Resenha de Livro
Curso de Formação em Terapia Relacional Sistêmica
Psicóloga Solange Maria Rosset

 

Nome do Livro:

Repetição e transformação na vida conjugal

 

Autor do Livro:

VERA LÚCIA C. LAMANNO

 

Editora, ano de publicação:

SUMMUS EDITORIAL - 1994

 

Relação dos capítulos

Capítulo I

O PSIQUISMO DA RELAÇÃO CONJUGAL

Capítulo II

ATUAL E VIRTUAL FUSIONADOS: O universo ilusório da relação

Capítulo III

REPETIÇÃO E TRANSFORMAÇÃO NA VIDA CONJUGAL

Capítulo IV

ORGANIZAÇÃO PSICÓTICA E ORGANIZAÇÃO NÃO-PSICÓTICA DA RELAÇÃO CONJUGAL

Capítulo V

O TODO, A PARTE E UM TODO À PARTE: Um casamento compulsivo-perverso

Capítulo VI

CAÇADORES DE ILUSÃO: Um casamento narcísico-perverso

Capítulo VII

A PSICOTERAPIA DO CASAL

Capítulo VIII

TRANSFERÊNCIA E CONTRATRANSFERÊNCIA NA PSICOTERAPIA DO CASAL

 

Apanhado resumido sobre cada capítulo

Cap.I - O psiquismo da relação conjugal

A autora tenta esclarecer ou entender as causas determinantes da escolha que se faz do parceiro(a) de vida, mesmo sendo difícil. Cita Roland Barthes, que coloca uma série de questões em seu Fragmentos de um discurso amoroso. Aborda a idéia da psicanálise, que denomina "vivência virtual" as representações da memória inconsciente das figuras parentais vividas na infância, que fica como uma ilusão original; essa vivência, inibida ou dissimulada por mecanismos de defesa, permanece como pulsão à espera de uma realização com o outro ou no outro. Quando o desejo de um é correspondido pelo outro, a vivência atual encontra a vivência virtual e se dá um ponto de intersecção, que é denominado núcleo de vivência mútua, o encaixe perfeito (narcísico) para conflitos e angústias antigas que afasta a percepção tanto de fantasma do desamparo quanto o da castração; o que acontece aqui e agora, parece ser o que aconteceu lá, e se instala a relação que busca atuar a paixão, deixando de lado a percepção da necessidade, do desejo, da expectativa. ''O que um tem a oferecer ao outro engata perfeitamente no que ele espera do outro.''

Cita, também Fábio Hermann, que chama esse ponto de campo. No decorrer da intimidade acontecem vários campos; alguns constantes, outros transitórios, outros mais persistentes, outros significativos; todos sujeitos à ruptura e à transformação. Os campos que não se alteram ocasionam as dificuldades conjugais e levam à desilusão profunda.

A tendência do casal é manter o padrão relacional estabelecido no início; quebrar isso é sair do conhecido, provocar um estremecimento na representação que ambos têm de si mesmos e da relação; a possibilidade de vislumbrar suas regras inconscientes e entrar num processo de crescimento individual.

Para alguns autores, a compreensão que um casal tem de que repete o modelo de um pai poderoso ou de uma mãe inacessível, ao desfazer a ilusão da satisfação plena, consegue chegar a uma relação mais prazerosa. Para outros, o padrão repetitivo de interação (baseado na teoria dos sistemas) deverá ser interrompido para que se chegue a uma relação com autonomia, individualidade e interdependência.

Cap.II-Atual e Virtual Fusionados - O universo ilusório da relação

Neste cap., a autora relata um atendimento com co-terapeuta, em que o casal se deparou com a crise somente após o aparecimento de um amante da mulher; até então, segundo ambos, nunca haviam brigado. Buscam na terapia uma solução mágica, tendo em vista que, para ela a separação seria o mais adequado; porém, o marido não aceitava; esperavam dos terapeutas uma solução sem dor, perda, nem angústia, evitando assim entrar em contato consigo mesmos, incapacitados de perceber o objetivo e o subjetivo. Queriam uma resposta reducionista dos terapeutas: separarem-se ou continuarem casados. Somente após provocarem um estado confusional no terapeuta, e com a intervenção do co-terapeuta, é que conseguiram introduzir o virtual no processo; descrevem suas fases de adolescentes, as culpas, as lembranças dos próprios sentimentos relacionados aos pais. Saindo do passado e observando o presente, começam a juntar situações repetitivas no relacionamento com as filhas adolescentes, que têm atitudes iguais com relação a eles, comparativamente àquelas atitudes de ambos com relação aos respectivos pais. Voltam às angústias que acreditavam terem eliminado com o casamento.

Cap.III-Repetição e Trasformação na Vida Conjugal

Segundo Roland Barthes, há dois momentos no amor: no primeiro, há a afirmação imediata,a projeção de um futuro realizado, o desejo devorador, a impulsão para ser feliz; no segundo, um momento de paixão triste, de ressentimento e doação; deseja-se o retorno mas não a repetição. Qualquer relação tem o momento de ilusão/desilusão.

A autora volta ao casal mencionado no cap.I: conheceram-se numa prova, onde ele tomou o lugar dela e conseguiu a aprovação com a nota mínima. Durante o namoro ela engravidou e quem decidiu pelo casamento foi ele, que era contra o aborto, mesmo porque ela o havia avisado que estava em seu período fértil. Essa situação de ele oferecer soluções e não criar dificuldades se repetia; e, quando ele tentava sair desse papel, a mulher não permitia. Há casais que tentam mudar e só conseguem trocar de papéis, o que mantém a repetição. Ele, alienado no papel de quem soluciona tudo, e ela, no papel de quem não sabe nada de si, indefesa e ignorante, numa relação que acaba gerando conflitos. Diante de uma tentativa de autonomia da mulher, os dois se ressentem frente o desconhecido. Ela reclama da indecisão e do medo de decidir, de buscar autonomia; o marido procura não oferecer soluções, mas reclama da inconsistência dela, mas não se antecipa. O que parecia o início de uma mudança, acaba voltando ao habitual: ela solicitando ajuda para decidir e ele entrando no papel de facilitador de decisões. Tentam dar nova forma ao que os arrebatou, mas é difícil se livrar de forças inconsciente, desenvolver a relação além do estado inicial de apaixonamento.

Cap.IV-Organização Psicótica e Organização Não-psicótica da Relação Conjugal

Winnicott diz que o indivíduo transita entre três mundos: o interno, o externo e o ilusório; este começa quando o bebê deseja a mãe e ela aparece; na ausência dela, utiliza algum objeto, criando a ilusão de controle mágico sobre o mundo externo. Com essa experiência o indivíduo adquire a capacidade de se relacionar e discriminar a realidade e a fantasia; a não vivência desse fenômeno transicional, pode ocasionar a perda da capacidade de se relacionar; correndo o risco de não alcançar o amor e permanecer no isolamento;

diante de uma frustração corre o risco de desenvolver uma esquizoidia.

O estado de apaixonamento que ocorre no encontro, pode ser considerado como uma experiência repetida da onipotência criativa, sendo o parceiro o objeto transicional. O controle mágico sobre a realidade externa é revivido se o parceiro se adapta às necessidades do outro; se essa adaptação não se concretizar, o estado de satisfação deixa de ter continuidade e se instala a crise na relação. A desilusão faz com que as individualidades sejam restabelecidas, possibilitando o surgimento do amor; quando a ruptura não é tolerada, o casal pode entrar num processo psicótico, provocando um congelamento das diferenças sexuais.

A organização psicótica da relação conjugal tem três estruturas: o casamento compulsivo-perverso, onde a atividade sexual é rígida, perversa e restrita; o casamento narcísico-perverso, que busca desesperadamente a vivência ilusória como completa e eterna; o casamento desafetado, em que as pessoas são desconectadas de suas emoções.

A relação conjugal começa a se formar de duas maneiras: uma psicótica e outra neurótica. A primeira calcada nas idealizações pelas relações objetais da infância; a segunda se caracteriza pela aceitação da realidade exterior, transformando o estado inicial de encantamento em cumplicidade. Na medida em que o casal transita com liberdade entre esses dois aspectos, é possível manter a paixão ou criar condições para dissolver a relação.

Cap.V- Aqui o autor relata um caso de casamento compulsivo-perverso e o modo como o terapeuta interage, após um período exaustivo de manipulação dos parceiros, a partir de relatos de lembranças infantis de ambos. O terapeuta observa que esse tipo de casamento se constitui de dois mundos: um desconectado das respectivas emoções, em que vivem solitários e outro sensual, em que reinam absolutos. Conclui que a atividade sexual desse casal se assemelha aos sonhos, trazendo à tona indícios da organização inconsciente da relação. A intimidade do casal reativa conteúdos mentais recalcados ou dissociados, que representam dificuldades e resistências dos parceiros, e se manifestam nas queixas que eles expressam, nos desacordos sexuais. "O que é recusado e negado é encerrado ad infinitum através de um comportamento sexual perverso, rígido e restritivo".

Cap. VI- Neste, o autor se refere a um casamento narcísico-perverso, baseado no desejo de fusão; mostra como, diante da insatisfação ilusória desse desejo, foi se instalando forte raiva e desespero, provocando intervalos na relação, tentativas de novas experiências, reconciliações, distúrbios psicossomáticos e depressões. Ambos perseguiam a ilusão de uma psique única, uma unidade imaginada como completa, eterna e todo-poderosa. Essa perseguição impedia o pensamento, a percepção, a observação e a avaliação, o que provoca sentimentos e impulsos incontroláveis de vingança, ódio e ressentimento. Perderam a capacidade de reconhecer seus próprios limites, projetando no outro o desprazer e esperando dele o retorno da satisfação. O casal quer permanecer na magia que os uniu e, ao ter que se haver com a realidade externa não desejada, se entrega à indignação.

Cap.VII- Neste capítulo, o autor disserta sobre a psicoterapia do casal, através de um atendimento onde, novamente, aparecem os conflitos que provocam separações e reconciliações e a constatação de ambos continuarem insatisfeitos, tanto juntos quanto separados. Buscam a terapia expressando que foram traídos e enganados, transtornados e desiludidos.

A terapia vai, aos poucos, tornando visível o mundo relacional que sempre esteve presente e que o casal evitou, recusou, reprimiu e dissimulou. É preciso "permanecer num estado de desconhecimento, elaborar uma hipótese, desmontá-la, refazê-la, reconstruí-la, ampliá-la, desdobrá-la, remontá-la"; flutuar com o casal, do que é conhecido e diferenciado, para as estruturas ocultas e menos diferenciadas, cuidando para que o cáos não se instale.

O terapeuta precisa estar capacitado a tolerar esse cáos que trará momentos de ódios, loucura, alienações, os atos falhos que aparecerão nos sonhos, transferências e contratransferências. É necessário investigar e verbalizar as idéias e sentimentos intoleráveis em relação a si mesmo, ao outro e ao casamento, que era fantasiado como algo mágico, capaz de destruir o que tinham de valioso. Imaginavam que, se fizessem isso, iriam destruir a relação, passando a não se conscientizarem dos conflitos, na ilusão de ultrapassarem-nos. Ao reproduzirem na terapia seu modo de funcionar como casal, transferem para o processo seus receios de desorganização, ao investigar e verbalizar o que mantinham afastado da percepção ou silenciavam. Cada parceiro guardava uma imagem de si, do outro e da relação, que era compartilhada ou complementada pelo outro. Para cada um havia uma unidade pessoal e coletiva; buscam a terapia quando essa unidade se perdeu, quando houve cisão entre o atual e o virtual; às vezes, sem perceberem a séria crise do casamento, outras através de ataques ao parceiro e ao casamento, às vezes negando os conflitos; enfim, sem saber prosseguir e não podendo ficar como estão, à espera de uma solução do terapeuta. Esperam uma mudança, mas não querem pensar no todo e em si mesmo em relação ao outro; e é diante do impensável, ao se depararem com as forças emocionais, com as regras inconscientes, que determinam e delimitam a relação, é que são forçados a pensar.

A preocupação do terapeuta é não entrar na crença do casal que o problema está no outro ou no casamento, e procurar soluções; o importante é objetivar o funcionamento do pensar, investigar a razão de ser inconsciente para a motivação da escolha do parceiro, para ficarem juntos ou se separarem. Essa investigação é feita através da transferência e da contratransferência intraconjugal e do casal, em relação à terapia e ao terapeuta.

Cap.VIII- O autor aborda a transferência e a constratransferência, sem se aprofundar nos diferentes enfoques. Fala da impossibilidade de ignorar esses fenômenos no processo psicoterápico, por serem inerentes às relações humanas, e discorre sobre como eles se manifestam na terapia de casal; por terem esse vínculo relacional há muito tempo, sentem o desconforto do casamento, mas não sabem o que fazer; buscam ajuda e colocam no terapeuta a solução para reverter esse processo sem alterá-lo; resistem à idéias que têm problemas individuais de desenvolvimento; esperam uma orientação que não acontece e, na frustração que sentem, tentam imobilizar o terapeuta; nessas tentativas aparece o funcionamento habitual do casal, o repertório de reações defensivas que usam para não entrarem em contato com a realidade e a provável mudança da mesma. Frente à transferência do casal, o terapeuta reagirá constratransferencialmente; essa situação se manifesta por sensações de letargia, sono, distanciamento, impotência e onipotência. Esses transtornos vão depender do desenvolvimento pessoal do terapeuta para serem trabalhados.

Encerra o capítulo, abordando as motivações inconscientes do terapeuta, para trabalhar com casais; para o autor, a motivação está relacionada a conflitos edípicos, uma tentativa inconsciente de reparar, de forma maníaco-depressiva, o casamento dos pais internalizados; ou, de forma esquizoparanóide, reagir defensivamente a imagens agressivas dirigidas à relação dos pais.

 

Apreciação pessoal sobre o livro

A autora enfoca, de maneira elucidativa, problemas freqüentemente deparados no atendimento de casais: a necessidade de buscar o subjacente às queixas individuais do casal; as manifestações do primitivismo do eu de cada um e como vêm à tona nos conflitos; as repetições de experiências da infância e da vivência com os pais, inerentes às pessoas; as formas de interação que se instala na vida conjugal; as tentativas de transformações sem sofrimento; a expectativa de soluções mágicas e gratuitas por parte do terapeuta; as características funcionais específicas dos diferentes tipos de casamento; e, por último, as questões pessoais do terapeuta que o levam a trabalhar com casais .

 

Nome do autor da resenha e data: Lia Nancy / abril 2004.