Resenha de Livro
Curso de Formação em Terapia Relacional Sistêmica
Psicóloga Solange Maria Rosset

 

Nome do Livro:

Uma mente inquieta

 

Autor do Livro:

Kay Redfield Jamison

 

Editora, ano de publicação:

Martins Fontes,1998

 

Relação dos capítulos

Quem é Kay Jamison?

Prólogo

Primeira Parte – O Fantástico Azul ao Longe

1. Na Direção do Sol

2. Formação Para a Vida

Segunda Parte – Uma Loucura Não Tão Delicada

1. Vôos da Mente

2. Saudades de Saturno

3. A Câmara Mortuária

4. A Efetivação

Terceira Parte – Esse Remédio o Amor

1. Um Oficial de Classe

2. Dizem que Choveu

3. O Amor a Observar a Loucura

Quarta Parte – Uma Mente Inquieta

1. Por Falar em Loucura

2. A Hélice com Problemas

3. Licença para Clinicar

4. Uma Vida Rica em Humores

Epílogo

Agradecimentos

 

Apanhado resumido sobre cada capítulo

Quem é Kay Jamison?

A cientista Kay Redfield Jamison, Professora Associada de Psiquiatria da “The Johns Hopkins University of Medicine”, é figura de destaque. Co-autora, junto com o Dr. Frederick K. Goodwin, de um dos melhores textos técnicos sobre os Transtornos Afetivos, seu nome é referência indispensável para o médico dedicado aos clientes com alterações de humor.

Uma mente inquieta relata esta experiência única: de como uma profissional de saúde, que se dedica à pesquisa e ao tratamento de uma doença mental, lida com essa mesma doença como doente. Os preconceitos, as dificuldades, as alegrias e as tristezas dessa pessoa brilhante certamente vão arejar nossos conceitos sobre doença mental, especialmente sobre Transtornos Afetivos. Esses doentes; seus familiares e profissionais de saúde mental terão neste livro um alento e um alerta. Conhecerão o sucesso de uma profissional que venceu e conquistou renome justamente na área de seu transtorno psíquico. E estarão atentos para as potencialidades do ser humano, mesmo quando sua mente inquieta parece que vai dominá-lo. (1)

Prólogo:

Um mês após ter assinado o contrato que a nomeava para professora-assistente de psiquiatria na Universidade da Califórnia, Los Angeles, Kay Jamison estava a meio caminho da loucura. Era 1974, e ela estava co vinte e oito anos. Em três meses, estava maníaca a ponto de não se reconhecer e apenas começava sua longa e custosa guerra particular com um medicamento que, depois de alguns anos, ela recomendaria com firmeza a outros. A doença, bem como as batalhas com a droga que acabaria por salvar sua vida e restaurar sua sanidade, vinha se formando há anos. (5)

Desde suas lembranças mais remotas, Kay Jamison era propensa a inconstâncias de humor de uma forma assustadora. (5)

Criança de emoções intensas, volúvel quando menina, a princípio gravemente deprimida na adolescência, e depois presa sem trégua aos ciclos da doença maníaco-depressiva, na época em que começou sua vida profissional, tornou-se por necessidade e por inclinação intelectual uma estudiosa das alternâncias do humor. É o único meio que conhece para compreender, na verdade para aceitar a doença que têm. Também é o único meio que conhece para tentar exercer alguma influência nas vidas de outros que também sofrem de transtornos do humor. A doença que mata dezenas de milhares de pessoas a cada ano. A maioria é jovem; a maioria morre sem necessidade; e muitos estão entre os membros mais talentosos e criativos que nós, enquanto sociedade, temos. (5)

De início, a doença parecia ser simplesmente uma extensão dela mesma, ou seja, dos seus entusiasmos, energias e humores naturalmente inconstantes, talvez tenha sido complacente demais com a doença. E, como era da opinião de que deveria ser capaz de lidar sozinha com a violência cada vez maior das suas oscilações de humor, durante os dez primeiros anos não procurou nenhum tipo de tratamento. Mesmo depois de sua condição se tornar uma emergência médica, ela ainda oferecia resistência intermitente à medicação, que tanto sua formação, quanto o conhecimento de pesquisas clínicas, diziam ser a única forma racional de lidar com a doença. (6)

Demorou para perceber que anos e relacionamentos perdidos não podem ser recuperados. O mal que se faz a si mesmo e aos outros nem sempre pode ser corrigido e que libertar-se do controle imposto pela medicação perde seu significado quando as únicas alternativas são a morte e a insanidade. (6)

O principal problema clínico no tratamento da doença maníaco-depressiva não está na inexistência de medicação eficaz-ela existe -mas na tão freqüente recusa dos doentes a tomá-la. E o que é ainda pior, em decorrência da falta de informação, de falhas na atenção médica, do estigma ou do medo de conseqüências em termos pessoais e profissionais, eles simplesmente não procuram tratamento. A doença maníaco-depressiva deforma o estado de humor e os pensamentos, estimula comportamentos aterradores, destrói a base do pensamento racional e, com enorme freqüência, solapa o desejo e a vontade de viver. È uma doença biológica nas suas origens, mas que dá a impressão de ser psicológica na vivência que se têm dela; uma doença que proporciona vantagens e prazer e que, no entanto, traz como conseqüência um sofrimento quase insuportável e, não raramente, o suicídio. (7)

Primeira Parte

O Fantástico Azul ao Longe

1. Na Direção do Sol

O pai de Kay Jamison era um oficial de carreira da Força Aérea e um cientista. Ele adorava voar; e, como era meteorologista, tanto sua mente quanto sua alma acabavam ficando no céu. (13)

Embora, como todas as famílias de militares, eles se mudassem muito – ao chegar na 5 a série, Kay Jamison; seu irmão mais velho e sua irmã também mais velha, haviam freqüentado quatro escolas primárias diferentes e haviam morado na Flórida; em Porto Rico; na Califórnia; em Tóquio e em Washington por duas vezes – os pais, em especial a mãe, mantinham a vida tão segura; aconchegante e constante quanto possível. O irmão era o mais velho e o mais firme dos três filhos, além de ser o aliado fiel de Kay, apesar dos três anos de diferença entre eles.

O relacionamento com a irmã era mais complicado.

Seu estilo era carismático; seu temperamento, feroz. Sofria de humores sombrios e passageiros e era pouco tolerante com o estilo de vida militar conservadora que, na sua opinião, aprisionava a família inteira. Ela levava sua própria vida, desafiadora, e se rebelava com impetuosidade sempre e onde quer que pudesse. (16)

Talvez em decorrência do fato de os humores sombrios de Kay , só terem ocorrido quando ela estava mais velha, ela tenha tido um tempo maior para habitar um mundo de aventuras mais ameno, menos ameaçador. Esse mundo, foi algo que sua irmã jamais conheceu. Kay teve uma infância e início de adolescência, muito felizes, o que proporcionou uma base sólida de carinho; amizade e confiança.

Mais tarde, com a doença, a irmã viu a escuridão como algo que estava dentro e fazia parte dela mesma; da família e do mundo. Kay, em vez disso, considerava a escuridão uma perfeita estranha, uma força externa.(19)

Quanto ao pai, ele costumava envolver-se de um modo mágico com as coisas: entusiástico; divertido; curioso sobre praticamente tudo e capaz de descrever com prazer e originalidade as belezas e os fenômenos do mundo natural. A mãe disse muitas vezes que sempre se sentiu vivendo na sombra da espirituosidade; encanto; energia e imaginação do marido. Brincavam com o pai e conversavam com a mãe. (20)

A mãe sempre teve a crença absoluta de que o que importa não são as cartas que recebemos no jogo da vida, mas nosso modo de jogar com elas. A mãe era uma pessoa delicada; justa; generosa e carinhosa. Para ela, as pessoas sempre vinham em primeiro lugar. (21)

Tanto a mãe como o pai, davam forte estímulo aos interesses de Kay por escrever poesia e peças escolares, bem como pela ciência e pela medicina. Nenhum dos dois procuravam limitar seus sonhos. Tinham o bom senso de sber distinguir quando era um entusiasmo passageiro ou não. O interesse pela medicina foi duradouro, e os pais lhe deram estímulo total.

Kay vivia uma vida feliz,tinha amigos; uma vida cheia e ativa, com natação; equitação; softball; festas; namorados;verões na Chesapeake e todo o reto que caracterizava o início da vida. (36)

Quando Kay estava se sentindo pela primeira vez enraizada em Washington, seu pai reformou-se da Força Aérea e aceitou um emprego como cientista na Rand Corporation Califórnia. Kay estava com quinze anos e todo seu mundo começou a desmoronar. (36)

Passava boa parte do tempo em lágrimas ou escrevendo cartas para o primeiro namorado, que havia ficado em Washington. Os costumes longe de escolas em bases militares, com filhos de militares, eram completamente diferentes.

O irmão saiu de casa para a faculdade antes da mudança para a Califórnia, o que deixou um espaço enorme.

A irmã enfrentou maiores problemas que Kay para se adaptar à nova vida.

O pai, às vezes, superava as fronteiras da razão, e suas idéias grandiosas começaram a forçar os limites do que a Rand poderia tolerar. Acompanhando sua capacidade para o vôo, vinham seus estados mais sombrios. Às vezes, a depressão o imobilizava, deixando-o incapaz de se levantar da cama e profundamente pessimista quanto a todos os aspectos da vida e do futuro. Em outras ocasiões, sua fúria e seus berros assustavam a família inteira. (42)

Kay estava no último ano do segundo grau quando sofreu sua primeira crise maníaco-depressiva. No início tudo parecia fácil, estava cheia de planos e de entusiasmos; mergulhada nos esportes; passando a noite inteira acordada; noite após noite, saindo com amigos; lendo tudo que caísse na mão; enchendo cadernos com poemas e fragmentos de peças e fazendo planos extensos, totalmente fora da realidade para o futuro.

Falava demais e com uma rapidez que não deixava que os outros acompanhassem seu raciocínio.

Finalmente reduziu a velocidade, na verdade, parou. O raciocínio tornou-se lento. Lia repetidamente o mesmo texto, sem entender. Não conseguia acompanhar a matéria dada na escola. Sentia-se totalmente exausta e mal conseguia sair da cama pela manhã. Usava repetidamente as mesmas roupas para não ter que pensar no que usar. Andava devagar.

Só pensava em morrer. Ia a um cemitério local e ficava sentada nos túmulos, escrevendo poemas longos; mórbidos. (47)

Amadureceu rapidamente naquele período, como seria necessário com tanta perda de identidade; tanta proximidade com a morte e tanta distância de um refúgio. (48)

2. Formação Para a Vida

Estava com dezoito anos quando iniciou relutante seus estudos de graduação em medicina na Universidade da Califórnia, Los Angeles (UCLA). Não era lá que Kay queria estudar. Queria estudar, por vários motivos, na Universidade de Chicago. Em termos financeiros, isso era impossível. O comportamento imprevisível do pai, lhe havia custado o emprego na Rand. (49)

Os tempos da faculdade foram, principalmente, uma luta terrível, um pesadelo recorrente de estados de espírito violentos e apavorantes aliviadas somente de vez em quando por semanas, às vezes meses, de grande diversão, paixão, fortes entusiasmos. Quase tudo era exagerado. Estava trabalhando de vinte a trinta horas por semana para pagar a faculdade, e não havia absolutamente nenhuma folga no orçamento para as despesas que Kay fazia nesses períodos de alto entusiasmo. Os avisos de saques a descoberto enviados pelo banco pareciam sempre chegar quando estava nas garras das depressões que inevitavelmente acompanhavam as semanas de exaltação. (52)

Os estudos, nos períodos de exaltação, pareciam absurdamente fáceis. Costumava também ficar envolvida numa variedade de causas políticas.

Quando o ânimo entrava em colapso, perdia todo o interesse pelo trabalho acadêmico; pelos amigos; pelas leituras; por passeios (53)

Aos vinte e um anos, já estava claro para Kay, que seu temperamento inconstante e sua inquietação física iam tornar o estudo da medicina uma proposta inviável. Adorava pesquisar e escrever, e a idéia de ficar amarrada ao tipo de horário que a faculdade de medicina exigia, cada vez lhe causava mais repulsa. Estava completamente fascinada com a idéia de estudar psicologia. Havia também começado a trabalhar com um professor no seu projeto de pesquisa sobre os efeitos psicológicos e fisiológicos de drogas modificadoras do humor como o LSD; a maconha; a cocaína; os narcóticos; os barbitúricos e as anfetaminas. (64)

A UCLA era na época, e ainda é, um dos melhores programas de pós-graduação em psicologia dentro dos Estados Unidos. Kay inscreve-se para admissão e iniciou seus estudos para o doutorado. (66)

A pós-graduação foi o prazer que faltou na graduação. A pós-graduação não representou apenas uma liberação relativa da doença, mas também foi uma liberação da existência altamente estruturada dos estudos de graduação. Enquanto o desempenho fosse adequado, os meios extravagantes que cada um adotasse para chegar lá tinham importância consideravelmente menor. (68)

Kay estava casada com um artista francês que não só era um pintor talentoso, mas uma pessoa delicada e gentil. (68)

O ânimo; o cabelo; as roupas; tudo mudava de uma semana para a outra, de um mês para o outro. O marido, por outro lado, era constante, e na maioria dos aspectos, acabavam complementando o temperamento um do outro. (69)

A segurança deste casamento; a proximidade de bons amigos e amplidão intelectual proporcionada pelo curso de pós-graduação, tiveram grande influência na criação de um mundo abrigado, razoavelmente sereno. (73)

A maior parte da verdadeira formação de Kay veio da ampla variedade e grande número de clientes que avaliou e tratou durante seus estágios como interna clínica antes do doutorado. Equanto isso, completou o curso de psicofarmacologia e comportamento animal. (73)

Os exames de qualificação chegaram e Kay passou. Foi contratada como professora-assistente pelo departamento de psiquiatria da UCLA.

Três meses depois, estava completamente psicótica. (75)

Segunda Parte

Uma Loucura Não Tão Delicada

1. Vôos da Mente

No início tudo parecia perfeitamente normal. Uma das enfermarias de adultos internados ficou sob responsabilidade clínica e de ensino de Kay. Esperava-se que ela supervisionasse residentes de psiquiatria e internos de psicologia clínica no que dissesse respeito a técnicas de diagnóstico; testes psicológicos; psicoterapia e, graças à sua formação em psicofarmacologia, algumas questões relacionadas a experiências com drogas e medicamentos. Ela também era a ligação entre os departamentos de psiquiatria e de anestesiologia, onde fazia consultas; seminários e estabeleceu alguns protocolos de pesquisa destinados a investigar aspectos psicológicos da dor. (81)

Adaptou-se ao novo emprego com grande otimismo e energia. A relativa liberdade que ela tinha para se dedicar aos seus próprios interesses acadêmicos era inebriante. Ela trabalhava muito e dormia muito pouco. A redução do sono é tanto sintoma quanto causa da mania, mas isso ela não sabia naquela época. (83)

Sua cabeça estava começando a ter de se esforçar um pouco para conseguir acompanhar seu próprio ritmo, já que as idéias surgiam com tanta velocidade que uma atravessava a outra em todos os ângulos concebíveis. Quanto mais Kay procurava desacelerar seu pensamento, mais ela percebia que não conseguia. Seus entusiasmos estavam também em excesso de velocidade. (86)

Seu casamento estava desmoronando. Separou-se do seu marido, ostensivamente porque ela queria filhos e ele não. De repente, descobriu que se rebelava exatamente contra as coisas que mais adorava no seu marido:sua delicadeza; estabilidade; carinho e amor. Impulsivamente procurou começar uma vida nova.

Gastar o dinheiro que não se tem ou envolver-se em surtos desenfreados de compras é um aspecto clássico da mania. (87)

Os cartões de crédito são um desastre; os cheques pessoais ainda piores.

O dinheiro gasto enquanto se está maníaco não tem limites.

Ter um Ph.D. em economia da Universidade de Harvard absolutamente não preparou seu irmão para a confusão financeira que estava espalhada no chão diante dos seus olhos. Havia pilhas de recibos de cartões de crédito, montes de avisos de saque a descoberto do banco e cobranças duplas e triplas de todas as lojas pelas quais havia passado, comprando para pagar com o cartão da loja. Numa pilha separada, havia cartas com ameaças de agências de cobrança. Kay comprou doze kits para picada de cobra, com uma sensação de urgência e importância; pedras preciosas; mobília elegante e desnecessária; três relógios com uma hora de intervalo entre as aquisições, que eram mais na faixa do Rolex do que na do Timex; uma raposa empalhada; doze livros sobre pingüins, entre outros gastos. (89)

O irmão não fez nenhuma crítica às suas compras completamente irracionais. Graças à um empréstimo pessoal que ele fez com a cooperativa do Banco Mundial, onde trabalhava como economista, puderam emitir cheques para cobrir todas as contas pendentes. Aos poucos, ao longo de um período de muitos anos, Kay pode restituir o que lhe devia. Ficou para sempre, a gratidão pelo amor; a gentileza e a compreensão. (92)

Prosseguia com sua vida num ritmo assustador. Cumpria expedientes longos de trabalho e praticamente não dormia. Quando voltava para casa à noite, era para um lugar decaos cada vez maior. Livros, muitos deles recém comprados, estavam espalhados por todos os cantos. Havia roupas empilhadas em montes em todos os aposentos, assim como embrulhos não desfeitos e sacolas de compras não esvaziadas até onde a vista alcançasse. Havia também centenas de tiras de papel. Elas enchiam o tampo da mesa de trabalho; dos balcões da cozinha e formavam seus próprios montinhos no chão. Uma tira continha um poema incoerente e desconexo e estava dentro da geladeira. (93)

A percepção e vivência dos sons em geral e da música em particular eram intensas. Passou a ouvir no volume mais alto. Já não conseguia processar o que estava ouvindo; estava confusa; assustada e desorientada.

Aos poucos, a escuridão começou a se insinuar na sua mente, e em pouco tempo, estava irremediavelmente descontrolada. Não conseguia acompanhar a linha dos seus próprios pensamentos e numa tarde, teve uma horrível alucinação. Berrou até a alucinação desaparecer. Telefonou para um amigo pedindo ajuda. (95)

O amigo que era psiquiatra, levantou a necessidade de tomar lítio. Foi muito delicado, mas insistente ao dizer que acreditava que Kay tinha a doença maníaco-depressiva, e a convenceu a marcar uma consulta com um psiquiatra. (96)

O lítio havia sido aprovado para uso nos casos de mania somente quatro anos antes, em 1970, pelo órgão de controle de medicamentos e alimentos, e ainda não estava em ampla utilização na Califórnia. Estava claro, porém, que o lítio era a única droga que tinha alguma chance séria de funcionar.

O amigo prescreveu lítio e outros medicamentos antipsicóticos para Kay por um período de emergência, só o suficiente para dar apoio até a primeira consulta com o psiquiatra. Ele separou o número certo de comprimidos que ela deveria tomar todas as manhãs e noites, além de passar horas conversando com sua família sobre sua enfermidade e qual seria a melhor forma de lidar com ela. Ele também insistiu que Kay pedisse uma curta licença do trabalho, o que acabou protegendo-a da perda do mesmo e da licença de clinicar. Tomou providencias para que alguém cuidasse de Kay em casa durante aquele período, quando ele não pudesse fazê-lo. (96)

Kay sentiu-se infinitamente pior e deprimida num nível mais perigoso, durante este primeiro episódio de mania do que quando estava no meio das suas piores depressões. Na realidade, na sua vida inteira – caracterizada por altos e baixos caóticos – a época em que se sentiu pior foi a primeira vez que teve um surto psicótico de mania. Kay havia tido episódios brandos de mania anteriormente, mas aquelas experiências nunca haviam sido assustadoras – inebriantes na melhor das hipóteses, desnorteantes, na pior. Havia aprendido a se adaptar muito bem a elas. Havia desenvolvido mecanismos de autocontrole, de modo a moderar acessos de riso inconvenientes e a impor rígidos limites à sua irritabilidade. Seu trabalho e sua profissão seguiam em frente. Mas de modo algum esse aprendizado, sua formação, seu intelecto ou seu caráter chegaram a prepará-la para a insanidade. (97)

Embora as coisas viessem caminhando nessa direção há semanas, e sem dúvida ela soubesse que algo estava muito errado, houve um ponto precioso quando soube que estava loca. Seus pensamentos eram tão rápidos que ela não conseguia lembrar do início de uma frase a meio caminho. Fragmentos de idéias, imagens, frases passavam correndo pela sua cabeça. Nada que um dia havia sido familiar era familiar. Queria desesperadamente desacelerar, mas não conseguia. Nada ajudava. Seus delírios se concentravam nas mortes lentas e dolorosas de todas as plantas verdes do planeta. Cada vez mais, todas as suas imagens eram sinistras e de decomposição. Demorou muito tempo para conseguir reconhecer sua mente e voltar a confiar nela. (98)

No meio da perfeita confusão, conseguiu tomar uma decisão de notável clareza ao escolher seu terapeuta. Sabia que com ele não havia a menor sombra de possibilidade de conseguir superá-lo pela fala, pelo pensamento ou por manipulações. Embora ele fosse irredutível quanto à importância de tratamentos médicos precoces e agressivos para clientes psicóticos, ele também tinha uma crença profunda e genuína na importância da psicoterapia para a obtenção da cura e da mudança duradoura. (99)

Aos poucos, sua experiência como médico e sua segurança como pessoa começaram a fazer efeito, de uma forma muito parecida com o modo pelo qual a medicação começa aos poucos a dominar e a acalmar o tumulto da mania. Ele deixou claro sem qualquer ambivalência que na sua opinião, Kay tinha a doença maníaco-depressiva e que iria precisar tomar lítio, talvez indefinidamente. Kay debateu-se contra a sentença que achava que ele lhe havia passado, deu explicações enroladas. Ele manteve-se firme no diagnóstico e Kay sentiu-se de certa forma aliviada. (103)

Muito embora o médico compreendesse mais do que qualquer um o quanto Kay sentia estar perdendo em energia; vivacidade e originalidade ao tomar a medicação, ele nunca foi levado a perder de vista a perspectiva geral de como sua doença era custosa, prejudicial e representava uma ameaça à sua vida. (104)

Os temperamentos de Kay, seus estados de espírito e sua doença afetavam, de modo claro e profundo, os relacionamentos que ela tinha com os outros e os fundamentos do seu trabalho. No entanto, seus próprios estados de espírito eram fortemente moldados pelos mesmos relacionamentos e trabalho. O desafio estava em aprender a compreender a complexidade dessa interdependência mútua e em aprender a distinguir os papéis do lítio; da vontade;e do insight na recuperação e na tentativa de levar uma vida significativa. Era a tarefa e o dom da psicoterapia. (105)

2. Saudades de Saturno

Kay, como filha de meteorologista, descobriu-se naqueles dias, deslizando, voando, de quando em quando fazendo um súbito desvio em meio a montes de nuvens e ao éter, passando por estrelas e atravessando campos de cristais de gelo. Cores inconstantes mas arrebatadoras dispostas sobre quilômetros de anéis circulares. Viu e vivenciou o que só havia existido em sonhos. Muito depois que sua psicose se dissipou e que as medicações assumiram o controle, isso se tornou parte daquilo que as pessoas recordam para sempre. A intensidade, glória e absoluta ousadia do vôo da sua mente tornavam muito difícil que Kay acreditasse quando estivesse sentindo-se melhor, que a doença era algo a que renunciaria de bom grado. (107)

Muito embora Kay clinicasse e fosse cientista e muito embora pudesse ler e ver as conseqüências desoladoras e inevitáveis de não tomar lítio, durante muitos anos após seu diagnóstico inicial, relutou em tomar o medicamento de acordo com a receita.

Parte da sua relutância, sem dúvida tinha origem numa negação fundamental de que o que ela tinha era uma doença de verdade. (108)

As oscilações de ânimo são uma parte tão essencial da substância da vida, da noção de identidade do maníaco-depressivo, que mesmo extremos psicóticos no humor e no comportamento podem de algum modo ser vistos como reações temporárias, até mesmo compreensíveis, ao que a vida apresenta. No caso de Kay, ela sofreu uma horrível sensação de perda pelo que ela havia sido e por onde ela havia estado. Foi difícil renunciar aos altos vôos da mente e da emoção, mesmo se as depressões que inevitavelmente os acompanhavam, quase lhe custassem a vida. (109)

Se você já teve as estrelas aos seus pés e os anéis dos planetas nas mãos, se estava acostumado a dormir quatro ou cinco horas por noite e depois dorme oito, se costumava passar a noite em claro por dias e semanas a fio e depois não consegue enquadrar-se nos horários convencionais, é uma mudança muito real, pois, embora sejam confortáveis para muitos, são novos, repressores, aparentemente menos produtivos e exasperadoramente excitantes. (109)

Uma vez que a mania inicial estava dissipada e que Kay estava recuperada da terrível depressão, um exército de motivos se reuniu na sua cabeça para formar uma forte linha de resistência à medicação. Alguns destes motivos eram de natureza psicológica. Outros estavam relacionados aos efeitos colaterais que sofreu em decorrência dos altos níveis sangüíneos de lítio que eram exigidos, pelo menos no início, para manter sua doença sob controle. ( Em 1974, a prática médica padrão consistia em manter nos clientes, níveis consideravelmente mais altos de lítio do que nos dias de hoje). (110)

Kay descobriu-se presa a uma medicação que também provocava náuseas graves e vômitos muitas vezes a cada mês, quando, em decorrência de mudanças nos níveis de sais, na sua dieta, nos exercícios físicos ou nos hormônios, seu nível de lítio subia demais. Quando ficava particularmente intoxicada, começava a tremer, perdia a coordenação motora, trombava com as paredes e sua fala ficava arrasada. Isso resultou não apenas em algumas passagens pelo setor de emergência de hospitais, onde aplicavam soro para controlar a toxidade, mas, o que era muito mais mortificante, na impressão de que Kay dava de estar usando drogas ilícitas ou de ter bebido em excesso. (111)

As náuseas, os vômitos e a eventual intoxicação, embora irritantes e ocasionalmente embaraçosas, tinham importância muito menor para Kay do que o efeito do lítio sobre sua capacidade para ler, compreender e lembrar o que havia lido. (113)

As questões psicológicas acabaram se revelando muito mais importantes do que os efeitos colaterais na sua prolongada resistência ao lítio. Kay tornara-se viciada nos seus ânimos ascendentes. Kay já era dependente da sua intensidade, euforia, segurança e da sua capacidade contagiante de induzir nas outras pessoas animação e entusiasmos. (117)

O terapeuta de Kay percebia que ela considerava a medicação uma promessa de cura, e um meio de suicídio se não funcionasse. Kay temia que, ao tomar a medicação, estaria arriscando seu último recurso. (123)

Kay interrompeu por conta própria, por várias vezes, o uso do lítio. E, sempre que interrompeu a medicação, voltaram os episódios de mania, seguidos pelos terríveis episódios de depressão.

Infelizmente, essa resistência ao uso do lítio se apresenta nas vidas de dezenas de milhares de clientes a cada ano. Quase sempre essa atividade leva à recorrência da doença. (124)

Não é incomum que isso resulte em tragédia. (125)

3. A Câmara Mortuária

Kay colheu os frutos amargos de sua recusa a tomar lítio com regularidade. Uma mania rematadamente psicótica foi acompanhada, de modo inevitável por uma depressão suicida, profunda, prolongada. Ela durou mais de um ano e meio Desde a hora em que acordava de manhã até a hora em que ia dormir à noite, ela sentia uma angústia insuportável e parecia incapaz de qualquer tipo de alegria ou entusiasmo. Kay duvidava totalmente da sua capacidade de fazer qualquer coisa bem. Parecia que sua mente havia reduzido a velocidade e se consumido a ponto de se tornar virtualmente inútil. (131)

Via a morte em tudo. Tudo era um esforço. Às vezes dormia com a mesma roupa que havia usado durante o dia porque estava exausta para trocar a roupa. (132)

Seu psiquiatra tentou repetidamente convencê-la a internar-se num hospital psiquiátrico, mas ela recusava-se. Tinha pavor da idéia de ser trancafiada e de ser invadida na sua privacidade, mas, sua preocupação principal era com a possibilidade de que, se se tornasse de domínio público que ela havia sido internada, seu trabalho e sua licença para clinicar, seriam suspensos ou revogados para sempre. (134)

Nada parecia surtir efeito, apesar do excelente atendimento médico. Kay resolve suicidar-se. Toma uma dose cavalar de lítio. Esteve entrando e saindo do coma por alguns dias. (139)

Contou com o apoio do psiquiatra; seus amigos e da família, em especial, de sua mãe e de seu irmão. (142)

Kay destruiu coisas que apreciava, levou aos últimos limites as pessoas que amava e conviveu com a vergonha e a culpa do que fez. (143)

De algum modo, a depressão está muito mais em consonância com as idéias da sociedade sobre o que é ser mulher: passiva;sensível;inútil;desamparada;abatida;dependente;confusa;bastante cansativa e com aspirações limitadas. Os estados maníacos, por outro lado, parecem estar mais no campo dos homens: irrequietos ;fogosos;agressivos;instáveis;enérgicos;que se dispõe a assumir riscos;visionários e impacientes com o status quo. A raiva ou a irritabilidade nos homens é mais tolerada. (146)

4. A Efetivação

Os anos que decorreram até Kay conseguir a efetivação, de1974 a 1981, compreenderam mais do que as dificuldades normais da competição no mundo extremamente enérgico e agressivo da medicina acadêmica. O mais importante, é que eles foram marcados por sua luta para manter-se sã; viva e para entrar em um entendimento com sua doença. Kay tornou-se determinada a extrair algo de bom, de tudo o que passou em função da doença. (150)

A efetivação também tornou-se um símbolo da estabilidade pela qual Kay ansiava e o reconhecimento definitivo que ela procurava por ter competido e sobrevivido no mundo normal. (150)

Kay interessou-se particularmente pela doença maníaco-depressiva. Com mais dois colegas, ambos com muita experiência clínica e de pesquisa com os transtornos do humor, Kay resolveu instalar uma clínica ambulatorial na UCLA que se especializaria no diagnóstico da depressão e da doença maníaco-depressiva. (152)

Em poucos anos, a Clínica de Transtornos Afetivos da UCLA já se tornara uma grande instituição de ensino e pesquisa. (152)

Durante a instalação e o funcionamento do ambulatório, Kay teve a felicidade de contar com o apoio do diretor do seu departamento. Ele defendeu a nomeação de Kay para dirigir um ambulatório médico apesar do fato de ela não ser médica e apesar de saber que ela tinha a doença maníaco-depressiva. Em vez de usar a doença como motivo para restringir suas responsabilidades clínicas e de ensino, ele, depois de se certificar de que Kay estava recebendo bom atendimento psiquiátrico e de que o diretor médico do ambulatório tinha conhecimento do distúrbio, ele a estimulou para usar a doença para desenvolver tratamentos melhores e ajudar a mudar as atitudes públicas. (157)

A vida na faixa de alta velocidade, o arrojo, e a disputa pela efetivação e pelo reconhecimento por parte dos colegas continuavam num ritmo frenético. Quando Kay estava maníaca, o ritmo parecia lento; quando estava normal, o frenético era aceitável; quando estava deprimida, o ritmo era impossível.(159)

A doença maníaco-depressiva força a pessoa a lidar com muitos aspectos do envelhecimento, com seu enfraquecimento físico e mental, muitas décadas antes da própria idade. (159)

Na efetivação, uma amiga de Kay, ofereceu uma festa à ela. A festa era tanto uma comemoração pelos anos de luta contra a doença mental grave, quanto uma comemoração do importante rito de passagem na vida acadêmica. (162)

Terceira Parte

Esse Remédio o Amor

1. Um Oficial de Classe

Kay conheceu David no seu primeiro ano no corpo docente da UCLA. Seis meses após seu surto psicótico. Ele era um professor visitante, um psiquiatra em licença do corpo médico do exército britânico, e ambos, gostaram um do outro, de imediato. Tinham muito em comum. (167)

David e Kay, almoçaram juntos freqüentemente durante os meses em que ele passou na UCLA. Ele insistia em convidar Kay para Jantar; e ela, com a mesma insistência, dizia que não podia porque ainda estava casada e de novo morando com seu marido, após a separação inicial. Ele voltou para Londres. (168)

Kay acabou finalmente se separando.

Mais de um ano e meio depois, David voltou e convidou Kay para jantar. Ela aceitou, e passaram alguns dias juntos em Los Angeles antes que ele voltasse para a Inglaterra.

David convidou Kay para ir passar algumas semanas em Londres. Kay aceitou.(169)

Ainda em Londres, após um incidente, de haver derrubado seus comprimidos de lítio em um piso imundo, Kay tomou a decisão de pedir a David que lhe fizesse uma receita, e isso significava que teria de lhe falar sobre sua doença. (171)

Kay temia sua reação e sentia raiva de si mesma por não ter falado antes.

David foi gentil e demonstrou aceitação. Conversaram sobre a doença. Na noite seguinte, ele avisou que havia conseguido convites para jantar com dois altos oficiais do exército britânico, que sofriam da doença maníaco-depressiva. Foi um dos inúmeros gestos de generosidade por parte de David. (174)

Kay voltou para Los Angeles. Eles se escreviam e se falavam com freqüência.

Kay voltou a Londres em maio, e passaram duas semanas, juntos. Numa manhã, caminhando nos montes, David ficou parado; imóvel, respirando com dificuldade. David fez uma piada, os dois riram e ficou por isso mesmo. (175)

David foi transferido para o Hospital do Exército Britânico em Hong-Kong, e fez planos para Kay ir visitá-lo. Porém, não muito antes de ir visitá-lo, Kay recebeu a notícia de que David havia morrido de um ataque cardíaco fulminante. (176)

Kay encontrou um verdadeiro consolo na gentileza dos amigos, da família e mesmo de estranhos. (179)

2. Dizem que Choveu

Kay resolveu tirar um ano de licença na Inglaterra.

O amor,longos períodos dedicados a si mesma e uma vida fantástica em Londres e em Oxford deram, tanto ao seu coração quanto à sua mente, a oportunidade de voltar lentamente a remontar aquilo que havia sido destroçado.

Seu tempo ficava dividido entre o trabalho na St. George's Hospital Medical School em Londres e na Universidade de Oxford.(187)

Quatro anos após o falecimento de David, Kay encontra um amor de uma natureza muito diferente e uma crença renovada na vida. Ele foi extremamente compreensivo com a doença de Kay. (191)

3. O Amor a Observar a Loucura

Kay relutava em deixar a Inglaterra. O ano havia sido restaurador.

A exaustão mental havia feito longos e terríveis estragos, mas, por estranho que fosse, foi só quando voltou a sentir-se bem, cheia de energia e com ótima disposição, que Kay pode ter uma noção real destes estragos. (195)

Grande parte do tempo de Kay, era dedicado à elaboração de um manual sobre a doença maníaco-depressiva, do qual era co-autora. Volta e meia, em virtude de experiências tanto clínicas quanto pessoais, Kay se descobria dando ênfase à terrível letalidade da doença maníaco-depressiva, à apavorante agitação envolvidas nos estados maníacos mistos e à importância de lidar com a relutância do cliente em tomar o lítio ou outros medicamentos para controlar suas alternâncias de humor. Ter de tomar uma distância dos seus próprios sentimentos e do seu próprio passado para poder escrever de uma forma mais cerebral e intelectual foi revigorante e forçou Kay a estruturar a confusão que havia vivenciado além de pô-la numa perspectiva mais objetiva. (197)

Kay conheceu Richard numa festa de Natal em Washington. Ele é um renomado pesquisador da esquizofrenia; chefe de neuropsiquiatria no Instituto Nacional de Saúde Mental, e autor de mais de setecentos trabalhos e livros científicos. Menos de um ano depois de terem se conhecido, Kay voltou a Londres para outros seis meses, mais uma vez em licença da UCLA, e depois retornou a Los Angeles o tempo suficiente para cumprir suas obrigações posteriores à licença e fazer planos para mudar-se para Washington com Richard. (203)

Richard sempre foi discreto e tranqüilizador quanto à doença de Kay, no entanto, a compreensão num nível abstrato não se traduz necessariamente numa compreensão no nível prático. Não se trata de uma doença que se preste facilmente à empatia. Uma vez que um estado irrequieto ou desgastado se transforme em raiva, violência ou psicose, Richard, como a maioria das pessoas, tem grande dificuldade para encarar essa atitude como doença, em vez de vê-la como uma atitude voluntariosa, irada, irracional ou simplesmente cansativa. (206)

Nenhuma quantidade de amor pode curar a loucura. O amor pode ajudar, pode tornar a dor mais tolerável. A loucura, por outro lado, sem a menor dúvida e com freqüência consegue destruir o amor através da sua desconfiança, do seu pessimismo implacável, das suas insatisfações, do comportamento imprevisível e, especialmente, dos seus estados irracionais. (207)

Quarta Parte

Uma Mente Inquieta

1. Por Falar em Loucura

Não muito tempo antes de Kay sair de Los Angeles para Washington, recebeu uma carta de uma mulher, que tendo visto um cartaz de uma conferência que ela iria dar, ficou indignada por ser usado o termo “loucura” no título da palestra. Ela escreveu que Kay era insensível, grosseira e que obviamente não fazia a menor idéia de como era sofrer de algo tão horrível quanto a doença maníaco-depressiva. Kay era apenas mais uma médica que estava galgando a hierarquia acadêmica pisando nos corpos dos doentes mentais. (211)

Kay ficou abalada com a ferocidade da carta, mas acabou pensando muito sobre a linguagem da loucura. (211)

O uso do termo cada vez mais popular “transtorno bipolar”, agora firmemente enraizado na nomenclatura do DSM-IV, em lugar do termo histórico “doença maníaco-depressiva”. (214)

A maioria dos clínicos e muitos clientes consideram que “transtorno bipolar” é menos estigmatizante do que “doença maníaco-depressiva. (214)

Surgem duas perguntas: Será que o termo “bipolar” é realmente preciso no sentido médico?

E será que mudar o nome de uma enfermidade de fato conduz a uma maior aceitação dela? Ou, em vez disso, ela resulta de esforços vigorosos de informação do público; de tratamentos eficazes como o lítio; os anticonvulsivantes; antidepressivos e antipsicóticos; de tratamentos que não sejam apenas eficazes mas que também de algum modo atraiam a imaginação do público e da mídia (por exemplo, a influência do Prozac sobre a opinião pública e o conhecimento da depressão); da descoberta das causas subjacentes da doença mental de natureza genética ou de outras naturezas biológicas; de técnicas de visualização do cérebro, como a tomografia por emissão de positrons e a ressonância nuclear magnética, que comunicam visualmente a localização e a existência concreta desses transtornos.

Os principais grupos de conscientização em saúde mental são compostos de clientes; familiares e profissionais de saúde mental. Esses grupos tem uma eficácia especial na transmissão de conhecimentos ao público; à mídia e aos governos estaduais e federal. Tais grupos facilitaram a vida para todos os que sofrem de doenças psiquiátricas, quer se autodenominem loucos, quer escrevam cartas de protesto para os que assim agem. (217)

2. A Hélice com Problemas

O fato de a doença maníaco-depressiva ser genética traz consigo, o que não é de surpreender, emoções muito complicadas e geralmente difíceis. Existe a culpa e a vergonha terrível que os outros podem fazer a pessoa sentir. (227)

Quais são os riscos para os que assumem riscos? (229)

Outros fatores ambientais; bioquímicos e genéticos (como a exposição a mudanças prolongadas ou significativas de iluminação; a redução pronunciada do sono; o parto; o uso de drogas ou álcool) podem ser pelo menos parcialmente responsáveis tanto pela doença quanto por características temperamentais e cognitivas associadas às grandes realizações. (230)

Nos clientes bipolares há um número significativamente maior de pequenas áreas de hiperintensidades de sinais focais (áreas de concentração aumentada de água) sugestivas de tecido anormal. (232)

Existem também alterações associadas a outras enfermidades, como por exemplo, a doença de Alzheimer; a esclerose múltipla e a demência multiinfarto. (232)

Como costuma ocorrer nos campos novos da medicina clínica, há muito mais perguntas do que respostas, e não se chegou, ainda a uma conclusão do que todos estes “achados” significam. Eles podem ser decorrentes de problemas de avaliação; podem ser explicados pela história dietética ou de tratamentos; podem ser decorrentes de algum fator totalmente independente da doença maníaco-depressiva; podem haver uma infinidade de explicações. (235)

O próprio fato de a ciência estar avançando com tanta rapidez, de certa forma gera esperanças; e, se as alterações na estrutura do cérebro realmente se revelarem significativas, pesquisadores de primeira linha, as estão estudando. Sem a ciência, não haveria nenhuma esperança. (235)

3. Licença para Clinicar

Haviam muitos motivos pelos quais Kay relutou em abrir-se acerca da doença maníaco-depressiva. Alguns destes motivos são pessoais, outros, são profissionais. As questões pessoais giram em torno da privacidade da família, especialmente porque a doença em questão é genética. (239)

No entanto, as principais preocupações de Kay quanto ao debate sobre sua doença, são de natureza profissional. (241)

No início de sua carreira, elas se concentravam no medo de que o Conselho de Examinadores Médicos da Califórnia não lhe concedesse uma licença se fosse do seu conhecimento que ela tinha a doença maníaco-depressiva. (242)

Posteriormente, preocupou-se com o fato de que residentes e internos, pudessem não dizer o que realmente pensavam ou deixassem de fazer perguntas, pelo fato de ela ser maníaco-depressiva. (242)

Sentiu medo de que seu trabalho fosse encarado por colegas como até certo ponto influenciado pela doença. (242)

Kay tem consciência, porém, que seu trabalho foi tremendamente influenciado pelas suas emoções e experiências.. Elas influenciaram sua prática clínica e o que decidiu estudar: a doença maníaco-depressiva em geral e, mais especificamente, o suicídio; a psicose; aspectos psicológicos da doença e seu tratamento; resistência à aceitação do lítio; características positivas da mania, bem como a importância da psicoterapia. (243)

Na UCLA, Kay informou a todos sobre sua doença; seu médico e tratamento. Também disse a todos que se sentissem à vontade para fazer ao seu psiquiatra quaisquer perguntas que lhes parecessem necessárias sobre sua doença e sobre sua competência para clinicar (seu psiquiatra, por sua vez, foi solicitado a comunicar, tanto a ela, quanto a qualquer outra pessoa que ele considerasse necessário, se ele tivesse qualquer preocupação a respeito do dicernimento clínico de Kay). Seus colegas concordaram que, se tivessem quaisquer dúvidas sobre o dicernimento clínico de Kay, eles a informariam diretamente, providenciariam sua retirada imediata de quaisquer compromissos de atendimento a pacientes, e avisariam seu psiquiatra. Felizmente Kay nunca precisou renunciar à sua licença para clinicar. (247)

Quando Kay saiu da UCLA para voltar a Washington e entrar para o Johns Hopkins, sentiu-se receosa quanto a tudo. Finalmente, chamou o diretor para informá-lo de sua doença. Foi muito bem acolhida. (249)

4.Uma Vida Rica em Humores

Trinta anos de convivência com a doença maníaco-depressiva, deixaram Kay cada vez mais consciente tanto das limitações quanto das possibilidades que a acompanham. Não é preciso nenhum esforço de imaginação para que Kay lembre dos meses de exaustão e trevas implacáveis, ou dos tremendos esforços necessários para que pudesse ensinar; ler; escrever; atender clientes e manter relacionamentos. (252)

No entanto, apesar de essas lembranças e essas alterações de humor terem sido verdadeiramente horrendas, elas sempre foram compensadas pela animação e vitalidade de outras. A vitalidade que a mania infunde nas experiências de vida; cria estados poderosos, de lembranças penetrantes. O que existe agora para Kay, é uma troca de um passado perturbado, mas vivido com intensidade por uma existência presente confortável e acomodada. (252)

Qualquer tentação que Kay possa agora ter de voltar a captar esses estados de ânimo através da mudança da medicação recebe rapidamente um jato de água fria decorrente do conhecimento de que uma emoção agradável logo se transforma primeiro em emoção frenética e depois acaba em insanidade descontrolada. (254)

Embora Kay sinta-se otimista quanto a continuar bem de saúde, conhece sua doença de uma quantidade suficiente de pontos diferentes de observação para ter uma visão bem fatalista quanto ao futuro. Conseqüentemente, sabe que presta atenção a conferências sobre novos tratamentos para a doença maníaco-depressiva com um interesse muito mais que apenas profissional. (254)

No final das contas, são os momentos isolados de inquietude, de desolação, de fortes convicções e entusiasmos, que caracterizam nossa vida, que mudam a natureza e a direção do trabalho e que dão colorido e significado final ao amor e às amizades. (258)

Epílogo

Muitas vezes, Kay se perguntou se optaria por ter a doença maníaco-depressiva, caso pudesse escolher. (259)

Não há nada de bom que se possa dizer da depressão, a não ser que ela nos dá a experiência de como deve ser a velhice, com todas suas limitações. (260)

Com a mania, experienciou a vida com mais intensidade. (261)

A doença, fez Kay testar os limites de sua mente, bem como os limites da sua criação; sua família; formação e dos seus amigos. (261)

Agradecimentos

Escrever um livro dessa natureza, não teria sido possível sem o apoio dos amigos; colegas; familiares. (264)

 

Apreciação pessoal sobre o livro

Livro que nos passa a experiência de uma profissional da área de psicologia com a doença mental.

Sua leitura pode enriquecer a trajetória de todos os profissionais envolvidos nas áreas de educação e saúde.

 

Nome do autor da resenha e data: Désirée Pereira Jorge Bettega, 2004.