Resenha de Livro
Curso de Formação em Terapia Relacional Sistêmica
Psicóloga Solange Maria Rosset

 

Nome do Livro:

Terapia de família - a primeira entrevista

 

Autor do Livro:

Helm Stierlin, Ingeborg R. Noerbert Wetzel, Michael Wirching

 

Editora, ano de publicação:

Gedisa S.A.Barcelona / Espanha 1981

 

Relação dos capítulos

Cap. 1- Por que tem sentido falar com toda a família?

Cap. 2 - A concepção de interferências entre individuação, interação, delegação, legado e mérito

Cap. 3 - A terapia familiar como processo empático. Compreensão, interpretação e estruturação na entrevista familiar

Cap. 4 - Objetivos da primeira entrevista familiar

Cap. 5 - Como transcorre a primeira entrevista familiar?

Cap. 6 - Famílias problemáticas

Cap. 7 - A família Bolt. A entrevista familiar

Cap. 8 - Discussão do caso

Cap. 9 - Os testes familiares: Rorschach e TAT

Cap. 10 - Integração dos resultados da investigação. A terapia: perspectiva de futuro.

 

Apanhado resumido sobre cada capítulo

Cap. 1 - Por que tem sentido falar com a família?

A família evidencia ser o sistema central para o homem: as principais identificações, os mais importantes valores e objetivos do homem, sua adaptação social remetem ao que lhe sucedeu e sucede em sua família.

A terapia familiar é um paradigma novo, que nos obriga a romper com hábitos de pensamento e modelos tradicionais. Na terapia familiar que exige uma perspectiva de sistema, vemos o paradigma dos modelos causais circulares onde os integrantes da família se apresentam como elementos de um círculo de interação, no qual a conduta de um membro influi nos demais e é influenciado por estes. Este novo paradigma revoluciona a prática terapêutica, pois os terapeutas familiares se caracterizam por partir de uma suposição básica comum: se há de mudar um indivíduo, deverá modificar-se o meio em que se move. A unidade de tratamento já não é a pessoa isolada, ainda que se entreviste a um indivíduo somente, mas também a rede de relações em que este se acha envolvido.

A terapia familiar acentua o trabalho de reestruturação nas relações existentes que pode realizar-se de diversas maneiras e a finalidade é experimentar e superar os conflitos no seu lugar de origem. O que exige uma disposição para a reconciliação intrafamiliar. Segundo Ivan Boszormenyi-Nagy: "Tentem falar entre vocês, na medida do possível, de coisas que até agora não puderam falar".

Na terapia familiar a competência do analista está em reconhecer e mobilizar os recursos ainda improdutivos ou mal dirigidos no conjunto da família. Trata-se de recursos de disposição para a ação e o sacrifício, vontade para confrontação, capacidade para a luta, para suportar a realidade e para o justo "saldar contas" e para mobilizar estes recursos deve utilizar grande fantasia e intervenções terapêuticas preparatórias ou simultâneas, com qualidade paradoxal.

Tais intervenções podem começar com toda a família ou com um de seus subsistemas, por exemplo, o casamento, com a mãe e seus pais, com o pai e seus pais ou com os filhos. Muitas vezes é adequado trabalhar por fases com um só ou com vários dos subsistemas. Também o indivíduo constitui um elemento ou um subsistema de uma família.

A tese central é: a terapia familiar não deve ser entendida como uma nova forma de terapia que aumenta nosso instrumental terapêutico; é algo mais: um paradigma, uma concepção terapêutica fundamental. A entrevista familiar é o centro da terapia familiar. São indicadas quando:

- existem vínculos fortes e condições de exploração familiar

- quando a causa de vínculos fortes invisíveis de lealdade, o trato confidencial com um terapeuta, amigo ou casal se mostra como traição da lealdade à família e sem um trabalho simultâneo nele e com a família, tais sentimentos de culpa conduzem a uma auto-sabotagem inconsciente: o cliente reincide, "fracassa ante o êxito"

- quando existe o perigo de que uma terapia individual separe uma relação, casal ou família

- quando se impõe a aplicação de recursos terapêuticos ao nível de sua maior eficácia possível, como casos de anorexia nervosa ou perturbações esquizofrênicas

- quando se trata de resistir a um isolamento profundo e uma expulsão, casos de pessoas enfermas, anciãs e moribundas.

 

Cap. 2 - A Concepção de interferência entre individuação, interação, delegação, legado e mérito.

A teoria determina a observação

Segundo Einstein e a observação também determina a teoria e isto se pode aplicar especialmente as entrevistas familiares. Temos atribuido importância à cibernética moderna, à doutrina dos processos de controle e sobretudo os de retroalimentação dos sistemas vivos na compreensão dos conceitos dinâmicos da família.

Dialética

Estes conceitos são em particular também as qualidades, papéis ou posições de poder dos membros da família. A constante modificação da perspectiva mostra que por detrás de umas disposição conciliadora de mártir pode ocultar-se perfeitamente uma agressividade (porque mostra fortes sentimentos de culpa) e que o pode revelar-se como impotência, o egoísmo como abnegação altruísta.

Uma dialética desta índole nos revela um movimento das relações, que pode adotar a forma de uma.

Reciprocidade positiva ou negativa

A reciprocidade positiva tem um caráter dialógico-expansivo: os interlocutores se reafirmam e reconhecem mutuamente em planos cada vez mais complexos e existencialmente mais importantes, o que permite uma verdadeira confrontação. No caso da reciprocidade negativa, o movimento dialógico está perturbado e restringido: em vez de reconhecer-se mutuamente, os interlocutores se desvalorizam um ao outro e as possibilidades de uma verdadeira confrontação faltam ou reduzem muito.

A relação do indivíduo com o sistema de interferências

Encontramo-nos diante de estados de equilíbrio em contínua alternância - estados de tensão, de reconciliação ou também de distanciamento entre os distintos sistemas e seus elementos. A relação do indivíduo com o sistema interferencial (familiar ou social) pode determinar-se de maneira que o indivíduo é "conservado" e "superado", isto é, se reconhece e aprecia em sua peculiaridade e significação e se vê como parte do sistema.

Estruturas verticais versus horizontais

Estruturas verticais incluem as várias gerações e as horizontais incluem membros da mesma geração.

A distinção entre estruturas verticais e horizontais nos revela uma relação de tensão entre o historicamente constituído e a atualidade aberta ao futuro: nossos impulsos, motivações e atitudes mais profundas se demonstram como conseqüência e a expressão de um acontecer familiar que transcende as gerações.

As estruturas dinâmicas relevantes estão freqüentemente encobertas, ou seja, os membros da família não são, em parte, conscientes deles, como um observador externo, por exemplo

Dimensão ética

Este modelo abre uma dimensão ética no aspecto de que conceitos como exploração, honradez, mérito, obrigação, rendição de contas, disposição para o sacrifício, justiça, lealdade, confiança e corrupção indicam as contribuições aos sistemas ou forças que determinam a dinâmica da relação e motivação familiar ao longo de gerações. Seus membros resultam ser transmissores tanto vítimas quanto executores das estruturas e os processos que entram em ação de modo vertical e estas forças determinam a atuação presente e futura.

Captamos tanto as posições ou contribuições individuais quanto as forças supra-individuais nos sistemas. Entram tanto determinadas constelações de conflitos quanto possibilidades para sua solução ou sua conciliação. Cada aspecto nos permite reconhecer forças destrutivas e curativas e revela possibilidades de intervenção terapêutica. São eles:

Os cinco aspectos principais

1. A individuação relacional

2. Os modos de interação, de ligação e expulsão

3. A delegação

4. A perspectiva plugeracional de mérito e legado

5. O status da reciprocidade

 

1. Individuação relacional

O conceito refere-se primeiro lugar à formação de peculiaridades individuais e delimitações psíquicas. Aspira-se a graus de individuação mais elevados e há o perigo de super-individuação e sub-individuação.

Na super-individuação a fronteira com os demais é rígida e densa: a independência se converte em isolamento, a separação em solidão irremediável, o intercâmbio com os demais cessa.

Na sub-individuação, fracassou a delimitação segura; os limites são brandos, permeáveis, quebradiços. A perda de individuação é o perigo que representa a fusão com ou absorção por parte de outros organismos mais fortes. Portanto, todo progresso na individuação requer novos esforços de comunicação e reconciliação. Em determinados momentos e de uma certa maneira as fronteiras habitualmente sólidas e protetoras têm que abrir-se e o isolamento deve conciliar-se com a comunidade, a individualidade com a solidariedade, a autonomia com a interdependência. Estes esforços de reconciliação exigiram estruturas de relação e processos cada vez mais complexos, por isto chamamos de "individuação relacional".

A individuação relacional significa capacidade para autodiferenciação e autodelimitação, isto é, a diferenciação do mundo interno em esferas conscientes e inconscientes, em sentimentos, necessidades e expectativas claramente articulados, em percepções internas e externas, etc., e a delimitação respectiva do mundo exterior, sobretudo das idéias, necessidades, expectativas e aspirações dos demais.

Os pacientes esquizofrênicos demonstram perturbações exemplares da individuação relacional, nos seguintes aspectos:

- a fusão simbiótica, em que as vivências próprias, o sentimento da própria mesmice, o próprio rol sexual ou profissional se confundem com as vivências, os sentimentos e o rol de outra pessoa;

- o isolamento autista rígido, que freqüentemente tem uma tonalidade de desconfiança paranóica;

- a situação ambivalente pendular entre ambos extremos.

As perturbações da individuação relacional como traço característico do sistema e há que conceituá-la de acordo com o sistema.

Quando há uma insuficiência de individuação relacional, os membros da família não são capazes de delimitar seus próprios desejos, expectativas, sentimentos, idéias e motivações das de outros e menos ainda em situações nas quais se exige proximidade emocional e empatia. A conseqüência é que as posturas de sentimentos não podem articular-se e os conflitos não podem definir-se nem resolver-se.

Sobre o isolamento versus fusão, dado que os membros da família são incapazes de delimitar-se diferenciadamente uns de outros e a determinar-se a si mesmos, são igualmente incapazes de assumir a responsabilidade por tudo que sentem, desejam, defendem.

Em outro extremo, o retiro a posições de isolamento defendidas em casos de ruptura de comunicação e a relação inter-humana, pode observar-se quase com a mesma freqüência. O levantamento de semelhantes barricadas se manifesta como uma desesperada defesa, pois todo consentimento e todo começo de um contato parece implicar a ameaça de uma fusão. Em algumas famílias alternam a fusão e a retirada a posições rigidamente delimitadas. Evidencia faces da mesma moeda, ainda que opostas e de perturbações graves.

Mesmo em famílias nas quais há perturbações graves da individuação relacional, em geral podem observar-se disposições para elevar o nível de individuação. Por isto terapeutas familiares, iguais aos da gestalt, acentuam necessidade de que cada membro da família, cada cliente fale por si mesmo e de que se fomente uma comunicação clarificadora e geradora de responsabilidade pessoal. Pois as perturbações na comunicação tem antes de tudo a função de tapar, negar e deixar em suspenso conflitos graves e duradouros.

 

2. Os modos de interação, ligação e expulsão

Por modos de interação entendemos estruturas de relação que exercem uma ação prolongada. Os enredos e as dificuldades de separação tentada ou não, vitoriosa ou fracassada de pais e filhos. Os conceitos de ligação e expulsão refletem o domínio de forças centrípetas e centrífugas, na dinâmica de separação interacional. Em geral pode dizer-se que se prevalece o modo de ligação, o filho fica preso mais prolongada e fortemente no núcleo familiar e sua separação dos pais se retarda. Se domina o modo expulsivo, se acelera a separação dos pais; a conseqüência é uma autonomia prematura.

Os três planos principais de ligação

Os efeitos podem acontecer

- no plano afetivo, no qual se manipulam e exploram sobretudo necessidades infantis de dependência; aqui ocorrem mimos regressivos. O filho chega com facilidade a uma passiva dependência, quando não de simbiose, que reflete e fomenta as perturbações da individuação relacional

- no plano cognitivo, se uma parte dos pais é o ligante (ou ambos) e impõe ao filho a força do próprio eu distorcido, neste caso o que ocorre é mistificação, os pais expõem o filho dependente a sinais contraditórios, de modo que ao final não pode ler corretamente nem sequer seus próprios sinais interiores. No caso de filhos posteriormente obesos, estes pais mistificam a seus filhos com respeito a vivências de fome e satisfação do apetite. São pais que sabem se os filhos estão ou não satisfeitos. Desvaloriza-se o conhecimento próprio dos filhos e se distancia de sua vida vegetativa interior. Tais pais seguem nutrindo seus filhos ainda quando estes tem comido mais que suficiente, o que leva a engorda

- no terceiro plano, no qual se nutrem, se exploram necessidades infantis de lealdade, desenvolvendo forte sentimento de dever. Sente que a sobrevivência psicológica dos pais depende exclusivamente dele, o qual traz como conseqüência uma intensa culpa de evasão, se alguma vez tentou e ainda que só foi em pensamentos, uma separação.

Outros aspectos da ligação determinam constelações de conflitos de prolongada disposição, por exemplo no caso de filhos mimados que se tornam tiranos desapiedados, muitos casamentos precipitados são para libertar-se dos pais.

A ligação significa sempre para o ligado também uma privação, sobretudo das capacidades de impor-se e de

ajustar sua vida de modo autônomo.

Características do modo de expulsão

Aqui também podem comprovar-se privações fortes. O filho não é ligado, senão rejeitado, descuidado, expulso. As pessoas expulsas têm uma imensa necessidade de recuperação de calor e proteção. Porém como não aprenderam a viver a intimidade abertos a confiança nem a convertê-la em algo construtivo, facilmente retrocedem assustados ou provocam de novo sua expulsão. Falta o mínimo de individuação relacional que lhes permita mover-se em um campo tanto intenso quanto mutante de proximidade e distância. Uma parte dos indivíduos expulso tende a deixar-se levar à deriva. Dado que a estas pessoas desde o começo falta o sentimento de ser importante para outros, tampouco na vida posterior há algo que lhes resulte verdadeiramente importante. Outro grupo, busca uma reafirmação de maneira supercompensadora, narcisista, para daí obter uma sensação da própria importância. De qualquer modo, estas pessoas expulsas tentam converter sua compulsão à autonomia prematura em uma vantagem, por exemplo, sacando benefícios de sua escassa capacidade para a lealdade e preocupação pelos demais.

Conforme prevaleça a ligação ou a expulsão, o entrevistador matizará sua primeira entrevista familiar. Tem que procurar desde o princípio o afloramento de uma ligação estreita e fomentar um desligamento, ou se vê ante a necessidade de tratar de estabelecer uma ligação fundamental trabalhando contra a carência de ligações.

 

3. A delegação

O jogo das forças centrífugas e centrípetas insinua-se no duplo significado do latim "delegare" = "remeter" e "confiar um encargo, uma missão". O elemento nuclear da delegação é o vínculo de lealdade que une o delegador com o delegado. Os encargos delegados pelos pais a seus filhos podem prover dos mais diversos planos de impulsos e motivações. A delegação não é necessariamente patológica em todos os casos. É a expressão de um processo relacional necessário e legítimo: ao deixar-nos delegar, nossa vida adquire direção e sentido, cimentando-se em uma cadeia de deveres que transcende as gerações. Como delegados de nossos pais temos a possibilidade de demonstrar nossa lealdade e integridade e de cumprir encargos que têm um significado não só imediato pessoal, mas também superpessoal.

O processo de delegação pode desandar de três maneiras:

- quando não podem harmonizar-se com os talentos, reservas e necessidades próprias da idade do delegado e o exigem demais, e ele se impõe uma força desigual, o que significa uma exploração psicológica (quando precisa dar conta do que os pais não foram)

- quando há conflitos de encargos, isto é, quando os encargos dados por um ou vários delegadores não podem conciliar-se e arrastam o delegado em distintas direções

- quando surgem conflitos de lealdade, o delegado está exposto a fortes sentimentos de culpa, se trai um pai delegador em favor de outro.

Estes desvios nos levam a outra direção: a que existe entre delegados ligados e expulsos.

Os delegados ligados têm que levar a cabo encargos que os mantêm permanentemente apressados no campo de tensões emocionais e o horizonte da família (por exemplo, cumprir os encargos de um irmão falecido).

Os delegados expulsos, por ter experimentado desde cedo uma frieza e um distanciamento por parte dos pais crêem finalmente que podem obter um mínimo reconhecimento paterno só se executam seus encargos de um modo perfeccionista e com uma dedicação desesperada. É lhes delegado para converter-se em personalidades vitoriosas que nunca se rebelem, conformistas.

O modelo de delegação requer do terapeuta uma determinada estratégia terapêutica relacionada ao paciente expoente, o portador do sintoma. Ele se apresenta como o delegado explorado. Por um lado tenta executar fielmente suas missões que o superam e são inconciliáveis; por outro se rebela e tenta vingar-se dos pais pelo que lhe tem feito. Primeiro assume um papel de vítima através do cumprimento dos encargos, que lhe dá satisfação e também tira dos pais a carga de angústia e culpa, posto que ele é o enfermo, o fracassado e não eles. Pode ser o único da família que consegue representar em sua pessoa problemas que os demais devem ocultar; por isto funciona simultaneamente como iniciador e catalizador de uma terapia familiar da qual todos se beneficiam.

Pois são justamente seus méritos em prol da família e sua missão de vítima o que dá ao delegado a possibilidade de atemorizar aos pais e outros membros da família e de carregá-los de culpa e vingança. Mostrar seus sintomas, enfermo e perturbado, ser um fracassado, de baixo rendimento, é a demonstração do fracasso e maldade dos pais. Assim se vinga dos supostos e reais exploradores paternos.

Ao terapeuta se exige a compreensão dos pais, que no fundo todos querem ser pais bons e amorosos. Porém são também filhos de seus próprios pais e levam uma carga pesada de decepções, de amor e justiça escamoteados, de fracassos, traumas e perdas dos quais não tem culpa e que transmitem a seus filhos de um modo ou outro, delegando-lhes de maneira exigente ou buscando neles satisfação e reafirmações. Para se ter justiça a pais que se tornaram vítimas, o seguinte ponto de vista é fundamental.

 

4. A perspectiva plurigeracional de legado e mérito

a) Legado

No radical latino de "delegare" se encontra também a raiz "lex" (lei) e possivelmente "ligare" (ligar, atar). Delegação pode expressar uma ligação, obrigação ou compulsão a prestar contas que se mantém ao longo de gerações. A experiência clínica indica que as perturbações esquizofrênicas são tanto a expressão quanto a conseqüência de um legado de lealdade dividida (como Romeu e Julieta).

b) Mérito

A dinâmica das relações familiares está determinada por um "livro maior de méritos", uma força motivadora semelhante a pulsão ou necessidade. O cumprimento ou descumprimento de legados repercute no "estado de conta de méritos" de cada membro da família. Ele determina a sensação de ser tratado de modo justo ou injusto, de ter uma integridade ou de ver um sentido na vida.

Com o conceito de contas correntes de mérito está vinculada a idéia de uma compulsão, que atua ao longo de várias gerações, de prestar contas sobre méritos (existentes ou ausentes) ou de exigir de outros membros da família. Se não se prestam contas, existe o perigo de uma constante exploração dos diversos integrantes e da corrupção de todo sistema. Ao mesmo tempo, estanca o diálogo enriquecedor; uma reciprocidade negativa se implanta no lugar da positiva e prevalecem o estancamento e o distanciamento.

A perspectiva plurigeracional nos revela uma dimensão de relações humanas na qual, ao longo de várias gerações, se transmitem legados, se constróem ou desmontam livros maiores de méritos, se cumprem ou descumprem deveres, se demonstram ou traem lealdades invisíveis.

O objetivo terapêutico é determinar os respectivos legados e "deveres e haveres" de méritos, de impulsionar a negociação correspondente e de possibilitar ajustes, acertos de contas e finalmente a reconciliação, o que deve acontecer desde a primeira entrevista.

 

5. O status de reciprocidade

Os quatro pontos de vista anteriores convergem no status de reciprocidade e capta o aqui e agora, o estado presente do sistema, a atual constelação relacional. Bateson tem sido o fundador, dito de modo simplificado, aqui todas as relações se vêm arrastadas pela luta pelo poder, a qual Bateson designou como "escalação simétrica".

a) O enganche maligno como forma extrema de reciprocidade negativa

A luta extrema pelo poder pode desembocar nesta forma de boxe maligno. O sistema se torna completamente rígido. Em que pese uma possível mobilidade dramática exterior, na relação não se move nada; as partes se encontram como no "cerrar os punhos" em um combate de boxe.

b) O "clinch" na luta interrelacional

Nesta luta, os adversários mutuamente enganchados estão animados por um furor bélico e também se agridem ferozmente sem perceber que nenhum dos dois pode desfazer o gancho nem fazer avançar o combate. As diferentes estratégias e táticas em que se refletem as idéias, metas, experiências e histórias individuais dos combatentes estão como borradas por um clinch (segurar). Já não se mostram mais que dois sacos de músculos, enganchados um no outro e que se golpeiam como máquinas. É um estado difícil de reconhecer, pois estamos acostumados a ver um dos adversários de cada vez. Por exemplo, um paciente muito delgado ou esquizofrênico, enquanto que o resto da família sai fora do alcance da vista. As armas pela luta de poder são desde deixar o adversário indefeso e submetê-lo à pressão da culpa servindo-se de sintomas ou comportamentos masoquistas, a mistificação mútua, a preparação de duplos vínculos, isto é, de armadilhas da relação, evitar uma definição da relação, aludir a um papel de líder e a própria responsabilidade; enfim, táticas de poder para causar insegurança, desvalorização e desmascaramento, sempre sutis. Desta maneira, muitas perturbações sexuais se manifestam como conseqüência e expressão de uma luta por poder, na qual a sexualidade, em vez de fazer gozar a parceira, relaxá-la e aprofundar e reafirmar sua relação, aponta uma cruel arsenal de armas com o que conseguem humilhar-se recíproca, desmascarando-se mutuamente como fracassados, covardes, castigando-se e condenando-se à abstinência. Ao fortalecer esta luta pelo poder, o clinch se torna mais rígido e com isto o enganche maligno no qual só pode haver perdedores.

c) Considerações terapêuticas ante o enganche maligno

De maneira ativa, o terapeuta familiar ou de casal tem que por em jogo, no caso do enganche maligno, o peso de sua personalidade ou autoridade, para romper com isto e recrear o espaço em que possa despregar-se o espectro dos diferentes valores e motivações dos adversários.

Como o terapeuta não se encontra só em posição de salvador potencial, mas também de juiz potencial, o significado do que M. Selvini chamou de conotação positiva, o dar um sentido positivo: a capacidade, ou mais, a arte do terapeuta de abster-se, precisamente na fase inicial de uma relação terapêutica, de toda tendência à reprovação, atemorização e criação de sentimentos de culpa, por sutil ou oculta que seja, e de aprovar, tudo que os paciente façam. Isto cria uma condição para romper o clinch maligno e a luta pelo poder.

Por exemplo, pode aplicar-se agora a estratégia do desenganchar que se conhece como intervenção e prescrição paradoxal. No marco desta prescrição o terapeuta aprova também a conduta do portador do sintoma, conduta que leva à crise e agravamento da enfermidade e mobiliza justamente por esta atitude. Supondo que a prescrição "dê no branco", tanto no próprio paciente como em seus familiares a vontade de desistir deste comportamento. Semelhante desengate da luta pelo poder possibilita a todos os participantes um novo começo para a individuação e separação recíprocas, permite analisar seus sentimentos ambivalentes e iniciar, entre eles e com os demais, um diálogo verdadeiro. Mas não se desfaz um enganche maligno somente com prescrições paradoxais. Quanto maior a flexibilidade e freqüência de intervenções do terapeuta, tanto maior suas possibilidades.

Segundo Minuchin, o terapeuta pode intervir alternativamente como aliado de um ou outro membro da família e com isto dissolver fronteiras e estruturas relacionais endurecidas. Pode confrontar as partes com gravações ou vídeo das sessões terapêuticas. O terapeuta pode conduzir a família a passo forçado, aquela constelação dinâmica, aquele complexo de motivos, no qual o enganche maligno está suspenso como em um nó.

O terapeuta pode ajudar aos membros da família a realizar um esforço de duelo pendente há muito tempo. Por diferentes que sejam, todas as estratégias de desenganchar têm em comum a participação ativa do terapeuta e a rápida construção de uma relação positiva e limpa com todos os participantes. A parte principal do trabalho terapêutico começa só depois do desenganchar, um trabalho que se propõe respectivamente o fortalecimento da individuação relativa, o desligamento, a elucidação e possivelmente a redistribuição das delegações super-exigentes, a confrontação e o ajuste de contas de méritos, e por fim, a reunificação e reconciliação.

 

Cap. 3 - A terapia familiar como processo empático. Compreensão, interpretação e estruturação na primeira entrevista familiar

Empatia na terapia familiar

Sua capacidade empática integradora deve dirigir-se não só a processos interiores de indivíduos (no plano intrapsíquico) e a relação destes com ele, senão também aos fenômenos que têm lugar entre os membros da família e com isto as forças do sistema reveladas pelas cinco perspectivas nomeadas, assim como a relação de toda família com ele.

Captação de forças do sistema

Obter esta integração empática depende em primeiro lugar da capacidade do entrevistador de adquirir uma visão de conjunto, do sistema e de saber mantê-la. A pergunta central é: como se tratam as pessoas mutuamente? Estas perguntas, estas visões diretrizes podem ajudar a captar as forças do sistema: condicionam-se mutuamente as perturbações e os conflitos dos diferentes membros? Condicionam, asseguram e compensam, por exemplo, a frigidez da esposa a impotência do marido, a dependência de um a generosidade de outro? Que processos de retroalimentação mantém ativo, em cada caso, um determinado comportamento, de modo que se propulsiona em movimento espiral um processo circular patológico, uma reciprocidade negativa? Até que ponto e desde quando, se tem nivelado por meio do desgaste um estado de equilíbrio de necessidades, expectativas e posturas de desprezo recíprocas?

A dinâmica relacional não respeitada pode ocasionar já na primeira conversa um círculo negativo. Os padrões relacionais perturbados se fortalecem, a conversa trunca e freqüentemente não pode repetir-se.

Firmeza cognitiva

O entrevistador deve registrar e ordenar informações numa visão de conjunto e também estruturar a conversação, ou seja, enquanto obtém informações relevantes, reconhece um padrão relacional recorrente, muda o foco e convida a família a compartilhar o novo enfoque. Aos estilos de comunicação distorcidos no seio da família contrapõe sua linguagem unívoca e sua condução ordenada da conversação. Assim representará a realidade e atuará de modo desmistificador.

Ver o que ocorre

O esforço do terapeuta para clarificar e estruturar a conversa não deve ir além de sua receptividade e flexibilidade. O terapeuta deve abordar imediatamente o que ocorre (também no plano verbal) e incluir em seguida na conversa, por exemplo, se o filho chora, se os processos verbais contrastam com o dito.

O entrevistador como diretor de cena e observador participante

Em sua qualidade de diretor conduz o processo dinâmico, onde haja ameaça de estancamento põe em marcha o drama. Enquanto explora planos cada vez mais essenciais da conversa, protege simultaneamente aos participantes contra o potencial destrutivo dos sentimentos que vão expressando. Fomenta a exteriorização de idéias e sentimentos que até agora haviam sido tabu, e evita a família de repetir explosões agressivas que eram padrões de conduta longamente estabelecidos. Enquanto dirige assim os acontecimentos, introduz-se ao mesmo tempo como observador participante na dinâmica familiar, escuta comprometendo-se e registra as tendências, as forças e os sentimentos contraditórios da família.

O terapeuta se converte em parte do sistema e tem que voltar a desprender-se dele

O processo de envolvimento é inevitável. Desta maneira o terapeuta obtém uma impressão nova da família. "Como se sente tudo de dentro?" "Como me sinto como membro deste sistema?" Se o entrevistador se defende consciente e energicamente desde o começo contra toda incorporação traçando limites, distanciando-se e estruturando demais a conversa, resultará difícil inclusive reconhecer as estruturas familiares ocultas e estabelecer um contato emocional e confidencial com os membros da família. O primeiro passo consiste, pois, em reconhecer como e de que modo o entrevistador é absorvido pelo sistema.

Há diversos caminhos para desprender-se logo do sistema e recobrar a posição terapêutica: o terapeuta pode modificar o padrão relacional. Por exemplo: se numa família mal delimitada cada um fala pelo outro e sabe o que ocorre dentro do outro, o terapeuta pode chamar a atenção sobre este hábito e insistir numa mudança ("Realmente estava pensando neste momento o que sua mulher supõe?" "Pergunte a seu esposo o que está pensando?") Se muda o padrão relacional da família, também se libera o terapeuta. Em outras situações o terapeuta traça os limites adotando uma atitude mais estruturante e exploradora. Ou interrompe a conversa ou faz uma pausa, podendo consultar o co-terapeuta sobre o procedimento ulterior.

Um partido

Este conceito agrega outra dimensão ao conceito de empatia. No curso da terapia toma partido por cada um dos membros da família de maneira comprometida, porém se deixa guiar por um sentido de justiça compensadora. Uma parcialidade assim dirigida não deve significar que na primeira entrevista o terapeuta dedique a cada membro da família a mesma quantidade de atenção e tempo. Um partido significa que o terapeuta proporciona a todos os integrantes a sensação de serem pessoas valiosas, que contam e cujos requerimentos trata de fazer seus, assim como a sensação de que aprecia a cada membro da família a seu modo. A capacidade empática do terapeuta tem que ajudar a superar estas diferenças. Seu sucesso será maior quanto mais tenha aprendido a elaborar sua contratransferência e sobretudo a compreender os aspectos dolorosos do passado histórico-evolutivo dos próprios pais.

Não perder de vista o positivo

São precisamente os principiantes os que deixam induzir-se na primeira entrevista familiar a falar só de perturbações, conflitos e patologia, enquanto que os recursos da família ficam sem mencionar, desatendidos e desaproveitados. Sempre que buscamos conflitos e pontos fracos, é preciso que perguntemos ao mesmo tempo: onde se acham os pontos fortes da família? Quem ou o que podia ajudar? Que tentativas tem feito a própria família para superar as dificuldades?

Esta construtiva visão do sistema é especialmente importante porque numa conversa comum com toda a família os padrões de perturbações podem destacar-se muito mais rápida e nitidamente que numa terapia individual. Se o terapeuta não experimentado se dedica unicamente a estes padrões de perturbações, fomentará com essa atitude o sentimento na família de ser irremediavelmente patológica.

Atividade

Se o terapeuta deixa solta a sessão, regularmente se produz uma escalada de padrões relacionais destrutivos ou se consolida um clinch maligno: sob o estresse da conversa familiar se consolida no sistema as conhecidas manobras defensivas, que reforçam sua patologia. A comunicação e interação perturbadas se atiçam ainda mais, como um uma incubadora. A pressão aumenta e a família sai da entrevista com a impressão de que tudo está ainda pior do que já estava. Por isto há que captar o ponto exato no qual se repete um padrão de interação perturbada e no qual possa interromper-se já com uma breve intervenção estruturante ou corretiva. Este pode ser também o lugar no qual se produz um enganche maligno. O terapeuta tem que empregar toda sua autoridade e sua relação de confiança positiva para romper um círculo desta índole. Significa que está disposto a assumir uma responsabilidade, a comprometer-se. Um aspecto importante da atividade terapêutica é sempre a transmissão de esperança e confiança, porém sem nutrir ilusões que mais tarde sejam frustradas.

Problemas de transferência e contratransferência

Uma transferência transfamiliar (que excede a margem da família) se dá quanto padrões de conduta, fantasias, atitudes, expectativas, percepções, etc dos chamados feitos da transferência, que se tem estabelecido nas relações estreitas com a família de origem, sobretudo com os pais, se transferem de maneira inadequada a estranhos, a pessoas que não pertencem à família de origem.

A transferência intrafamiliar se dá quando os feitos transferenciais se produzem de maneira inadequada dentro da família. Em geral participam pelo menos duas gerações, pelo que podia chamar-se de transferência transgeracional.

Na terapia familiar o entrevistador tem que ocupar-se dos dois tipos de transferência. Em geral a transferência transfamiliar passa a segundo plano diante da transferência intrafamiliar. Isto significa que à diferença da relação analítica diádica, o entrevistador se preocupa menos do desenvolvimento de uma complexa dinâmica de transferência e contratransferência referida a sua própria pessoa, que do desenvolvimento e o aproveitamento da dinâmica de transferência intrafamiliar. Sua imparcialidade e empatia atuam no sentido de que as transferências transfamiliares adquiram um caráter positivo e de que possivelmente possam também amortizar-se.

Agora designa posturas, percepções, "manchas cegas" no terapeuta, que lhe dificultam ou impossibilitam uma atitude empática eqüitativa e dirigida a todos os membros da família. É típico que tais problemas contratransferenciais do terapeuta se fundam em suas experiências e problemas não resolvidos com sua própria família de origem. Daí que a elaboração dedicada a esta família de origem cobre uma importância especial e se converte cada vez mais, em requisito dos cursos de formação de terapêutica familiar.

Regras familiares, mitos familiares, segredos familiares

Regras familiares são leis que atuam passando as gerações e que marcam os papéis, as missões e os legados que cada um dos membros da família, sem que estes sejam conscientes de tais leis. ("Em nossa família há que cuidar de outros ou ser cuidado por outros")

Mitos familiares designam fórmulas ou clichês explicativos que são compartilhados por toda família. Servem para ocultar os verdadeiros conflitos, problemas e tensões familiares. Assim existe o mito da harmonia imperturbada, da desgraça suportada em comum, etc. Os mitos familiares estão entrelaçados com os

Segredos familiares: tentativa de suicídio ou exclusões de herança vingativas, por exemplo, não se ajustam ao mito da harmonia familiar, pelo qual devem ser convertidos em tabus, permanecer secretos, desaparecer no vão da memória familiar.

É preciso estar aberto na primeira entrevista familiar a tais regras, mitos e segredos familiares e reconhecer a enorme força estabilizadora (homeostática) que estas podem ter. O terapeuta não deve desmascará-las diretamente na primeira entrevista, mas impor uma direção que permita à família falar mais adiante por si só destas questões.

Os pais de pacientes expoentes

Estes pais se defendem duramente contra a atribuição aberta ou encoberta de um status de paciente, se mostram pressionados pelo medo, a vergonha e a culpa, se sentem como malvados pais fracassados e de pronto levados por força ao juiz e tendem por isto a desfazer-se da própria debilidade e perturbação e projetá-la sobre os filhos ou sobre estranhos. Quando tais pais têm que dirigir-se em presença de seu filhos a uma pessoa mais competente que eles para pedir conselho ou ajuda, sua humilhação e perda de poder lhes parecem totais e sua disposição a cooperar é mínima.

O terapeuta deve ser capaz de ver e reconhecer o positivo nos esforços paternos, por malogrados que sejam e aliar-se com os pais. Se o terapeuta não consegue aliar-se com os pais nem estabelecer uma relação de confiança com eles, a terapia familiar está condenada ao fracasso de antemão. Pois ainda no caso em que os pais explorem excessivamente aos filhos a favor de seus próprios interesses e necessidades, o terapeuta causaria aos filhos um conflito de lealdades se tomasse partido contra os pais.

O paciente expoente, o portador do sintoma, assume a posição oposta aos pais: em contraste com os pais (e demais membros da família aparentemente sãos, se apresente primeiro como o membro mais débil, enfermo, necessitado de ajuda e pressionado por problemas da família, e também como bode expiatório. A debilidade deste paciente é também um ponto forte: os demais podem descarregar seus impedimentos, fraquezas e dificuldades sobre ele, liberar-se disto à custa dele e, em contraste com ele, aparecer fortes, sãos e altruístas. Este paciente alivia os demais e ainda se sacrifica por eles. O papel de vítima lhe dá também o poder de "deixar plantados" com sua culpa todos os outros, por exemplo, devido a um desejo de vingança. Sobretudo na primeira entrevista é importante reconhecer e apontar a capacidade de sacrifício, a força e o poder deste paciente expoente.

Reconhecimento de ambivalência e de sabotagem encoberta

É comum a família marcar e não comparecer, ou desmarcar no último momento, alegando diversos tipos de pretexto, indicando resistências ou ambivalências, muitas vezes as mesmas do encaminhado, o qual pode possui reservas em relação à terapia sistêmica, transmitindo-as de modo encoberto. De modo que é importante reconhecer e tratar já na entrevista inicial.

Problemas de co-terapia

O tratamento de uma família por dois co-terapeutas torna mais pública a conversação e mais complexo o processo empático. É conveniente que os terapeutas se complementem em suas personalidades, estilo de relação e origem familiar, sendo essencial que coincidam em sua orientação teórica

A experiência tem comprovado êxito na formação co-terapeutas sendo um feminino e outro masculino. Também foi comprovado a conveniência de que em cada entrevista um dos terapeutas tenha a responsabilidade principal, enquanto o outro apoia e completa as intervenções e coloca, em certos casos, ulteriores pontos de vista.

Não se pode recomendar a co-terapia como uma via de formação de terapeutas familiares. O que parece melhor é um supervisor, um colega ou um grupo de colegas que observam através de espelho unidirecional e discutem em detalhe com o terapeuta iniciante.

O trabalho em grupo para dominar as variadas informações que se precipitam em pouco tempo sobre os terapeutas para desenvolver uma hipótese de dinâmica relacional e para evitar enredos infrutíferos e planificar intervenções criativas e inovadoras.

 

Cap. 4 - Objetivos da primeira entrevista familiar

São o diagnóstico, a motivação para trabalhar em problemas comuns, a celebração do contrato e a preparação orientadora para a terapia ulterior.

 

1. O diagnóstico

O diagnóstico significa duas coisas: a visão sistemática da família à luz das cinco perspectivas e, em estreita conexão com isto, a compreensão da situação motivacional da família.

Obtemos as informações essenciais para estabelecer a hipótese dinâmico-relacional por duas vias: pela exploração de "realizações familiares" centrais, "existenciais" que nos abrem as cinco perspectivas ( por exemplo, ligações fortes, expulsões, delegações super-exigentes, perdas grandes não choradas, sentimentos de humilhação duradouros, antipatias, atitudes pretensiosas ou rebeldes, etc) e pela observação de padrões de interação familiar típicos e em parte ativados por nós mesmos. Nele nos guiamos pela regra de parar de imediato todos os padrões potencialmente destrutivos, tão pronto como se hajam apresentado com clareza, por exemplo, acusações simetricamente crescentes ou alternantes retiradas ao silêncio obstinado.

Segundo a experiência, a forma mais rápida e mais inócua de obter muitas informações familiares existenciais consiste em convidar um integrante da família a manifestar-se de determinado aspecto já abordado de outro integrante (por exemplo, a exteriorização de conduta e sentimentos deste em situações de crise, ou suas relações com sua família de origem).

 

2. Motivação

Ao examinar a situação motivacional, captamos a ambivalência e a sabotagem encoberta. Neste sentido também há que decidir em cada caso até que ponto um membro ausente, não cooperador ou que parece aborrecido só está delegado para expressar a resistência que parte de todo o sistema. Cabe a pergunta acerca da rigidez ou vontade de mudança do sistema, ou acerca da intensidade das forças morfo-estáticas (dirigidas à manutenção do estado atual) versus as morfogenéticas (que puxam por uma modificação).

A motivação da família para o trabalho está também ligada a capacidade do terapeuta para reduzir a vergonha, a culpa e o medo entre os membros da família, despertar esperança e confiança, ser libertador por tocar um âmbito emocional até agora tabu e fortalecer o sentimento de valor próprio através de conotação positiva, isto é, a atribuição de um sentido positivo.

 

3. Celebração do contrato

Neste acordo devem refletir-se as expectativas e metas do terapeuta e as da família. Às vezes os membros da família não são conscientes de alguns dos componentes motivacionais que determinam suas metas e expectativas e só mais adiante aparecem na consciência, como conseqüência do processo terapêutico. Por isto os objetivos e as expectativas das partes contratantes devem ser periodicamente reajustadas.

 

4. Preparação orientadora para a terapia ulterior.

a) Cura por encontro, que resulta na regra básica da terapia familiar: "Tratem de falar entre vocês, na medida do possível, de coisas que até agora não puderam fazer, como de segredos familiares, expectativas frustradas, justiça escamoteada". Os objetivos do encontro são pois, o diálogo que vai explorando planos cada vez mais essenciais e, em última instância, a reconciliação e reunificação.

b) Cura por modificação do sistema. O terapeuta usará quando reconhece que os membros da família, apanhados num enganche maligno, por um momento não podem nem encontrar-se nem separar-se a não ser que se modifique algo decisivo no sistema. O verdadeiro palanque da modificação do sistema aqui, por regra geral, á a prescrição paradoxal, que abarca todo o sistema.

c) Cura por reestruturação ativa. Recolhe elementos dos primeiros modelos e se distingue destes. Representa bem Minuchin quem tenta modificar, na sua linha de terapia familiar estrutural, os padrões relacionais e alianças ativamente existentes no seio da família. Com este objetivo pode ocorrer que se alie com um dos membros da família contra outro, provocando deste modo crises na família que permitam novas experiências, organiza uma bronca familiar, sugere tarefas que confundem os integrantes da família e os obrigam a mudar sua maneira de pensar, etc.

Orienta-se pelo critério do trabalho que verdadeiramente modifica o sistema, estrutura-o, se produz em cada caso dentro ou fora das conversas terapêuticas familiares. O modelo de cura por encontro está disposto de modo que o trabalho terapêutico fundamental e essencial se realiza em sessões relativamente frequentes, em geral semanais, durante m longo tempo. Com isto corresponde a regra de que convém que a família fale o menos possível com os demais sobre o que ocorre na sessão terapêutica, mantendo a tensão emocional necessária para as modificações.

No modelo de cura por modificação do sistema, a situação aparece invertida: aqui a sessão familiar só dá um empurrão inicial, como uma bomba de explosão retardada que mais tarde desenvolve sua ação. Por isto as sessões talvez não devam ocorrer com freqüência, em intervalos de tempo relativamente longos.

O modelo de cura por reestruturação ativa ocupa uma posição intermediária: uma parte essencial do trabalho modificador da estrutura se desenvolve dentro das sessões e outra fora das mesmas.

Cada um dos métodos tem seu lugar e hora. Assim, na reestruturação ativa, que toma partido alternadamente por um ou outro membro, como pratica Minuchin, obstrui as possibilidades para uma prescrição paradoxal efetiva.

 

Cap. 5 - Como transcorre a primeira entrevista familiar ?

Há terapeutas que visitam a família em seu ambiente, isto é, em sua casa ou o lugar de suas dificuldades, na escola ou trabalho. Na maioria dos casos o terapeuta se reunirá com a família no consultório, o qual deve ser amplo para que possam mover-se livremente.

Deve haver jogos suficientes e adequados para crianças de qualquer idade.

Também deve fazer uso, de acordo com a disponibilidade de recursos do terapeuta, de meios audiovisuais e espelho unidirecional. Estes servem para o autocontrole do terapeuta, para captar interações e informações mais complexas. Podem ser aplicados com fins terapêuticos pois a família pode rever sua conduta e promover uma correção da mesma. São auxiliares da supervisão, a formação e a investigação.

A conversa começa com o primeiro contato e desde já o terapeuta tem tarefas que superam a simples recepção de dados e o acerto de uma entrevista.

Em primeiro lugar deve comprovar que é o que verdadeiramente o quer a pessoa que chama e tem que averiguar a causa da chamada e formar uma primeira idéia da família.

Em segundo lugar deveria estabelecer já nesta primeiro contato uma relação emocional com o cliente, que este se sinta compreendido e possa sentir confiança e superar um pouco sua vergonha por haver chamado a instituição.

Terceiro, o terapeuta pode modificar com suas perguntas a visão do problema. Através de suas perguntas acerca dos demais integrantes da família afetados pelo problema exposto deixa antever a pessoa que telefona que não só considera que um só membro da família seja culpado ou responsável do sintoma de outro membro ou dos problemas de uma relação conjugal. Pode mostrar a coragem da pessoa que chama ao decidir-se a estabelecer o contato com o terapeuta como porta-voz da família. Isto dá a entender que a responsabilidade não tem um só o que pode despertar o interesse pela profundidade do problema.

O primeiro contato telefônico não deve ser uma sessão individual com a pessoa que chama. O terapeuta deve ponderar a intensidade dos temores e resistências e até que ponto os demais membros da família compartilham disto. Pode passar por cima de ambivalências mostradas, fixando uma entrevista apesar das objeções. Ou pode propor a família que repense a situação e que volte a chamar sendo o caso. A atitude do terapeuta deve convencer porém sem ser autoritária.

A partir de que idade é possível, permitido, obrigatório que assistam os filhos à primeira entrevista?

Para responder recordemos dos caráter circular do nosso modelo, onde cada um dos membros da família influencia na conduta de todos os outros e está influenciado por eles. Isto vale para o portador do sintoma de igual modo que para o irmão recém-nascido e para qualquer membro da família. Então, parece desejável que na primeira entrevista familiar se apresentem todos os integrantes da família juntos.

Temos visto que o sintoma de um filho representa o esforço de um sacrifício a favor dos pais - já que o filho está ligado a seus pais à custa de sua própria individuação, e que lhe é delegado assumir e apurar desejos e expectativas dos pais ou componentes de personalidade negados por estes.

Existe o perigo de que a participação dos filhos numa conversa comum lhes provoque algum prejuízo?

Muitas vezes uma conversa com toda a família oferece uma boa possibilidade de aliviar os filhos, pois se fala com todas as letras de dúvidas, enfados e disputas mantidas em segredo durante muito tempo e se mitigam os temores dos filhos de serem eles mesmos os culpados dos enfrentamentos entre os pais.

Os filhos constituem com freqüência recursos centrais para toda a família e podem ser aliados do terapeuta, no seu esforço por penetrar na família, pois são pouco afetados e inibidos por convenções. Enquanto os pais estão carregados de medo e culpa, o que pode acarretar dificuldade em brigar e acusar-se em público, os pequenos colocam o problema central.

Parece uma tarefa importante do terapeuta quebrar o poder mágico que os segredos exercem sobre os membros da família e que determina mal entendidos e conflitos familiares, isto é, atacar o segredo familiar, o que só é possível quando os participantes estão presentes. O terapeuta também não pode mostrar-se omisso com os desejos justificados dos pais em conservar uma certa esfera privada, ou de outros membros por uma conversa particular, sempre que o terapeuta esteja seguro de que isto não fomente uma divisão ou estancamento nas relações familiares.

Quanto aos honorários, nem todos perguntam ao telefone, mas se o fizerem devem receber uma resposta o mais clara possível e os detalhes são tratados no começo da terapia.

No caso de outros tratamentos paralelos, o terapeuta deve sinalizar que a primeira conversa familiar requer o acordo dos outros médicos e cooperação com eles.

Em toda crise há um potencial terapêutico, de modo que o tempo de espera deve ser o mais breve possível, visto que muitos conflitos podem ser resolvidos por uma primeira intervenção e com isto cortar listas longas de espera.

A primeira entrevista familiar é coisa para profissional experiente e não deveria ser deixada a cargo de principiantes.

Podem distinguir-se fases determinadas na primeira conversa familiar? Hoje pensamos que uma divisão em fases corresponde em maior medida à de "cura por encontro" e em menor medida à de "cura por modificação do sistema", sendo próprias deste modelo uma pergunta e maneira de proceder "circulares".

O que se entende por "circularidade" é a capacidade do terapeuta de ir desenvolvendo as perguntas à medida do feedback da família, o qual se obtém da família como complemento das informações que o terapeuta deve averiguar e que se referem às relações existentes e às suas diferenças e modificações. Na prática significa que o terapeuta questiona em cada caso a um dos membros da família acerca da relação existente entre outros dois membros.. Por exemplo, uma pergunta formulada a uma filha: "Como vê a relação ente seu irmão se seu pai?" Logo o terapeuta pergunta, digamos, ao irmão: "Como vê a relação entre sua irmã e seu pai?" ( Ver Mara Palazzoli Selvini e outros, "Hypothesising - Circularity - Neutrality: Three Guidelines for the Conductor of the Session".

As fases da primeira conversa familiar

1. a fase inicial

a) a saudação

b) o começo da conversa

 

2. A fase média

 

3. a fase final e a despedida da família

1. A fase inicial

 

Na saudação já podem registrar-se fenômenos que merecem uma atenção especial. Quem chega tarde? O procedimento indica aguardar para começar a entrevista. Pode começar a primeira conversa ainda que não esteja presente toda a família? A ausência de alguns pode indicar sabotagem encoberta e a primeira entrevista deve acontecer de todo modo. O terapeuta deveria tratar de imediato o fato de que haja membros ausentes e perguntar-se qual dos presentes contribuiu talvez de forma aberta ou encoberta com estas ausências. Pode ver-se aqui uma (oculta) necessidade de todos os presentes de excluir o ausente da conversação e dificultar ou impedir com isto um trabalho efetivo com a família. É comum que os ânimos com que chega a família à primeira entrevista já se manifestem na sala de espera. E no caminho da sala de espera ao consultório podem mostrar-se aspectos importantes da relação paterno-filial.

A eleição de ordem em que se senta a família já indica possíveis coalisões e inimizades, cercanias e distâncias no seio familiar.

Em geral o terapeuta saúda todos os membros da família já na sala de espera. Parece importante entabular um contato pessoal de saudação (dar a mão e pronunciar o nome) com cada integrante da família antes de entrar no motivo da visita da família. O terapeuta deveria indicar com clareza que quer conhecer individualmente cada um dos integrantes. Com isto dá o sentido unipartidarismo. Depois da saudação e apresentação, o terapeuta familiariza o grupo com as instalações do consultório, explicando presença de microfones, espelhos, vídeo, etc.

Já mencionamos a importância de velar por uma discrição incondicional, em vista da possibilidade do abuso dos meios audiovisuais. Devemos informar a condição do sigilo profissional. E obter autorizações por escrito quando for o caso.

Entabular a conversação: o convite a falar pode acontecer após os momentos de saudação e apresentação quando todos ficaram mais relaxados e então pode subir o nível de angústia dos participantes. As observações feitas sobre a família até este momento, as hipóteses da dinâmica relacional e a correspondente decisão de um determinado procedimento terapêutico guiam o terapeuta ao perguntar-se que, quando e como há de ser interrogado. Seguem algumas regras fundamentais:

l. O terapeuta deveria repetir diante de toda a família as informações que já tenha escutado por telefone da boca de um membro da família, de ordinário a mãe ou o pai. Logo deveria explicar a todos os membros da família a quem não tenha ouvido falar porque convidou todos a esta conversação.

2. Perguntar de modo mais franco possível a todos os membros da família juntos pelo motivo que os levou até nós. Assim evitamos de antemão dar preferência a um integrante e, de nossa parte, nos comprometemos com uma definição determinada do problema.

3. Procuramos não apelar como primeiro ao que já foi designado por telefone como paciente identificado. Se a pessoa está desconfortável o terapeuta pode começar por expressar seus sentimentos. Pode identificar-se e dizer: "posso imaginar como é quando te obrigam a falar. Eu talvez tampouco falaria assim diante de estranhos".

4. Na disputa aberta ou encoberta, pela primeira palavra pode mostrar-se a hierarquia familiar. Nem sempre tem a autoridade familiar quem contesta primeiro.

5. Em alguns casos não faz falta perguntar à família por que vem à consulta, dado que o terapeuta se vê confrontado de imediato com o drama familiar, inclusive de formular qualquer pergunta. Desde o começo neste caso não tem objetivo a pergunta de quem é o paciente identificado.

6. Principalmente ao terapeuta inexperiente se pergunta o perigo de ver-se envolto pela família já durante a saudação em uma conversa da qual dificilmente pode se desprender, não podendo o observador distinguir se trata-se de uma terapia ou encontro para o café. Se neste caso o terapeuta deixa de perguntar à família o motivo exato de sua presença, pode causar a impressão de que seu problema é grave, não pronunciável ou que apure demais ao terapeuta.

Reconhecimento da família - embora seja ela a nos procurar não consideramos isto como algo natural, sendo que primeiro expressamos nosso reconhecimento pelo fato de que os membros da família lutem pela sinceridade e se exponham aos sentimentos de angústia e culpa. "É surpreendente e realmente há que elogiar o fato de que apesar das dificuldades hoje todos tenham conseguido vir aqui" e "estamos contentes que todos tenham vindo e podemos refletir tranqüilos sobre como tem se desenvolvido e como há de continuar agora:. Expressamos assim que queremos ajudar a família, porém que dependemos de sua colaboração.

O unipartidarismo do terapeuta se evidencia em sua capacidade de fazer intervir a todos integrantes da família, se possível já na primeira fase de conversação. Se um pai se adianta ou interrompe o outro, o terapeuta pode insistir em que se deixe terminar quem está falando com a cordial indicação de que todos terão a oportunidade de falar.

A terapia familiar exige do terapeuta um compromisso ativo. Alguns falam pouco e outros muito, porém o comum a todos é sua disposição e capacidade de assumir uma grande parte da responsabilidade da conversa familiar, o que pode ser resumido da seguinte maneira: a família tem a responsabilidade do que diz; o terapeuta de como a diz. Isto pode significar que o terapeuta interrompe o falante, tenta fazer falar o taciturno, anima o temeroso, freia uma pouco o que se adianta, apoia o privado de poder e assinala seus limites ao fanfarrão.

Convite a jogar a pintar - quando os filhos mostram inquietude, o terapeuta aguarda uns minutos para que os pais reajam, mas ele também mostra os jogos existentes e permite que os filhos se movam e joguem, o que tem um efeito tranquilizador sobre todos. Segundo nossa observação o nível de ruído é um barômetro seguro para saber se os pais estão discutindo o verdadeiro conflito ou se andam com rodeios. Quanto mais importante seja o tema do que falam os maiores, tanto mais curiosos, atentos e quietos estarão os filhos enquanto jogam.

Crianças de 6 a 12 anos gostam de pintar e então após os primeiros 10 minutos de conversa lhes pedimos para pintar sua família representando-a com animais.

Observações do terapeuta durante os primeiros minutos da conversação

Não só as declarações da família mas também a observação do comportamento desta dão ao teraputa informações importantes.

No caso de choro o terapeuta deveria interromper a conversa para dirigir-se ao membro da família que está chorando ou radiante. Deveria guardar-se de interpretar precipitadamente um comportamento não verbal, mas perguntar antes que valor dá a dito comportamento a própria família.

Já no começo da conversa se aclara se a família está de acordo acerca do motivo pelo qual veio ou se tem diferentes visões do problema.

O oculto conflito relacional da família pode ver-se como "gestalt". O terapeuta experimentado tentará compreender esta gestalt já na primeira conversa, digamos, na forma de uma hipótese sobre a função que o sintoma cumpre dentro de toda a configuração relacional, mas não formará ainda um juízo a respeito.

Resumindo, a fase inicial inclui a saudação, entabular a conversa, a familiarização com o novo ambiente e o convite a falar e se centra em torno da pergunta pelo motivo da presença da família. O terapeuta observa as regras gerais de urbanização, se apresenta, faz conhecer à família o novo ambiente, expressa seu reconhecimento por seu comparecimento e tenta ajustar-se à linguagem, à forma de trato, etc. familiares, de modo que a família possa sentir-se bem e ceder-lhe a condução responsável da conversa. Nesta fase busca-se compreender por que a família comparece à nossa instituição.

2. A fase média (interação na família)

Ainda mais que na fase inicial, rege nesta fase o fato de que a dependência de um esquema pode impedir a visão da complexidade da situação. As diretrizes resultam das cinco perspectivas expostas no capítulo 2.

São perguntas que o terapeuta se faz a fim de orientar sua visão nos complexos processos transacionais.

a) Reconhecimento da individuação relacional

Em que medida os membros estão em condições de delimitar seus próprios sentimentos, expectativas, necessidades, idéias, etc., dos demais? Até que ponto cada qual consegue falar por si mesmo? Emprega expressões como: eu faço, eu espero, eu sinto isto ou aquilo, etc., ou utiliza o "se" indefinido ou outras expressões vagas para evitar definir e apresentar-se como portador de sua própria responsabilidade e execução?

b) Reconhecimento de ligação e expulsão

Em que medida os membros da família estão comprometidos uns com outros, estão interessados uns nos outros no plano dos sentimentos? Quão importantes são uns para outros, e quão importantes são para todo o sistema? Há uma conivência entre as gerações que impede uma separação de pais e filhos conforme a idade deles? São o ódio e as frustrações mostrados por ambas partes, ante toda expressão de uma ligação emocional persistente ou expressam distanciamento, descuido e até uma expulsão definitiva?

c) Reconhecimento da delegação

Com este termo designamos a encomenda de encargos de significação e orientação sobre a base de uma lealdade forte, ainda que invisível. Nas super-exigências e nos conflitos de encargo e lealdade se mostram descarrilamentos do processo de delegação. O terapeuta deveria perguntar-se: se ajustam as expectativas paternas aos talentos e as necessidades próprias da idade dos filhos? Se espera de um filho que viva a vida de um irmão morto e não chorado? A partir do comportamento podem ler-se conflitos centrais de encargo e lealdade? Manifestam-se determinados filhos em primeiro lugar como delegados ligados ou expulsados?

d) Elaboração de uma perspectiva plurigeracional

Muitos pais comparam a situação de seus filhos com sua própria infância de forma espontânea., o que oferece ao terapeuta um ponto de enlace natural para averiguar mais acerca das famílias de origem. Se ambos os pais evitam falar de suas famílias de origem, o terapeuta pode orientar suas perguntas neste sentido. Se o pai se queixa da desobediência de seu filho adolescente e acrescenta que no seu tempo isto não era possível, o terapeuta pode indagar "como era quando você tinha a idade atual do seu filho?" e desta maneira contribui para possibilitar à família uma primeira compreensão das ligações e obrigações cujo efeito transcende às gerações.

e) Determinação do status de reciprocidade

Para poder determinar se existe um enganche maligno ou um clinch familiar, o terapeuta deveria perguntar-se: em que medida os membros da família conservam uma disposição para dialogar, uma vontade e capacidade para tematizar e articular coerentemente os problemas que se planteiam no marco das primeiras quatro perspectivas. Até que ponto estão presos no jogo enganchados em uma luta pelo poder que nenhuma das partes pode ganhar? Até que ponto está encalhado o sistema inteiro, de modo que qualquer movimento de um dos membros provoca um movimento contrário que só contribui ao aumento da comum paralisia? Inclusive o terapeuta se sente afetado por este clinch familiar. Até que ponto se vê implicado e anulado como observador participante? Em que medida ele quita poder e como tem que atuar com sua realidade mais forte contra esta absorção? Para ver a força desta apreciação pode comunicar-se com o observador por trás do espelho.

Diálogo em grupo

Avaliamos as indicações, possibilidades e desvantagens para um tratamento seguinte tanto a respeito da capacidade do profissional e da família, quais são os pontos fortes e forças positivas? Até que ponto a família parece motivada para um tratamento posterior e quão comprometedor é o prognóstico? Caso se aplique o modelo "cura por modificação do sistema" pode aplicar-se neste momento uma tarefa paradoxal à família.

Tarefas e intervenções paradoxais

Conhecidos terapeutas familiares como Mara Palazzoli, Paul Watzlawick e Jay Haley descobriram e descreveram tarefas e intervenções paradoxais. Trata-se de poderoso instrumento porém pressupõe uma especial visão da problemática e experiência fundadas num modelo de compreensão circular. Há o risco de uma prescrição paradoxal se não é bem captada pode reduzir ou inviabilizar as possibilidades de intervenções, paradoxais ou não, posteriores.

3. A fase final - despedida da família

Ao final da primeira conversa o terapeuta deveria perguntar-se até que ponto alcançou os objetivos descritos no capítulo 4:

a) estabelecer uma hipótese de dinâmica relacional e compreender a situação motivacional;

b)motivar a família para que realize uma terapia;

c) celebrar um contrato de terapia familiar;

d)preparar a orientação para uma terapia posterior.

Quando os modelos de "cura por encontro" ou de "cura por reestruturação ativa" determinam a orientação do tratamento, o terapeuta deveria resumir primeiro as informações obtidas durante a conversa. Convém destacar neste resumo especialmente as forças positivas da família e não esquecer que tais forças podem estar ocultas nas aparentemente negativas. Temos que conseguir que a família entenda o sintoma do paciente identificado como conseqüência e expressão de seu problema comum.

Para conversas posteriores o terapeuta pode convidar também os avós com o que se constitui um novo campo relacional. Por regra geral, antes de fazê-lo aguardará até que haja amainado a surpresa em todos os afetados, se haja estabelecido uma melhor disposição e consolidado a relação emocional com o terapeuta. Após haver proposto uma terapia familiar pode pensar o seguinte: a terapia deve ter um limite temporal previamente fixado? Uma limitação temporal se recomenda em casos de problemas familiares de perfis nítidos, por exemplo, de rendimento escolar. Ou quando a família é temerosa ante a proximidade do terapeuta ou a expectativa do iminente começo de intermináveis conflitos e disputas familiares. E neste caso o terapeuta deveria prever a continuidade da terapia, pois os temores podem ser infundados. Finalmente, o terapeuta deve redefinir e reafirmar com a família os objetivos da terapia familiar, isto é, criar um consenso sobre a meta e o marco do futuro trabalho em comum.

Este consenso fundamenta o contrato terapêutico. Nele se fixa que os membros da família se atenham também no futuro às regras do jogo estabelecidas na primeira entrevista e que aceitaram um certo marco externo, isto é, que se prontificaram a horas concretas, fixadas pelo terapeuta em conjunto com a família, que avisaram ao terapeuta quando lhes foi impossível assistir, que assentaram determinados honorários pela terapia, etc.

Avaliação da primeira conversação. O informe da primeira entrevista.

Após a despedida da família reunimo-nos com os colegas e dialogamos em detalhe o desenrolar da conversação: os aspectos da dinâmica familiar, as intervenções terapêuticas e as impressões dos observadores, de modo a completar a visão do terapeuta, o qual reflete sobre suas reações, dificuldades que tem a ver com sua postura pessoal e suas próprias experiências familiares. Então pode-se formular uma primeira hipótese sobre a dinâmica familiar e os próximos passos necessários à terapia. Descobrem-se lacunas de informação. A seguir alguns informes de primeira entrevista.

Mediação da visita

Quem envia a família e por que foi enviada?

Descrição da família

De que membros consta a família (nome, ocupação, idade, escolaridade)?

Quem assiste a primeira conversa?

Qual é o aspecto e o porte dos diversos membros?

Desenvolvimento da conversa

A - Fase inicial

Qual é a causa da presença?

Quais problemas se mencionam?

Há um problema comum a toda a família?

Quando começaram as dificuldades, quais motivos a desencadearam, quão graves eram, como foi a evolução?

A que ajuda recorreu nesta hora a família?

Que intentos fracassaram ou interromperam-se e por quê?

B. Fase média

Qual é a organização da família como sistema?

Interações observadas na entrevista:

l. Individuação relacional

Que formas de individuação predominam - super-individuação ou sub-individuação ou individuação relacional?

Respeitam-se as fronteiras geracionais?

Prevalece a fusão simbiótica entre os cônjuges?

2. Ligação e expulsão

Que modos de interação podem ser observados?

3. Delegação

Em que consistem os encargos dos pais a seus filhos?

Que pontos de apoio há para super-exigências e conflitos de encargos e lealdade?

São os filhos ( e os pais) delegados ligados ou desligados?

4. Perspectiva plurigeracional?

De que famílias de origem provêm os pais?

Que legados puderam reconhecer-se, etc?

Quais são os mitos familiares?

5.Determinação do status de reciprocidade

Em que medida há um encaixe maligno?

Até que ponto estão encalhadas as relações entre os participantes?

Quanta disposição para o diálogo podem observar-se?

Com que rapidez o terapeuta se vê implicado no clinch familiar, perdendo com isto sua autoridade e quantos esforços têm que fazer contra essa absorção valendo-se de sua "realidade mais forte"?

C. Fase final: plano terapêutico

Quais são os pontos fortes e fracos da família?

Quais são as motivações e resistências da família em seu conjunto para uma modificação?

Em que consistem os recursos da família?

Que espera a família de uma terapia?

Quais metas a curto e longo prazo podem fixar-se?

Que outras comprovações diagnósticas, como um teste de QI, EEG, etc se indicam e por quê?

Que outras instituições podem colaborar (por exemplo, a escola, a oficina de proteção de menores, etc)?

D. Disposição

Que conselhos ou tarefas paradoxais se deram, que acordos se estabeleceram, a que pessoas ou instituições de contato se avisou?

 

Cap. 6 - Famílias problemáticas

Famílias em processo de dissolução

Famílias que se partem porque os pais estão separados ou a ponto de separar-se. Em geral a primeira conversa familiar é também a última, já que faltam condições e motivações para posteriores encontros. Neste caso o terapeuta deveria formular-se as seguintes perguntas: segue havendo ligações dignas de menção, carregadas negativa, positiva ou ambivalentemente entre os cônjuges? Se é assim, de que natureza são estas ligações e em que medida tá também ligações com cátexis negativa que refletem forças positivas que possam aproveitar-se na terapia e aplicar-se para o bem dos afetados? Até que ponto os pais convertem seus filhos em seus aliados, isto é, em que medida delegam aos filhos para combater e destruir o cônjuge e os expõem com isto a irresolutos conflitos de encargos e lealdade? Por outro lado, determinados filhos que obstaculizam que os pais tenham novas relações ou fundem nova família, estão ameaçados por um abandono duradouro e a expulsão? Para responder tais perguntas e obter linhas gerais para uma prática terapêutica, o terapeuta deve desenvolver a capacidade multidirecional, pois a maioria das discussões sobre separações e divórcios não leva em conta os filhos. O terapeuta deveria mobilizar os recursos dos filhos, por exemplo, sua sensibilidade, sua disposição para interceder e sua lealdade, para ajudar os pais a converter-se em pais melhores, ainda quando decidam separar-se. Os pais podem voltar a ser bons pais na medida em que a separação os leve a formas mais maduras de individuação relacional e a uma maior capacidade de compreensão e disposição à reconciliação, que cria condições para que os pais possam trabalhar juntos no interesse dos filhos.

Problemas agudos versus crônicos

Podemos supor que quando o paciente apresente uma perturbação psicossomática crônica, o desenvolvimento psicofisiológico desigual e a inibição da individuação não estão limitadas a ele, isto é, estendem-se aos integrantes do sistema relacional. A artrite reumática de uma mulher jovem, cuja vida sexual está restringida por este fato, pode ter, por exemplo, não só a função de legitimar e cimentar sua frigidez, mas também de proteger a importância de seu marido, isto é, evitar-lhe angústias e apuros. O terapeuta deve guardar-se de intervir demasiado pronto na precária homeostase de tais sistemas relacionais. E ver o potencial terapêutico em cada crise para todos os integrantes do sistema e aproveitá-lo na terapia. Isto significa que deve ser capaz de perceber e destacar progressos e tendências de cura também e onde os membros da família não conseguem ver mais que enfermidade, perturbações, recaídas ou dificuldades. Também pode significar que em certas circunstâncias unicamente a indução de uma crise aguda pode fazer avançar tanto ao portador do sintoma quando a seus próximos. Quando a família acerca-se de nós por vontade própria, podemos supor que está abrindo-se caminho para uma crise do sistema e que as tendências homeostáticas estão em conflito com as que apontam a uma modificação do sistema. Quanto mais aguda seja esta crise, tanto maior pode a esperança do terapeuta de que a mesma tenha uma solução e ponha em movimento uma reciprocidade positiva. É decisivo se o terapeuta é capaz de compreender empaticamente a crise já na primeira conversa, sintonizar com ela e intervir de forma adequada.

Famílias com integrantes psicóticos

Neste caso produzem-se problemas na elaboração de um contrato ou consenso terapêutico familiar. Para estipular um contrato precisa-se uma comunicação clara e confiável por parte de todos e, em especial, a elaboração de um foco de atenção comum. Nas famílias com integrantes esquizofrênicos não pode pressupor-se essa capacidade ou vontade comunicativa. Os estilos de comunicação confundem a pessoas que participam da mesma família de fora; as tornam impotentes e lhes dão a impressão de estar pisando areia movediça. Os integrantes falam sem entender-se e mais: parecem dizer-se idiotices até tornar-se loucos, desqualificam de modo sutil o que acabam de dizer, isto é, dão-se recibos falsos, mudam imperceptivelmente a direção da conversa e não se contestam na mesma longitude de onda.

Portanto, ao terapeuta se planteia a tarefa de criar antes de tudo as bases para um contrato e um pacto de trabalho, isto é, os requisitos para que se formem estruturas, expectativas precisáveis e pontos de orientação confiáveis. Nesta tarefa o terapeuta pode deixar-se guiar pela suposição de que as nomeadas perturbações na comunicação e as relações refletem e sustentam profundos conflitos interpessoais e intrapsíquicos. Já na primeira entrevista o terapeuta deve expressar com toda clareza que não está disposto a participar neste jogo, ainda quando, dentro de certos limites, parece incluir-se no sistema de comunicação e relação da família. Esta atitude tem que combinar-se com um compromisso esperançoso e ativo, como elemento da conduta empática.

Os pacientes às vezes tomam medicamentos e por isto na primeira entrevista exige-se este clareamento dos tipos de tratamento que faz em paralelo, das expectativas que deposita na terapia familiar e das relações estabelecidas com outros médicos e representantes de outras profissões assistenciais, bem como instituições correspondentes, sob pena de fracassar a terapia familiar se não se consegue trabalhar em comum.

Quando se indica uma terapia familiar parece razoável aplicar o modelo fundamental da cura por modificação do sistema e concluir a primeira sessão com uma prescrição paradoxal que implique todo o sistema. Palazzoli sugere ser recomendável iniciar a terapia familiar de modo paradoxal, sem falar em terapia, pois a simples palavra pode fazer os membros se sentirem forçados a uma status de pacientes, contra o qual têm que defender-se de imediato formando uma frente comum de rechaço, ainda que encoberta.

Se aplicar o modelo de cura por encontro ou cura por reestruturação ativa, deve decidir-se já na primeira entrevista se é melhor trabalhar com um subsistema, eventualmente só com o paciente identificado ou com toda a família em sessões conjuntas. Pode ser importante a inclusão da geração dos avós desde o princípio também em famílias com integrantes psicóticos.

Famílias com jovens delinqüentes

Muitas destas famílias não vêm por livre decisão, pois quem as envia são instituições, em geral. Assim os terapeutas são vistos como braços prolongados das instituições que enviam estas famílias e não como verdadeiras ajudas e aliados potenciais. Precisamente estas famílias e em especial os pais, se encontram em uma autêntica situação de crise: o jovem delinqüente demonstra seu fracasso como pais em sua função de fixar limites e valores, os desafiam, fazem pública sua vergonha e os enchem de uma justificada preocupação pelo futuro.

O terapeuta deve enfocar o trabalho já na primeira entrevista no sentido de liberar aos pais de sua vergonha e aumentar sua eficiência como pais. Ambos os objetivos estão em perigo se o terapeuta com pouco tato se coloca a si mesmo em primeiro plano como substituto forte dos pais, com o qual desvaloriza a estes a seus próprios olhos assim como aos dos filhos. Ao mesmo tempo tem que seguir com mãos firmes a primeira entrevista. Paradoxalmente o terapeuta pode ajudar aos pais a tornar-se mais fortes e eficientes se lhes dá a possibilidade de aceitar e confessar sua debilidade em presença dos filos. Assim se chega ao absurdo a luta pelo poder (Bateson a chama de escalação simétrica entre o jovem delinqüente e os pais). Na disputa carregada de ódio, pode iniciar-se uma disputa com amor: uma dissensão levada por confiança e respeito mútuos, no qual se podem articular claramente os contrastes, compreender e definir os conflitos e revelar e estipular as contas correntes de méritos. Quando um delinqüente provoca agressões, reconvenções e prescrições com sua conduta, às vezes com a intenção inconsciente de um autocastigo, é importante tratá-lo com equanimidade e respeito e assim ganhar sua cooperação. Não deve ser difícil se levar-se em conta que o delinqüente presta importantes serviços à família: com freqüência é o único que consegue mobilizar os recursos fixadores de limites e terapêuticos da sociedade, os que necessita toda família. Também foi delegado pelos pais para a delinqüência, isto é, animado encobertamente ao furto, vandalismo, ausência da escola, vaguear pelas ruas, etc. Se não se consegue reconhecer o mérito e a disposição a sacrificar-se pelo bem dos pais contidos, ainda que ocultamente em sua conduta delectiva, em vez de participar no coro dos críticos moralizantes, possivelmente se lhe facilite renunciar a uma parte de seu poder (de aterrorizar os pais) e oferecer aos pais um pouco de compreensão e disposição a reconciliar-se.

Famílias com pais que maltratam seus filhos

Desde o começo se situa em primeiro plano a questão de se pais que martirizam seus filhos devem ou podem permanecer com eles. Por isto são comuns os sentimentos de vergonha e culpa e a angústia de tais pais. Estes sentimentos se fortalecem se os pais percebem que - por compreensíveis impulsos humanos de salvação - o pensamento e os esforços do terapeuta giram em torno de qual seria a melhor forma possível de por o filho maltratado a salvo de pais monstruosos. Pode-se observar que uma e outra vez inclusive filhos maltratados mostram um grande altruísmo e uma forte lealdade com respeito aos pais. Deve-se fazer frutíferos estes recursos em terapia.

Em pais que maltratam seus filhos, destaca-se uma perturbação característica de individuação relacional: não conseguem ver ao filho pequeno como um ser com necessidades, sentimentos e direitos que se distinguem dos seus próprios. Estes filhos estão delegados a assumir funções paternas: hão de dar a seus pais a ternura, amor e dedicação que estes não obtiveram de seus próprios pais. Os filhos se vêem parentificados. Ao mesmo tempo estes filhos servem aos pais como "cubos de lixo psicológico": depositam nos filhos toda a maldade e baixeza da qual devem defender-se e que devem apartar deles mesmos e castigam e maltratam os filhos como portadores destas qualidades apartadas. Sempre é decisiva uma perspectiva plurigeracional: uma ou outra vez os pais que maltratam foram maltratados por seus próprios pais e não fazem mais do que transmitir a seus filhos o que lhes ocorreu. Então a empatia e unipartidarismo, inclusive com a gerações anteriores são uma necessidade terapêutica.

Famílias com integrantes de tendência à drogadição

As perturbações da individuação relacional se manifestam nos drogaditos em dois âmbitos:

1. em sua minguada capacidade para fazer seus determinados sentimentos desagradáveis e conviver com eles (sobretudo com nojo, solidão e aborrecimentos prolongados

2. guiar-se a si mesmos com responsabilidade própria e orientados para o futuro

Estas perturbações quase sempre são a nível do sistema familiar. Os modos de interação podem estar caracterizados tanto por uma ligação quanto por expulsão. Neste caso, falta a eles experiência de ser necessitados pelos demais e de ser importantes para eles. Tais jovens buscam nas drogas um pouco de calor e segurança que não tiveram em suas famílias.

Segundo prevaleça a ligação ou expulsão, são mister certas estratégias terapêuticas: um trabalho com a família que tenda a desligação ou um trabalho de grupo com jovens da mesma idade.

Com vista à delegação, muitos jovens que abusam de drogas se revelam como órgãos (instrumento) e vítimas de encargos e conflitos de encargos que os super-exigem de maneira forte e ao que tratam de corresponder de forma quase heróica.

A perspectiva plugeracional de legado e mérito está determinada em muitos drogaditos pelo legado de autodestruição crônica, a qual se vai formando ao longo de várias gerações e agora parece de modo radical. Numa família que tivemos em terapia, numa cadeia de três gerações o filho menor de cada uma delas se convertia em alcoólico. Este filho era tanto a vítima de uma trágica compulsão à repetição que atuava de forma transgeracional, quanto o executor de um legado segundo o qual o menor se beneficiava parasitariamente, por uma parte, dos êxitos dos maiores porém, por outra os favorecia e só assim possibilitava estes êxitos. De uma perspectiva plurigeracional resulta necessariamente uma terapia plurigeracional. Esta perspectiva favorece um clinch familiar em famílias com membros em perigo por uso de drogas: um esforço de duelo não realizado ou mal dirigido.. Os sentimentos de privação, vazio e falta de alegria que podem caracterizar estas famílias. Por isto na primeira entrevista devemos preparar a orientação de modo que a realização do duelo se ponha em marcha de modo rápido e eficaz.

Famílias com integrantes de tendência suicida

Cada vez que uma conversa familiar nos indica que há um risco de suicídio, levamos a sério. Consideramos dois pontos de vista:

a) a tendência à repetição de tentativas de suicídio

b) a constelação familiar

Concorrem três fatores:

1. um crescente esgotamento do membro familiar em perigo e um aumento do sentimento de ser explorado e abandonado, o qual, com freqüência não é admitido nem comunicado aos demais parentes;

2. fortes sentimentos de solidão, abandono, impossibilidade de achar uma solução, desesperança e desamparo, os quais podem ser retidos e não percebidos pelos demais integrantes familiares;

3. um impulso de revanche e vingança que se dirige tanto contra os demais membros da família, nos quais o suicídio gera sentimentos de culpa profundos e nunca liquidáveis, como contra a própria pessoa.

O terapeuta pode na primeira entrevista falar sobre as contas de méritos que reduz a compulsão à ação suicida. Pode definir um marco no qual as agressões até agora reprimidas e refletidas obtém a possibilidade de dirigir-se contra o verdadeiro ou suposto explorador, traidor, etc. Uma terapia plurigeracional continuada deve ampliar este espaço livre para exteriorizações agressivas e tender a um "ajuste de contas" de justiça inter-humana e a uma reconciliação autêntica em planos cada vez mais importantes. No contrato de terapia há que fixar que todos os membros da família têm uma responsabilidade com respeito ao risco de suicídio. Cada um deveria se comprometer em avisar ao terapeuta sobre eventuais evoluções preocupantes e sinais de perigo para que possa dispor-se, em tal caso, a internação em uma clínica. O terapeuta deveria esclarecer, sem lugar para mal-entendidos que é o que pode e está disposto a fazer em vista do perigo de suicídio. Assim, estreita o espaço para manobras manipuladoras e garante uma assistência segura ainda que limitada, no caso de agudização.

Famílias com filhos com impedimentos psíquicos ou físicos

Geralmente estas famílias sentem uma carga que pode intensificar-se reciprocamente no sentido de um ciclo negativo. As cargas são de natureza econômica, social e emocional. Exigem do terapeuta uma tomada de posição e na medida do possível, uma pronta ajuda.

Forma-se uma dinâmica especial de delegação com um correspondente cômputo de méritos: os irmãos sãos recebem o encargo de compensar ou inclusive tapar a vergonha o defeito familiar através de méritos excepcionais e brilhantes, o que pode encobrir o fato de que o delegado bem sucedido está fortemente sobrecarregado e como os demais à beira do esgotamento.

Nestas famílias, na primeira conversa nos encontramos com duras recriminações ou auto-acusações de tom depressivo. Por isto, trata-se de reconhecer as cargas e os méritos de todos e guiar a família à necessária confrontação com sua situação especial e o trabalho de duelo inerente que as recriminações e auto-acusações não fazem mais que rechaçar.

Famílias com integrantes psicossomaticamente enfermos

Será visto no caso da família Bolt

Características da comunicação e interação em famílias com integrantes psicossomaticamente enfermos

E característico, a restrição do contato com o mundo exterior, assim como do contato com o seio familiar. A comunicação está reduzida no quantitativo e qualitativo, o pouco que se fala é claro e inequívoco. Todos estão entrelaçados por um destino comum: cada um invade o âmbito do outro, os limites interpessoais são quebradiços e as barreiras geracionais estão, em parte, suprimidas. Surge a impressão de proteção recíproca entre pais e filhos, ainda que não seja proteção empática e sim distorcida por projeções.

Dinâmica relacional

No plano de individuação relacional existem perturbações do tipo fusionista, isto é, a capacidade de delimitação e de suportar fronteiras está apenas desenvolvida. As funções dos objetos internos que determinam a dinâmica relacional externa estão perturbadas ou debilitadas. Por isto o companheiro de relação sempre tem que estar realmente disponível, toda separação efetiva ou fantasiada se vive com uma forte angústia de perda ( não poder dizer adeus). Por isto não se pode levar a cabo o trabalho de duelo que possibilitaria a renúncia a um objeto. Depois de anos a perda estão tão viva como no primeiro dia.

O correspondente modo de interação predominante é a ligação que surtem efeito em três planos: no plano do id, em forma de mimos regressivos, no plano do ego, através de uma adjudicação mistificadora de debilidade e enfermidade e no plano do superego em forma de uma forte culpa de evasão. As delegações contém a tarefa de manter a família. Encontra-se também o mandato de servir de substituto de algo e o encargo de substituir um objeto perdido, por exemplo, um irmão morto não chorado; os mandatos que servem para evitar conflitos no seio da família, por exemplo, quando o filho tem que prestar-se como árbitro ou pára-choque nas discussões entre os pais. As conseqüências de tais delegações extraviadas são conflitos com as necessidades individuais adequadas à idade e conflitos de lealdade na relação com os pais, pares e cônjuges.

Finalmente, pode reconhecer-se na primeira entrevista um estancamento no saldo de contas de culpa e mérito. O resultado é uma tensão crônica e não resolvida entre os membros da família, tensão que chega ao clinch maligno. No centro está a enfermidade e o terapeuta deve aceitar a oferta da família (estamos aqui porque fulano padece de tal enfermidade), isto é, ele primeiro escuta a história de todas as enfermidades e também se recomenda seguir a evolução da enfermidade. A conversa familiar pode tomar novos rumos se o terapeuta pergunta "o que se passava quando aconteceu tal enfermidade? Isto dirige a atenção para acontecimentos que afetam a todos os membros da família e cria oportunidade para outros falarem. É saudável poder conversar sobre todos os sentimentos de perda; o terapeuta deve saber também que é ameaçador para a família que ao fim da entrevista, deve continuar vivendo.

O terapeuta deve evitar relacionar prematuramente os conflitos enunciados com as enfermidades somáticas, pois esta tende a aceitar melhor quando superou certos sentimentos de vergonha e culpa (acaso quer dizer que por causa de nossas brigas nosso filho estão doente?

Somente empreender ações terapêuticas após haver estabelecido uma relação de confiança com todos os membros da família.

As particularidades no trato com famílias psicossomáticas podem resumir-se numa imagem: a superfície faz recordar um bloqueio de elo. O elo está ameaçado por dois perigos: caso se produza uma sacudida muito forte o bloqueio pode quebrar-se. Com um calor excessivo, o elo se derrete. A família se defende contra estas formas de destruição e o preço que se paga é a doença somática.

A tarefa do terapeuta consiste em desprender cuidadosamente as figuras de cada um dos membros da família, ocultas nas profundidades do elo e possibilitar-lhes uma vida pessoal.

Apresentam a mesma estrutura todas as famílias com membros psicossomaticamente enfermos?

Contribuem vários fatores. Elementos biológicos (por exemplo, uma constituição alérgica hereditária ou influências nocivas do meio ambiente) e fatores psicossociais de estresse (acontecimentos vitais agoniantes, perdas importantes, conflitos no mundo de trabalho, etc). A estrutura familiar modela a personalidade de cada um e determina em última instância o que atua como carga ou conflito e que possibilidades de regeneração e liberação se oferecem. Ao terapeuta familiar interessam os casos nos quais a estrutura familiar contribui para desencadear a enfermidade.

 

Cap. 7 - A família Bolt - A conversa familiar

A pessoa designada como paciente na família Bolt é a mãe, mandada à clínica por diagnóstico de "Morbus Crohn" (inflamação ulcerosa de intestino delgado). Numa entrevista ela falou com voz monótona e queixosa primeiro de moléstias exclusivamente corporais e depois dos acontecimentos desencadeantes dos anos 72/73, quando seus sogros afastaram-na e seu esposo da hospedaria que administravam junto com eles desde o início de seu casamento e das mortes contínuas de seus pais e seu sogro num curto espaço de tempo.

O terapeuta pergunta como ela superou estas graves perdas na intenção de ver claramente que há um elemento que impede a compreensão psicológica da enfermidade neste ponto: a combinação da enfermidade com determinados conflitos anímicos - a perda de parentes importantes e as reações do cônjuge - se converte em um elemento de culpa na relação com seu esposo e com a mãe deste. Reprovam-na, que ela mesma tem culpa da doença e que se domine um pouco. É proposto uma segunda conversa com seu marido e duas filhas mas ela recusa pois o marido não se interessa por "coisas psíquicas" e lhe é dito que diga ao marido que aqui não o acusarão, porém que é preciso sua ajuda para poder compreender melhor a enfermidade de sua esposa. Também lhe é oferecido o mesmo entrevistador para falar estas questões com seu esposo por telefone e sem outro contato prévio, a família aparece então pontual e completa na data estabelecida. Antes da entrevista familiar se realiza em comum um teste Rorschach e um TAT.

Na entrevista participam dois terapeutas, um deles assume a condução ativa da conversa, o outro observa e intervém somente mais tarde.

O terapeuta aborda a situação, sobretudo a carga adicional que constitui o teste prévio ,porém dá a entender

que o mesmo é necessário. Deste modo evita que os sentimentos negativos que tenham surgido desta situação possam incidir na conversa posterior.

Também expressa à família seu reconhecimento por haver concordado com a conversa, com o que os ajuda a superar seus sentimentos de vergonha e culpa.

A disposição do senhor Bolt para a conversa aparece primeiro muito escassa. Vê o problema em primeiro lugar em sua mulher enferma. Talvez esteja reagindo também conta a forma de haver sido enviado. Em outra oportunidade de forma cifrada se faz patente o medo do pai à conversa, o medo de ser declarado louco e que não lhe permitam voltar para casa.

O terapeuta reconhece as dificuldades que teve que superar a família para comparecer à entrevista. Leva a família a sério e faz uma primeira e aberta oferta de conversação. Assim se cria uma atmosfera que permite começar com a entrevista propriamente dita.

O terapeuta reage diante dos sentimentos de temor da família levando a conversa às enfermidades somáticas. Deste modo, por ora se conserva a definição do problema dada pela família. Assim o terapeuta cria de pronto uma base de confiança que permite à família abrir-se (a fase introdutória propriamente dita não bastou nesta família, sobretudo para o pai).

A senhora Bolt descreve o curso trienal da enfermidade, que vai agravando-se cada vez mais e o terapeuta se ajusta ao sistema familiar, tomando a sério a enfermidade dela. Reconhece a realidade objetiva das moléstias e se dirige à vivência subjetiva dela. Tenta dar uma maior segurança à família, satisfazendo suas expectativas de uma conversa médica. O senhor Bolt reafirma o relato das moléstias da esposa e participa agora por sua própria conta da conversa. Sua descrição é drástica, o que pode ser um signo de agressões contra sua esposa. As moléstias têm aumentado nos últimos quatorze dias, parecendo indicar uma nova crise. O pioramento podia estar relacionado com a versa individual prévia dela e com a anunciada conversa familiar em comum. Obtemos, portanto, uma indicação sobre a restrita capacidade dela para tolerar as sobrecargas.

O terapeuta dá ocasião à família e sobretudo à senhora Bolt como paciente designada para falar de suas moléstias corporais. Este proceder é necessário em famílias com integrantes psicossomáticos. O terapeuta obtém informações importantes, enquanto que pode incluir o pai na conversa.

A paciente começa a falar sobre o surgimento da enfermidade dirigindo-se a seu esposo. A família vê a evolução da enfermidade e a modificação das circunstâncias de vida como acontecimentos paralelos, isto é, ainda não pode perceber uma conexão direta. O terapeuta não interpreta prematuramente, senão que salienta a família em suas próprias reflexões. Aí se produz uma sensível distensão.

Agora ambos os pais apontam eles mesmos em breve sucessão incidências importantes no momento do começo da enfermidade: assumir a empresa, o tratamento de águas termais dos sogros, a bronquite da filha, a morte do pai do senhor Bolt. Pela primeira vez fica claro que a senhora Bolt não é a única enferma da família.

A enfermidade é vista no marco da evolução familiar. O foco da conversa se desloca da senhora Bolt para toda a família. Não é só ela a enferma na família. Pela primeira vez surge a perspectiva intergeracional em torno do exemplo da enfermidade do avô e a neta, porém não se segue desenvolvendo. Por ora fica intocada a compreensão familiar meramente orgânica da enfermidade (seqüelas de guerra, operação de amígdalas).

O terapeuta destaca as adjudicações (entregas deliberadas) familiares: a divisão em sensíveis e robustos. Aborda os parecidos entre os membros da família (coalisões encobertas) sem entrar em considerações diretas da enfermidade da mãe.

Num outro momento, revela-se um padrão fundamental complementar: a divisão da família em fortes e débeis. Também reconhecemos um paradoxo: a mãe débil e sensível é a que mais se preocupa pela continuidade do negócio e a que em verdade não crê que seu marido forte seja capaz de assumir uma grande responsabilidade. Sente que seu esposo não a apoia o suficiente, com o que questiona sua fortaleza. Uma perturbação da individuação relacional se manifesta na delimitação insuficiente entre ambos cônjuges; em alguns momentos é difícil distinguir se o senhor Bolt está citando a sua esposa ou falando de si mesmo.

O terapeuta ainda segue com a compreensão orgânica da enfermidade da família, porém já avança um passo mais além e relaciona a enfermidade com a sensibilidade da mulher e com acontecimento e mudanças familiares. A família pode estabelecer esta relação sem grandes temores e continuar abrindo-se. Assim se mostra ainda mais nítida a rígida divisão dos papéis: a paciente aparece como a parte sensível e débil da família, que se completa com o cônjuge robusto e forte. O casal está paralisado numa reciprocidade negativa.

Ante a surpreendente notícia do aniversário da senhora Bolt, o terapeuta reage com cordialidade espontânea. Não se conduz de modo neutro nem abstinente, apenas conclui a realidade da situação familiar.

O senhor Bolt desvaloriza em sua esposa o que mais teme em si mesmo: exteriorizações de sentimentos e confissão de debilidade.

O terapeuta leva a sério as exteriorizações de sentimentos da senhora Bolt e pergunta repetidamente pela causa de suas lágrimas. Assim procura aliviá-los no ver as lágrimas como um mero sintoma nervosos, mas atreve-se a mostrar-lhes, aceitar e expressar com palavras os sentimentos e vivências subjacentes.

A senhora Bolt havia aceito a imputação de seu marido. Ambos cônjuges se aliam na defesa contra sentimentos dolorosos e ameaçadores. Quando o terapeuta diz "sempre foi você tão sensível, ou foi devido suportar alguma carga que a tornou tão sensível?, ele chama a atenção da família sobre o fato de que algo havia mudado na mãe.

Brigitte, o segundo membro forte da família participa em comum defesa contra os sentimentos, ainda que não através de palavras, mas através de olhares e gestos dirigidos a irmã e ao olhar pela janela.

O terapeuta mostra compreensão pela situação da família e inclui o pai, que até agora não havia se experimentado como afetado, apenas como transmissor de informação. Agora o senhor Bolt participa de modo construtivo na conversa e menciona outra possível causa de declaração da enfermidade. Ele chega a falar inesperadamente de sua enfermidade, até agora a mãe débil parecia ser a única enferma da família.

O próprio senhor Bolt conseguiu mostrar um pouco de seu próprio medo e mostra, a sua maneira pouco delicada e sem flexibilidade, uma primeira compreensão psicológica da enfermidade de esposa. Vê uma conexão ainda que um pouco mecânica e superficial, entre a enfermidade dela e os dramáticos eventos acontecidos na família.

O terapeuta se mostra consternado ante a multiplicidade de eventos trágicos na família e apoia o intento do pai de contribuir para uma elucidação. Já neste ponto da conversa fica claro que ambos cônjuges têm sofrido fortíssimas perdas num lapso muito breve e que estas perdas não têm podido ser elaboradas. Ademais se vê com maior clareza que é o que constitui uma ameaça tão forte para a família e contra o que tenta defender-se por todos os meios: o duelo e a recordação destas perdas. Em vez de criar uma maior proximidade entre os cônjuges, o duelo comum parece havê-los distanciado mutuamente. A senhora Bolt contribui para este distanciamento retirando-se depressivamente a seus sintomas corporais, enquanto o senhor Bolt bloqueia todos os sentimentos e na demonstração de sua força. Este parece ser um motivo para a rigidez complementar das relações familiares, que por ora impossibilita o desenvolvimento de uma reciprocidade positiva. A família se acha num clinch maligno.

Brigitte participa pela primeira vez espontaneamente da conversa e tenta - ainda que em um plano relativamente concreto - contribuir a elucidação da evolução da enfermidade de sua mãe. Ao corrigir a mãe toma partido contra ela, porém se atém ao plano de explicação oferecido por aquela.

Enquanto que os membros da família sublinham dados externos, o terapeuta tenta assinalar o conteúdo emocional dos acontecimentos.

Mediante sua maneira de condução do diálogo e sua aceitação da oferta da família, o terapeuta tem conseguido criar uma primeira base de confiança que possibilita à família expressar experiências de forte carga emocional sem ocultar seus sentimentos. Também no plano da linguagem se atém à oferta da família: "Qual é a carga tão forte que a torna tão sensível?" Portanto, não interpreta, permite que os pais se representem a si mesmos falando dos acontecimentos trágicos. Agora todos os integrantes da família estão fortemente comprometidos na conversa.

Aqui parece representar-se um primeiro conflito relacional: a senhora Bolt se sente incompreendida por sua sogra e se defende. E nos perguntamos se não utiliza a sogra para velar a conexão entre a enfermidade dos conflitos mais profundos.

No seu discurso parece insinuar-se uma evolução crítica da doença: uma advertência e chamada ao terapeuta e não sobrecarregar a família. O terapeuta reage ante o sinal de alarme destacando o positivo: que é que muda quando você se sente bem? Assim se tira um peso da senhora Bolt, porém lhe permite ao mesmo tempo falar de coisas que a agoniam.

O terapeuta se compenetra do problema da senhora Bolt ao chamar a situação um "círculo infernal". Ao invés de uma primeira interpretação da evolução da enfermidade e clareia como os sintomas da senhora Bolt se reforçam secundariamente. Ao apoiar a senhora Bolt se desvia de uma compreensão meramente somática da enfermidade e mostra possibilidades de elaborar conflitos conectados com a mesma.

O terapeuta apartou ativamente a senhora Bolt de uma compreensão superficial só somática de sua enfermidade e preparou terreno para que a família possa falar de recordações e eventos agoniantes e da significação da enfermidade. Trata de compreender a sofrida situação da senhora Bolt, de modo que possa dar também ela este passo sem angústia nem sentimentos de culpa.

A conversa sobre as experiências e os sentimentos agoniantes, que agora se inicia, reforça a tensão entre os cônjuges. Ambos tentam restabelecer a homeostase complementar e dominar as dificuldades mediante a discussão habitual. Sobretudo o senhor Bolt parece defender-se contra o duelo que está surgindo, através de um áspero ataque a sua esposa e o intento de impedir-lhe que dê rédea solta a seus sentimentos de dor.

O senhor Bolt se sente premiado pelo fato de que os problemas se expressem até o fim. O terapeuta compreende seu apuro e assume positivamente as distintas atitudes dos cônjuges. Assim aborda de forma direta a relação entre os cônjuges, sem designar a um deles como "parte culpada".

Agora se precisam as diferentes adjudicações de papéis e coalisões da família: o pai tem que ser forte (para que não o pisem) e a mãe é débil. Dentro deste sistema, os filhos estão repartidos entre os pais. A filha maior é uma aliada do pai e tem que perseverar em seu papel de forte à custa dos componentes femininos e débeis de sua personalidade. A filha menor, em compensação, está aliada à mãe e a percebe como sensível e débil. O precário equilíbrio da família se apresenta em parte como conseqüência e expressão desta estrutura. Pode supor-se que as intervenções terapêuticas que apontaram a uma modificação mais profunda das relações familiares desencadearam uma grande angústia.

O senhor Bolt introduz uma perspectiva temporal mais prolongada. Segundo esta perspectiva teve uma fase na qual tudo estava em ordem. Se evoca aqui um mito que lhe permita distanciar-se do presente agoniante?

Numa intervenção, o terapeuta aponta o positivo da situação e em outra, reproduz as diferenças entre os cônjuges de maneira tão exagerada que com isto leva o senhor Bolt (quase no sentido de uma intervenção paradoxal) a confessar também uma certa debilidade - algo que lhe causa muito medo. Desta forma o terapeuta não só obtém novas informações sobre a estrutura familiar, mas também prepara o terreno para passos posteriores que apontam a uma modificação do sistema.

Depois que o terapeuta obteve uma primeira impressão da estrutura relacional e das forças emocionais da família, dirige agora a conversação ao tema que no terreno emocional talvez seja mais agoniante: o duelo da senhora Bolt. Com muito sentimento a senhora fala de sua solidão, do fato de que até agora não tem podido falar com ninguém acerca das perdas. Até agora é a intervenção coerente mais longa da senhora Bolt e depois ela volta a retirar-se rapidamente ao terreno "seguro" da enfermidade. O terapeuta não se deixa distrair e volta às situações agoniantes.

O terapeuta, ao compenetrar-se da situação da senhora Bolt, lhe permite expressar com clareza pela primeira vez a dor que lhe têm causado as perdas. Por sua vez obtém mais informações sobre eventos biográficos importantes. Posto que antes apoiou ao senhor Bolt, agora pode dirigir-se à esposa, sem que ela ganhe a impressão de não ser tratado com equidade. Em sua luta a senhora Bolt não havia podido dirigir-se ao seu marido. Neste ponto se evidencia o mútuo distanciamento dos cônjuges. Depois o terapeuta inclui diretamente Annette, a filha menor e sensível e a convida a falar de suas recordações e assim se inteira de um importante acontecimento familiar, que possivelmente constituía um mito - uma determinada interpretação da realidade, compartilhada por todos os integrantes da família (cf. Stielin, 1972). As atuais coalisões familiares se mostram agora em uma perspectiva plurigeracional. O avô não transmitiu seu pressentimento de morte a seu filho ou sua esposa, mas a sua neta predileta. Isto nos dá um indício sobre dificuldades de entendimento entre pai e filho? O trabalho de duelo exigido pelas numerosas mortes supera a senhora Bolt. Como tem que defender-se contra demasiado duelo, delega a Annette converter-se em portadora de uma parte do duelo que ela mesma não consegue fazer frente. Também nisto se expressa uma carência de individuação relacional no seio da família. Por sua vez se torna mais clara a medida do distanciamento entre cônjuges: a senhora Bolt "não podia falar com ninguém sobre isto". Eram sobretudo sentimentos agressivos escondidos os que impossibilitavam uma aproximação confiante de seu marido?

"Considera que o avô também pertencia ao tipo duro? São ambos duros por fora e brandos por dentro e por isto a ambos resulta difícil falar de seus sentimentos?" O terapeuta agora entre ativamente nas estruturas verticais transgeracionais. Pelo desvio das experiências de perdas da senhora Bolt e o informe de Annette sobre a morte do avô, a conversação é sobre a perda sofrida pelo próprio senhor Bolt, tornando o temor dele mais compreensível, podia ser parecido com o pai e morrer como ele. E como se defende contra o trabalho de duelo mediante um show de insensibilidade; este trabalho de duelo, tão urgente, podia constituir uma ameaça tato para a imagem de si mesmo quanto para sua posição na família. O senhor Bolt recusa a possibilidade de que poderia tratar-se de uma enfermidade de família e de que poderia haver algo parecido entre ele e o pai. A relação entre sensibilidade e propensão a asma que se insinua seria demasiado perigosa para ele.

Nesta fase da conversação o terapeuta se ocupa intensamente do pai. Como ao princípio ocorreu com sua esposa, a princípio o acesso a ele é possível através da enfermidade. Porém a compreensiva "tomada de partido" do terapeuta permite ao senhor Bolt falar sobre experiências agoniantes em conexão com a enfermidade do pai. O terapeuta antevê agora o duplo encargo do senhor Bolt: cuidar de seu pai cronicamente enfermo e por sua vez ver e descobrir sua doença como uma - legitimamente orgânica - seqüela de guerra. Isto talvez nos dê uma referência sobre o motivo por que ele tem que aparecer como o forte e insensível: assim cumpre com o legado de fazer intocável a "honra" de seu pai. Há a impressão de que o senhor Bolt se exige tanto quanto sua esposa, na medida em que seu temor a mostrar-se débil apenas pode contar com ajuda e força de parte dela.

Depois de informar-se sobre as condições de vida real, volta à relação do casal. Menciona o problema principal: o senhor Bolt não pode contar, em sua super-exigência com o apoio da esposa. Para tentar as possibilidades de uma modificação do sistema, o terapeuta oferece questionar o rótulo de sensível imposto à mulher, a qual o senhor Bolt ainda não aceita.

Quanto maior é a tendência do senhor Bolt a confessar sua emotividade e sensibilidade e deixar de jogar o forte e robusto, tanto mais agressivas são suas reações contra a esposa. Aqui se mostra a dialética paradoxal de força e debilidade: sua própria debilidade constitui para o senhor Bolt uma ameaça tão grande que têm que combatê-la rejeitando-a agressivamente em sua esposa (identificação projetiva). Ante sua agressões a senhora Bolt começa a chorar, com o que demonstra às claras seu poder, que lhe proporciona sua debilidade: em vista de seus estados depressivos se sente impotente: como vítima ela se situa no braço mais longo do palanque da culpa. Depois da intervenção ativa do terapeuta encaminhando a conversação à situação conflitiva atual, se destaca um aspecto até agora negado pelos cônjuges: a debilidade e depressão do homem e a força de mulher em seu papel de vítima.

Depois de haver-se ocupado da família do senhor Bolt, o terapeuta dirige a conversa à família de sua esposa. Começa perguntando pelas enfermidades da família; o que é fácil para ela responder.

Nesta fase da conversação, o terapeuta intervém pouco; em compensação anima aos cônjuges a que eles mesmos falem do passado, o que fazem menos entre eles e mais com o terapeuta. Assim fica claro o encargo essencial dado pelos pais a senhora Bolt: ela devia assumir a granja depois que o irmão voltou da guerra. Tem-se a impressão de que sentia que isto lhe exigia demasiado, porém não podia confessá-lo.

Os encargos e contas correntes da senhora Bolt ficam claros à luz da perspectiva plurigeracional. Ela era a única sã da família. Por isto padeceu de forte culpabilidade de subserviência. Para poder apagar sua culpa devia estar forte e sã, ao preço de uma super-exigência crônica e falta de estima de sinais de alarme que indicavam um esgotamento e justificadas necessidades regressivas.

O senhor Bolt reage diante da história da esposa com uma mescla de compreensão e medo. O distanciamento entre os cônjuges se demonstra em grande parte como resultado de sua ligação a suas respectivas famílias de origem. Ele reafirma sua impotência diante da dor da esposa ("só ela mesma, ninguém mais pode ajudá-la").

O terapeuta pergunta à senhora Bolt por que lhe é tão difícil confessar seu estado e desejo e descanso e com esta pergunta capta uma parte importante da estrutura relacional encoberta. O "poder de débil" se manifesta no fato de que ela não confia em entregar a direção a seu marido e assim o mantém em contínua dependência, enquanto ela mesma se sente muito importante. Torna-se patente que os cônjuges causam um ao outro os mesmos prejuízos que sofreram em suas respectivas famílias de origem.

Noutro momento, o terapeuta tenta intervir na relação com um conselho prático, porém fracassa. Por quê a família não aceita os conselhos práticos do terapeuta? Eles haviam provado todas as possibilidades sugeridas, sem que a situação mudasse. É evidente que a mãe não permite se redimir do seu papel de vítima. Isto mostra também que ela segue controlando a empresa de modo indireto desde seu leito de enferma. É difícil suprimir a paralisia complementar do clinch maligno no qual se encontra o sistema.

O terapeuta depois se dirige às filhas, para comprovar que elas estão envoltas no conflito dos pais. Elas têm um conflito de delegação que as explora; se lhes confiam tarefas que não correspondem nem às capacidades nem às necessidades próprias de sua idade. A divisão dos papéis pai forte/ mãe frágil se cimenta com a ajuda das filhas. Estas compartilham da carga dos pais: Brigitte tem que negar seus componentes frágeis e brandos para conseguir o afeto do pai, enquanto que Annette (que resulta muito infantil para sua idade) apenas dá uma possibilidade para um desenvolvimento independente.

De modo paradoxal o terapeuta resiste à exploração das filhas exigindo-lhes um rendimento ainda maior. Ajuda a converter seus pais em melhores pais; atua assim no mais próprio interesse delas e prepara o terreno para uma separação e auto-evolução das filhas adequada à sua idade.

Ficam claras outras funções que têm as filhas para com os pais: Brigitte dá à mãe a possibilidade de exteriorizar sentimentos agressivos que aparentemente se dirigem ao pai (desprezo a um objeto distinto). Assim o conflito entre os cônjuges se mantém dentro de limites toleráveis e se conserva o lábil equilíbrio da família. Sobre a base da delegação paterna, as irmãs vivem o conflito que em realidade devia dirimir-se entre os pais. O pai admite a conduta agressiva de Brigitte, apesar de criticá-la abertamente.

Fica mais patente de que maneira se delega às filhas e como estas lhes servem de descarga: vivem o conflito paterno e ao mesmo tempo agitam e preocupam os pais, com o qual estes se distraem de seu próprio conflito e cimentam, enquanto encobrem seu "divórcio emocional". Com o reconhecimento encoberto de Brigitte, ambos fomentam inconscientemente a conduta agressiva dela e contribuem às inibições de Annette. As delegações têm também conseqüências na relação das filhas com seu giro.

Os paralelos entre filhos e pais ficam mais nítidos: a forte Brigitte consegue expressar suas agressões e construir uma imagem de fortaleza e capacidade, porém arrisca o desprezo do giro. Com a pequena Annette ocorre o contrário. Esta problemática ocorre em várias gerações. Tanto os avós quanto os tios estão enredados com as filhas. A conversação abriu uma nova perspectiva: os conflitos da família nuclear podem observar-se no "plano vertical intergeracional". Sentimentos de injustiça, inveja e ciúmes pesam sobre a relação entre as filhas e entre elas e o grupo de sua idade. É sobretudo Brigitte a que sente a injustiça e a formula. O terapeuta facilita a expressão destes sentimentos. Porém Brigitte não pode livrar-se da exploração e parentificação sem entrar em conflitos de lealdade feita aos pais. O terapeuta intervém no sistema estancado dando a um dos membros da família a oportunidade de expressar abertamente as injustiças e os prejuízos sofridos. Desta maneira indica também aos pais que tais exteriorizações não são necessariamente perigosas. Isto podia ser o primeiro passo para "descobrir e saldar as contas de culpas e méritos".

Para a mãe a ordem na casa é de suma importância. Isto demonstra em parte sua habilidade porém assinala que ela deve manter quase de maneira compulsiva o sistema no qual vive. Também corresponde à carga de educação, enquanto que o pai se situa na periferia. O terapeuta ao retomar a questão da bofetada ( a mãe teria ameaçado bater em Brigitte), tenta restabelecer as necessárias fronteiras entre as gerações. Assim se quita um peso a Brigitte e a restabelece no papel que corresponde a sua idade. Ao mesmo tempo se oferece a senhora Bolt possibilidades mais construtivas para interromper o círculo infernal: agressão reprimida - lágrimas - enfermidade.

Na educação das filhas, os pais não têm a mesma corda; em vez de fortalecer mutuamente sua autoridade, o senhor Bolt desqualifica sua esposa em presença das filhas. O terapeuta não reconhece as mútuas desvalorizações dos cônjuges; antes, sugere ao pai fazer algo por sua esposa e achar caminhos que possibilitem que ela se despoje de seu enfado sem que se lhe "destrocem os intestinos". Ele também tiraria um peso de cima de Brigitte e a liberaria de seus sentimentos de culpa em relação à enfermidade da mãe.

"Brigitte, que faz você para que sua mãe possa dar-lhe uma bofetada?" Com esta intervenção paradoxal, o terapeuta descarrega ainda mais Brigitte. Valoriza positivamente a preocupação dela com a mãe. Com a prescrição simbólica da bofetada traça limites claros entre as gerações ( o qual incita a uma educação mediante golpes). O senhor Bolt sente-se acossado pelo que ocorre entre elas, mas não pode expressar seus sentimentos com palavras, senão indiretamente através de ações. Para ajudar sua esposa a não destroçar intestinos, sugere-lhe a terapia do sono, o que é uma surpresa a ração dele. Podia ser que com a proposta de dormir a sua esposa esteja reagindo antes as modificações do sistema que se insinuam? Pareceria que conscientemente aprova que sua esposa se endureça porém a proposta aponta em direção oposta. Ou será talvez seu desejo de fazer dormir à esposa a expressão de sentimentos agressivos contra ela? A proposta parece ambivalente.

Por sua vez Annette se compadece de sua mãe que não se defende por si mesma, e ataca ao pai. Por que estende a reprovação à irmã? É um desquite geral ou quer voltar a desviar a culpa do pai? Com as reprovações de culpa e as obrigações de lealdade temos alcançado um ponto dos mais importantes e difíceis da conversa. Depois das reprovações, o pai assinala os méritos de Brigitte. Inicia uma recontagem de culpas e méritos.

O terapeuta fixa um limite e introduz a fase final da conversa. Começa a perceber-se certa hesitação diante da perspectiva de continuar com as conversas familiares. O terapeuta tenta animar para prosseguir o tratamento, reconhecendo expressamente a sinceridade da família e acentuando os aspectos positivos e construtivos da conversa. Prossegue a elaboração do contrato terapêutico.

Ao final da sessão o senhor Bolt manifesta claramente quanto anseia a comunhão com sua esposa, ainda que não possa expressá-lo senão de maneira indireta através do desejo de ter atividades comuns. O pai resulta um construtivo advogado a favor de um contrato terapêutico. A mãe se retrai parcialmente a uma compreensão org6anica da enfermidade, compreensão que o próprio terapeuta aceita. O forte desprezo inicial da conversa por parte do senhor Bolt foi convertido no curso da sessão em uma atitude ao menos expectativa.

O terapeuta não celebra o contrato para posteriores sessões unicamente com os pais, inclui as filhas; clareia em que horário podem comparecer todos os integrantes da família. Desta maneira, por uma parte aponta a importância de todos os membros da família; por outra, tenta evitar que possa atribuir-se a um membro eventualmente a culpa de não assistência. Ao final, o terapeuta dá graças à família. Assim volta a reconhecer expressamente o mérito de haver-se submetido a esta difícil situação.

 

Cap. 8 - - Discussão de caso

A história familiar da senhora Bolt revela que ela nasceu quando seus pais tinham 40 e 42 anos (mãe mais

velha) de idade ela com 20 a 25 anos de diferença entre seus irmãos. O irmão voltou inválido da guerra, sua irmã morreu jovem deixando dois filhos e ela ficou culpada por não ter ajudado mais e se tornou a única sobrevivente saudável, com sentimentos de obrigação para com seus pais, no sentido de cuidar da granja familiar. Aos 20 anos conheceu seu futuro esposo, mas casou apenas quando o irmão casou e resolveu assumir a granja. Viveram na casa d esposo com os sogros e a mãe da sogra num antigo hotel. Dois anos depois nasce Brigitte e dois anos além nasce Annette, quando a mãe teve complicações e extraiu o útero. O esposo era mimado pela mãe e as mulheres disputavam o controle da casa, que a senhora Bolt ganhou quando recebeu uma espécie de herança e reformou todo o antigo hotel. A família adquiriu equilíbrio frágil nos anos seguintes, com fortes tensões, poucas alegrias e muito trabalho. Ela se sentia abandonada e incompreendida pelo marido. Entre 72/73 ocorreram as mortes dos sogros e sua mãe e ela contraiu a doença intestinal.

A situação atual da família mostra uma divisão extrema de papéis, submetida a forte tensão. A relação aparece como estancada nesta convivência extrema e complementar entre uma mulher débil, sensível e incapaz de enfrentar a vida e depressiva e um homem forte, frio e combativo (clinch maligno). O giro apoia e estabiliza a complementaridade dos papéis através de simpatias e compassividade com uma ou outra das partes. A senhora Bolt não é tão frágil como mostra sua história e o marido não tão forte pois parece não Ter condições de administrar o hotel. Porém admitir isto é inaceitável para ambos, pois implicaria sentimentos de culpa por parte da esposa e a confissão de fragilidade por parte do marido.

Quanto ao papel das filhas, cada uma parece identificada com um dos pais. Brigitte com o pai e com ciúmes da irmã, frágil como a mãe e protegida pelos pais . Apenas falam entre si, como os pais e dependem do apoio deles de modo que o apoiam no caso de disputas entre o casal. Têm culpa a respeito da outra e sobre o outro pai não apoiado, marcando a relação por conflito de lealdades.

Na hipótese de dinâmica familiar se encontra o cárcere familiar: expressão de enganche maligno, isto é, uma forma de reciprocidade negativa. A família não dispõe de nenhuma margem para um jogo criativo e fantasioso; não é para nenhum dos membros o lugar de refúgio ou de diálogo sincero e compreensivo. Ao contrário passam o tempo elaborando planos de fuga, sonhando com a boa vida de fora e glorificando recordações do passado. O clima de cárcere familiar fomenta o desenvolvimento de uma personalidade psicossomática. São características deste quadro as vivências determinadas pelo apego ao concreto e a pobreza imaginativa e sentimental, assim como a excessiva adaptação, a desesperança e a perturbação da capacidade de internalizar relações, superficial e dependente da presença real do outro.

Na dinâmica relacional, quanto à individuação relativa, ela se reconhece pelo potencial de diálogo, isto é, pela capacidade de delimitar-se, suportar uma delimitação e seguir em um contato empático com o outro e aqui ambos os pais haviam sofrido perturbações da individuação na família de origem. Na qualidade de "benjamim da família" a senhora Bolt era a depositária dos desejos de proteção e independência de sua família emocionalmente empobrecida.

Quanto à delegação, na qualidade de filha única saudável tem que assumir os filhos perdidos diante dos pais que, incapazes de elaborar a luta, se submetem à fé. Como sente-se explorada, faz sua primeira somatização.

Na ligação, como benjamim da família está ligada de modo regressivo, pela culpa de não Ter cuidado mais da irmã e então assume a granja, porque sente a enorme importância que tem para os pais.

Na culpa e mérito suas contas correntes de culpa são saldadas pela profunda lealdade aos pais. Casa-se apenas quando o irmão resolve administrar a granja. Dedica enormes esforços a vida material do casal e acusa o marido pela sua exploração enquanto também o trata como "menor de idade". E atribuem às filhas os conflitos existentes na família: dureza - independência - atividade versus debilidade - dependência - passividade.

No centro da constelação desencadeante da enfermidade, ao precisar assumir o hotel o casal se defronta com seus pontos mais fracos: l) sua incapacidade de elaborar perdas e 2) a incapacidade para a independência. Todos os participantes são completamente conscientes do conflito (as perdas) pela qual têm um caráter fático-existencial muito mais forte que, por exemplo, as fantasias neuróticas. Daí se produzir uma doença somática ao invés de outra neurótica. Não atua sobre mecanismos cognitivos também. A perturbação se situa no plano afetivo-emocional.

 

Cap. 9 - Os testes familiares: Rorschachetat

Neste capítulo são introduzidos os resultados do teste da família Bolt, incluindo algumas informações teóricas sobre os mesmos.

Três grupos de investigadores norte-americanos (Bateson,1972; Lidz, l956; Wynne, 1968) bem como o grupo de Laing na Inglaterra em 1965 colocaram a pedra básica para um diagnóstico de orientação relacional. Enquanto as construções de diagnóstico psiquiátrico tradicional classificam aos indivíduos em separado, uma avaliação interpessoal tenta compreender as ações recíprocas entre dois ou mais indivíduos.

Há dois tipos de testes: diádicos e multipessoais. Por díades entendemos matrimônios, pares de irmãos ou pai - filho e neste caso o investigador se retira e se converte em observador calado quando há um espelho unidirecional. Os procedimentos multipessoais compreendem pai - mãe - filho até os grupos trigeracionais, que consistem na família nuclear e os avós.

O caso da família Bolt está orientado nos trabalhos de Singer baseado num marco referencial de Hassan.

No teste projetivo coletivo todos os membros de uma família são convidados a participar no desenvolvimento de uma fantasia compartilhada por todos. O processo de resposta pode considerar-se desde duas distintas: centrado nas tarefas ou nas relações. A perspectiva centrada na tarefa se expressa na comunicação verbal; mostra como os membros de uma família se põem de acordo na consecução de um objetivo comum, como tratam os desacordos e se conseguem um consenso. A perspectiva centrada nas relações introduz no campo visual planos de metacomunicação, o clima emocional e as diferenciações de papéis entre os membros da família. Os testes projetivos sensibilizam o investigador para interações que fomentam os sintomas, para recursos para dominar o conflito e para o grau de diferenciação individual (individuação relacional) no interior da família. Proporcionam pontos de partida para o prognóstico a longo prazo e para a planificação de uma terapia familiar.

As categorias micro-analíticas de "conteúdo" e "fluxo de interação" se referem respectivamente ao plano de tarefas e ao das relações da conversa familiar. As categorias de "texto" e "forma" no Rorschach versus "ação" e conflito central" no TAT estão determinadas pelo próprio caráter diverso dos tipos de estímulo. A categoria "fluxo de interação" designa o modo como os membros da família se comunicam entre si. A categoria "tomada de decisões" compreende a contribuição dos diversos membros da família a um diálogo contínuo e fluído. A maneira como se tomam decisões é expressão da capacidade de desenvolver um marco referencial comum e de compartilhar idéias, em que pesem as opiniões distintas. A categoria "consenso" representa uma medida da eficácia da solução de um problema. A categoria "autoria"(quem expressa primeiro uma idéia?) é um ponto de partida relativamente bom para a determinação de divisão intrafamiliar de papéis, quando se relaciona com processos de interação diversos. O ponto de partida para uma diferenciação dos papéis é o dos subsistemas "casamento" e "pais - filhos". Outros fatores centrais da estrutura familiar dos papéis são as diversas atribuições de papéis (porta-voz, membro calado, testa de ferro, bode expiatório, etc), a distribuição de poder (desde a posição de mando até o outsider) e as inversões de papéis entre os cônjuges ou entre as gerações (por exemplo, parentificação de filhos). São importantes as perguntas: Quem e como introduz cada resposta (jogada de abertura)? Quem sintetiza tudo? Quem coincide ou discorda da opinião de quem? Quem desvaloriza que coisa? As respostas a tais perguntas permitem concluir quais membros da família se apoiam mutuamente e acerca de formações de frentes. O consenso que confere ao intercâmbio de opiniões uma forma acabada, reflete a capacidade dos membros da família de conciliar seus pontos de vista e manter uma conversa razoável em comum. Cabem aqui perguntas como: coincidiram todos os membros da família numa determinada solução? Estiveram em condições de reconhecer e manejar diferenças de critério? Quais processos de intercâmbio precederam o resultado?

A categoria "contribuições afetivas" abarca as manifestações que têm conseqüências para a atmosfera emocional.

Finalmente, as categorias de "produtividade" e "convencionalidade" dos conteúdos mostram em ambos os testes as influências no sentido de uma maior ou menor conformidade com os valores standard, assim como o predomínio de uma relativa flexibilidade e multiplicidade dos pontos de vista. Uma avaliação qualitativa em relação ao conteúdo, fluxo interacional e contribuições afetivas permite avaliação do rendimento familiar como um todo e do grau de individuação dos diversos membros. As interrupções no processo de resposta podem ser entendidas como sintomas de medo e como indícios de zonas de perigo.

As instruções são: "Primeiro vou ler em que consiste o teste: Quero pedir-lhes que resolvam uma tarefa em conjunto, como família. Trata-se de que cada um de vocês diga como podia ser isto que está na lâmina. Há dez lâminas. Distintas pessoas podem ver coisas muito diferentes. A tarefa consiste em que tentem por-se de acordo em uma só relação. Quando terminem com uma lâmina deixem-na na mesa e colham por sua conta a lâmina seguinte. Têm um máximo de cinco minutos para cada lâmina. Podem começar".

A análise do teste prevê como a família pode ver-se como uma unidade, na conduta verbal e não verbal de cada um dos membros e tem um significado e um efeito regulador. A interpretação se articula nas sessões seguintes:

l. sinopse das diversas partes da conversa

No caso, a família fica desconcertada com a lâmina l. Brigitte dá as respostas primeiro, enquanto a família completa as respostas dela e se consolida com o papel de condutora e mediadora, que tenta fomentar a cooperação e o reconhecimento mútuo entre os membros da família. Os pais sustentam repetidas vezes opiniões contraditórias, sem que aclarem suas dissenções. Na última lâmina do TAT não conseguem concluir, o que pode indicar um certo "explorar-se a si mesmo" e temor ao final da entrevista, gancho para uma terapia.

2. características na família

Aqui considera-se os seguintes aspectos:

a) o estilo familiar comum

A orientação na realidade e adaptação da família se acha restringido. A maneira de ver o mundo é convencional. Todas as seqüências de respostas finalizam com um breve intercâmbio de palavras, de modo claro e concludente, mas carente de associações vivas e enriquecedoras.

b) os pais

Complementam-se como casamento no estilo cognitivo-comunicativo. Ele deprimido e hostil, ocupa-se de coisas irrelevantes, em geral voltadas para ele mesmo. Ela escolhe o silêncio, submissa, numa mescla de reprovação e agressão. Ele atrai Brigitte para uma aliança, fazendo-a de árbitro. Annette fechada em si mesma, participa quando incluída pelos terapeutas e às vezes, toma partido da mãe.

c) as filhas

Brigitte atua como porta-voz da família.

Segura as lâminas e oferece as respostas primeiro. Adolescente precoce, demasiado independente. Annette atua como espectadora complacente. Inibida e insegura. Quando acuada fica em local seguro: não tem nenhuma opinião e pretende não entender nada do que vê e ouve. Parecido com o padrão da mãe de ocultar-se atrás da máscara.

3. a família como unidade em desenvolvimento

4. observações resumidas

A causa da distância competitiva e a ausência de comunicação entre os pais deve-se ao seu distinto modo de experimentar e comunicar as coisas. A senhora Bolt deve aceitar terapia embora boicote com sua discrição (guardar segredos). O senhor Bolt talvez rejeite inicialmente como charlatã e busque refúgio em reprovações a esposa e ao terapeuta. Talvez o melhor seja uma equipe de profissionais, um masculino e um feminino. Se não aceitam co-terapia seria melhor um terapeuta masculino. No centro da dinâmica familiar fica a pergunta: quem domina quem e de que maneira? Pode supor-se a insuficiência mostrada pelo marido de assumir um compromisso comum com sua esposa e proteger-se contra as ocultas manipulações dela. Assim protege sua individualidade e integridade. A ela sobra ter que seguir produzindo sintomas.

Cap. 10 - - Integração dos resultados da investigação

A terapia: perspectiva de futuro?

l. Quais são os conflitos principais da família?

Pequenas disputas e frio distanciamento. Reprovações mútuas. Na qualidade de enferma e débil, a senhora Bolt faz com que lhe neguem o reconhecimento real de sua capacidade sobretudo no negócio. O senhor Bolt forte e capaz de enfrentar a vida apenas administra o hotel quando a esposa se encontra hospitalizada. As filhas são recrutadas como aliadas e entram em conflito de lealdade com os pais e repetem a mesma divisão de papéis entre elas. Clima afetivo de hostilidade dissimulada, decepções mútuas, inveja, desamparo.

2. Que forças alimentam estes conflitos?

O casal administrava o hotel quando ocorreram cinco mortes ao curso de poucos meses, mortes que não foram superadas. As conseqüências são a enfermidade somática da senhora Bolt e os conflitos familiares são conseqüência da incapacidade para o duelo. Toda família tenta dominar de diferentes maneiras os sentimentos de perda, duelo e abandono, sempre presentes e que teimam por penetrar a consciência. Ambos provém de famílias mal individuadas na qual persistiram ligações até a idade adulta. Não se desprenderam de seus pais, exceto com a morte. Ambos têm forte necessidade de dependência e não estão em condições de estabelecer ligações com outras pessoas.

3. Como podem solucionar-se estes conflitos?

O primeiro passo é a criação de uma relação de confiança com todos os integrantes da família. Sobretudo a partir do princípio de unipartidarismo, a participação do terapeuta a cada um dos membros da família, a compreensão e equanimidade também com respeito aos acusados, o senhor Bolt e Brigitte.

Para elaborar as perdas, o terapeuta no começo do tratamento pode ocupar o lugar dos objetos perdidos, numa adotando qualidades maternais e paternais. Conseguir uma reaproximação dos cônjuges, dando-lhes com sua atitude compreensiva um exemplo de que podem perceber-se também aspectos positivos um no outro.

Aproveitar o potencial positivo da família consistente numa genuína sensibilidade e empatia no pai, altruísmo nas filhas e experiência e sentido comum na mãe e ajudar o grupo a adquirir um maior sentimento de valor próprio e a tornar a experimentar-se e reconhecer como comunidade.

Depois iniciar o verdadeiro processo de duelo, o que pode parecer um retrocesso à família, com a experiência de sentimentos de pena e dor. A reelaboração do duelo em comum acompanha uma modificação de todo sistema familiar, tendo especial importância o grau de individuação relaciona, quando o terapeuta apoia aos integrantes da família em seus esforços de autodelimitação e a suportar a delimitação dos demais. Fomenta o diálogo de relação e comunicação com o qual prospera uma reciprocidade positiva na família. Aprendem a escutar os demais, a sintonizar com sua longitude de onda e a manejar situações controvertidas: aprendem a aproximar opiniões divergentes como a sustentá-las e reconhecê-las nos demais. A mudar as ligações externas baseadas no mimo, a infantilidade e os sentimentos de culpa em ligações internas: aprendem que podem seguir no caso de uma separação espacial. Trabalham os encargos que os pais transmitem às filhas, os conflitos de lealdade e os encargos surgidos por delegações contraditórias e coalisões com necessidades próprias da idade e eventualmente redistribuir as cargas.

Por fim, descobrem-se e renegociam as contas correntes de culpas e méritos. Quem faz algo positivo ou negativo para quem no seio da família? O doador deve obter uma oportunidade para saldar sua dívida. Prescrições ou indicações de reparações simbólicas ou reais por parte do terapeuta podem fomentar este processo.

Reflexões adicionais sobre a terapia

Todos os objetivos e tarefas terapêuticos descritos: reaproximação dos pais, elaboração do duelo, descobrimento das delegações patológicas e saldar de contas se inserem no modelo "cura por encontro" que determinava nosso trabalho por ocasião da primeira entrevista.

Depois da primeira conversa continuamos vendo a família em outras cinco sessões ao longo de três meses. Logo Brigitte nos informou que a família não podia vir pois estava ocupada com o hotel. Quatro meses mais tarde o terapeuta telefonou e falou com o pai, que se alegrou e na próxima sessão as filhas não vieram. A mãe estava melhor de saúde, tratando-se regularmente com um curandeiro. A relação do casal havia mudado. A senhora Bolt já não condescendia em tudo. Contratara mais pessoas. O senhor Bolt parecia mais depressivo e inseguro que antes. Não se notava quase nada de sua força inicial.

Havíamos conseguido uma cura do sintoma sem modificação do sistema familiar patológico subjacente. Por isto perguntamos se não teria sido mais adequado o método de "cura por modificação do sistema"? para isto, ao invés de procurar um "encontro existencial" , uma confrontação, ocupar-se nas questões familiares fundamentais (perdas, duelo, injustiça, etc) e o descobrimento e interpretação de conflitos familiares ocultos, deveríamos limitar-nos a recolher informações sobre as relações no seio da família e a história destas relações.

Na relação de força e debilidade, prescrever que toda vez um membro débil da família se torna forte outro membro agora forte, deve debilitar-se para manter o equilíbrio. A ameaça de uma crise de enfermidades corporais teria que produzir-se cada vez que houvesse demasiados membros fortes ou débeis. Este estado de coisas que é transgeracional, poderíamos inferir já a partir da história prévia. E prever que as filhas respondem as mesmas leis. Fazer uma intervenção paradoxal ao senhor Bolt: que se arriscava a um ataque de debilidade se tentava ajudar sua esposa a recuperar a saúde e força e à senhora Bolt que recairiam sobre ela responsabilidades e cargas maiores se podíamos ajudá-la a curar-se. E neste caso diríamos a família que vacilávamos em iniciar o tratamento e esperávamos que as conversas só seriam necessárias em largos intervalos e considerávamos toda melhora sintomática, todo sinal de força e saúde de parte da mãe e Annette como motivo de preocupação e não como êxito do tratamento.

Apreciação pessoal sobre o livro

O tema, os assuntos desenvolvidos no decorrer são muito interessantes e me ajudaram num aspecto pessoal e profissional inclusive ampliando e melhorando meu pensamento no enfoque circular. Alguns pontos merecem estudo mais aprofundado pela sua complexidade, como o modelo de "cura por encontro", "cura por modificação do sistema" e "cura por reestruturação ativa".

 

Nome do autor da resenha e data: Cleia Mara Perez - junho/2000.