e sua visão de “modelo relacional” com a Terapia Relacional Sistêmica que trabalha em cima dos padrões relacionais.

Nome do autor da resenha e data: Luciana Amorim – janeiro/2009.