Resenha de Livro
Curso de Formação em Terapia Relacional Sistêmica
Psicóloga Solange Maria Rosset

 

Nome do Livro:

Redes: el lenguaje de los vínculos: hacia la reconstrucción y el fortalecimiento de la sociedad civil.
Capítulo:. El lenguaje de los vínculos. De la independencia absoluta a la autonomía relativa.  NAJMANOVICH, Denise

 

Autor do Livro:

Elina Dabas; Denise Najmanovich

 

Editora, ano de publicação:

1ª ed. 2ª reimp.- Buenos Aires: Paidós, 2002.

 

Resumo da Obra

O capítulo apresentado faz parte da obra referenciada, escrita inicialmente em 1995, como resultado do I Encontro Internacional de Redes Sociais, em Buenos Aires, que foi organizado pela FUNREDES. O livro aborda  diversas questões, tais como epistemologia, problemas de participação, intervenções, facilitadores, etc., trazendo a vivência em redes de forma experiencial e operativa.

A proposta da autora é partir do nascimento da idade moderna até chegar ao “ponto de bifurcação” no qual nos encontramos atualmente, indicar que estamos saindo de uma era, onde as formas de pensar o conhecimento e o mundo ainda são indefinidas. O texto permite uma exploração dos supostos fundamentais que as concepções de mundo na modernidade e os novos paradigmas emergentes, que responde ao objetivo de colocar em marcha um modelo ecológico do conhecimento, que abre as portas ao mundo da complexidade e facilita a realização de explorações preliminares de redes multidimensionais, que se abrem ao pensamento do mundo contemporâneo.

O capítulo é subdividido em cinco partes. O nascimento da experiência moderna desenvolve a construção do pensamento moderno. Najmanovich nos fala de Descartes como o pai da modernidade, pela instauração do modo de relação entre homem/sujeito e mundo/objeto, que havia começado a desenvolver-se no Renascimento e de Galilei como um dos principais divulgadores desta nova abordagem, a qual incluía os fundamentos matemáticos nos experimentos, excluindo os termos qualitativos. Este privilégio do quantitativo se deve segundo alguns historiadores citados na obra, ao novo ‘modus vivendi’ que é gerado pelo ressurgimento da vida nas cidades, ao desenvolvimento do comércio e das atividades mercantis, e consequentemente o contato com outras civilizações e outros mundos conceituais (p. 37). Com isto, as velhas certezas começam a ruir, porém a sua queda e o nascimento de uma nova visão de mundo, que levou vários séculos para firmar-se, propiciou mudanças radicais nas artes, na filosofia e na religião, relacionadas ao novo modo de vida nas cidades e a concepção mercantil de troca, ou seja, as artes plásticas, a literatura e as relações em geral passam a ser mercantilizadas e realimentam esta nova visão de mundo. O relógio, segundo a autora, será o emblema da modernidade, símbolo da nova ciência e de suas formas de objetivação, da vida citadina e seus sistemas de regimentação social (p.40) e inaugura uma nova forma de relação do homem com o mundo; uma forma externa, uma medida absoluta e exata. A física de Newton teve participação importante na criação da ilusão de um conhecimento absoluto, universal, eterno e completo do universo. Os procedimentos criados, como o relógio e os padrões de medida foram se tornando cada vez mais comuns, acabaram por tornarem-se cada vez mais prioritários e, em seguida, naturais e óbvios. Desta forma, esta “complexa construção mental totalmente abstrata” passa a fazer parte da vida cotidiana, simplesmente pelo fato de as pessoas estarem acostumadas a elas e a escola obrigatória contribuiu para a fixação destas idéias, na medida em que normatizam as percepções. Com isto, o homem cada vez mais se distancia de si mesmo, vivendo à parte do mundo, separado da natureza (pois desta forma poderia dominá-la), senhor da razão, sem espaço para as emoções, as paixões, a imaginação. Porém este mesmo homem acaba cego para sua condição de objeto sem alma, passível de manipulação como o mundo que ele percebe fora de si mesmo.

A autora segue desenvolvendo A concepção moderna do mundo que segundo ela, gerou um estilo narrativo próprio, uma imagem de mundo mecanicista, uma linguagem científica elaborada para os “iniciados”, a compartimentação das ciências através da concepção analítica do conhecimento, que pode ser sintetizado como “um único grande monólogo fechado ao diálogo, ao outro, a diferença, reconhecendo uma única e monolítica racionalidade, a própria” (p.51). Por várias décadas, a estabilidade pré-suposta pelo pensamento moderno foi mantida pelo modo de vida nas cidades, pela rotina do trabalho, pela construção de máquinas, apoiada por uma educação comum e um controle permanente (p.53). Com todo este quadro de dicotomia entre arte e ciência, razão e emoção, corpo e alma, acabou por ter um impacto profundo no desenvolvimento das ciências humanas.

Em Novas lentes para um novo mundo, Najmanovich fala que no início do século XX e principalmente após a Segunda Guerra Mundial a imagem do mundo como um conjunto de essências imutáveis começa a ser criticadas, com divergências cada vez mais sistemáticas e generalizadas. Isto se deve aos experimentos científicos sobre a percepção, iniciados no fim do século XIX e confirmados no princípio do século XX, ou seja, através da compartimentação, a ciência acaba por redescobrir a conexão. Além disto, surgiram inquietações que não puderam mais calar e que colocaram a prova toda a convicção moderna.

Uma subdivisão do capítulo, Navegando em direção ao mar da complexidade, a autora nos explica de que forma estas inquietações foram se construindo através dos experimentos dos cientistas frustrados com a impossibilidade da busca de partícula elementares, novas metáforas e modelos mais complexos, ricos e estranhos foram sendo desenvolvidas e a física quântica aparece, apresentando uma visão do universo como “rede de interações” (p.59). Outras formas de concepção social também surgiram, como as redes e organizações hierárquicas de von Foerster(1991), uma nova cultura vem se delineando, onde a visão do universo como um relógio é substituída pela de ‘arquipélagos de ordem em um mar de caos’, ou seja, a cultura da complexidade, com novos paradigmas, com uma nova visão de sujeito, complexo, imerso em vários subsistemas, pertencente a natureza, vivendo em um “multiverso”, onde o homem é construído no intercâmbio do meio social e do mundo complexo, que integra o objetivo e o subjetivo. Destaca ainda os supostos e hipóteses fundamentais da ciência da complexidade (Hipótese da identidade dinâmica, Hipótese da Totalidade Complexa não totalmente especificável, Hipótese de autonomia relativa, Hipótese do universo como uma trama relacional e a recursividade).

Najmanovich conclui com A angústia essencial, apontando as incertezas e paradoxos do homem complexo, do mundo em interação; a diversidade, nos diz, é a marca da nossa época. Finaliza indicando que o ponto de partida em um universo em rede é “um sentimento de pertinência profunda, de legitimidade do outro, da sua racionalidade, de acionar e da abertura de um diálogo emocionado em uma interação que não negue o conflito, sorte que reconheça a diferença como a única via em direção à evolução” (p.73).

 

Apreciação pessoal sobre o livro

Encantamento! Esta é a palavra que define meu sentimento acerca do texto. A linguagem acessível e agradável torna a compreensão das idéias de Najmanovich deleitável. A contextualização histórica do pensamento moderno até o pensamento complexo feito pela autora, bem como os meios utilizados para a fixação da visão de mundo moderna e as dificuldades inerentes à diversidade que estamos vivendo são o ponto chave do capítulo.

Denise Najmanovich consegue apontar as limitações do pensamento científico moderno, sem com isso desqualifica-lo, pelo contrário, mostra que através dele, o homem pode avançar e chegar à complexidade. Também consegue apontar a complexidade, a instabilidade e intersubjetividade do paradigma emergente das ciências, sem fazer apologias ou utilizando valoração, conseguindo assim manter-se dentro de uma visão puramente sistêmica de nossa realidade.

 

 

Nome do autor da resenha e data: Maria Isabel Caminha, 2009.